sexta-feira, dezembro 16, 2005

O Crime de Vera Sacramento


Pobre coitado do Eça de Queiroz. Não chegava em 2002, sobre a direcção de um tal de Carlos Carrera, surgir outro tal de El Crimen del Padre Amaro, como agora isto. Mas quando surgiu o filme mexicano (onde entrava, como Padre Amaro, um tal de Gabriel Garcia Bernal), uma pessoa pensou de si para si: Olha, que se dane, o mal está feito, já ninguém consegue piorar a obra imortal do nosso Eça! E não é que esta gente não pára de nos surpreender? Pensava seriamente, que depois de ver o livro adaptado com sotaque de novela mal dobrada, nada, por muito esforço que nisso se pusesse, podia piorar. É aqui que entra Vera Sacramento. A senhora, que queira-se ou não, conseguiu o feito já acima mencionado de surpreender, é a responsável pelo guião. Como quem diz, se alguém quiser ter um nome para usar nos insultos sobre o esquartejamento do livro, por favor diriga-se a ela.
Mas o pior nem é a adaptação (mal conseguida) da obra para a realidade actual, onde apesar de tudo se capta alguma da essência do livro, por exemplo ao nível da caracterização da igreja. O pior continua a não ser a falta de uma ideia generalizada, um fio condutor, como se todos fossem fazendo algumas cenas sem noção de conjunto. O pior nem é, imagine-se, um fraquinho Jorge Corrula a fazer do pobre Amaro. O pior é que o filme não é um filme. É um telefilme da SIC, de 180 minutos, a ser transmitido em 4 episódios brevemente, numa televisão perto de si.
É esta subversão da lógica cinematográfica, onde a televisão se torna mais importante e o cinema serve para publicitar a televisão, que leva ao descalabro do filme. Personagens que aparecem e desaparecem sem dizer "água vai", histórias que não se percebem (pudera, o filme não está completo!) e a estranha sensação de não estar a ver um filme, mas praticamente um trailler.
Sobram alguns bons pormenores, como o sejam Nicolau Breyner, Rui Unas e o incontornável corpo de Soraia Chaves. Tudo isto pincelado com o que sobrou do já morto e esquartejado Eça.

"O Crime do Padre Amaro" é um filme de Carlos Coelho da Silva, com Jorge Corrula, Soraia Chaves, Nicolau Breyner, Rogério Samora, Nuno Melo, Rui Unas, Ricardo Pereira e Cristóvão Campos.