sexta-feira, outubro 20, 2006

Rafael

"É um livro sobre o exílio, onde encontramos uma transposição do que é vivido para o que é escrito, em que não é possível distinguir o que é real do que é ficção. Verdadeiros poemas em prosa, contam um sonho de liberdade e de regresso à pátria, vivido e escrito com sangue"
José Augusto Seabra

Duas ideias a reter desta descrição de José Augusto Seabra do livro Rafael do seu amigo Manuel Alegre. Remonta a 2004 esta frase, altura da apresentação do livro no Porto, onde foi propósito de um reunião de antigos lutadores contra a opressão fascista. Primeiro, a impossibilidade de distinguir o real da ficção. Segundo, a ideia do poema em prosa.

Assim é, de facto, Rafael, livro memorialista, meio ficção, meio documento histórico a reter. Rafael em homenagem à Utopia de Thomas More, onde um marinheiro português do mesmo nome apresenta a ideia de uma ilha utópica. É desta ilha que se fala no livro, directa ou indirectamente. Da construção de um sonho em volta da possibilidade de um país que, à altura, o não era. Da desconstrução de um ideal face aos desenvolvimentos políticos do mundo.

Um livro passado na segunda metade do século XX e que, como tal, é um bom meio de apresentação à época. Bom no registo histórico, bom no debate ideológico que se viva na altura, especialmente entre a comunidade portuguesa exilada. Bom também nisso mesmo, no retrato dos exilados, os de dentro do lado de fora, o lado da luta em Paris, Praga, Argel.

Voltando a José Augusto Seabra, torna-se difícil, face à biografia de Manuel Alegre, não confundir o Rafael, exilado em Argel, lutador, sonhador, resistente ao regime e a qualquer tipo de ditatorialismo, com o Manuel, exilado em Argel, lutador, sonhador, resistente ao regime e a qualquer tipo de ditatorialismo. Mesmo Manuel Alegre, ao longo do livro, voluntariamente, parece ter essa dificuldade. Nada que cause estranheza nem que minimize o valor desta ficção autobiograficamente histórica.

Quanto aos poemas em prosa, como lhes chama Augusto Seabra, o contrário não seria de esperar de um escritor que se destacou, maioritariamente, pela poesia. Dividido em vários trechos de pequenas dimensões, o livro avança com a sua história por entre confissões pessoais, problemas amorosos, lutas partidárias e referências geográficas. Para além da estrutura, também a escrita de Manuel Alegre não dispensa a melodia e a dedicação do poema. Um livro com excelentes referências históricas que reconta os eventos da luta anti-fascista pelos olhos de um lado ainda mal explorado pela literatura portuguesa, os exilados.
Título: Rafael
Autor: Manuel Alegre
Nota: 6/10