quinta-feira, março 01, 2007

O Misantropo

Misantropia – Ódio ao ser humano ou à humanidade em geral. Antónimo de altruísmo e filantropia.

Há, a priori, uma separação a ser feita. O texto e esta versão que nos é apresentada pelo Teatro da Comuna. O texto, de Molière e com tradução de Luís Miguel Cintra, é das melhores obras que poderemos ver representadas num qualquer palco, desde que bem orientado. Uma tradução irreprensível de Luís Miguel Cintra traz-nos um texto fiel à sua origem, tanto quanto possível, mais do que no conteúdo, também na forma.

O Misantropo serve-se da história de Alceste, um homem revoltado com a sociedade hipócrita e tortuosamente simples em que se insere. Alceste está apaixonado por Celimène, que é tanto a causa do seu desconforto social como o paradoxo irónico dele mesmo, já que esta não é senão um dos principais bastiões desta retardatária e maledicente sociedade. É na criação desta oposição entre Alceste e a sociedade mesquinha, e na caracterização mordaz mas precisa da mesma, que a peça de Molière se imortaliza.

Perante isto, punham-se vários cenários possíveis. A escolha de Álvaro Correia é das mais acertadas. O texto nem sempre é fluído pelas truculências que anos de evolução linguística e teatral impuseram mas a escolha do registo natural e levemente quotidiano sobressaí pela positiva. Aliás, este será o registo que pontuará toda a peça, uma mistura entre a eternidade da peça e modernidade da mesma. Uma mistura de identidades que bem assentam quer na peça escrita quer na montada. Do vestuário, à música, passando pelas marcações e intensidade das personagens.

Mais, a escolha do cenário revela-se ainda refrescantemente simbólica. Meros puffs contrastam com o texto de grande salões senhoriais, levando à reflexão óbvia sobre a actualidade do texto na sociedade que presenciamos. Sessões sociais de corte e costura humano são o pano de fundo. Pelo meio deste intrincado tricotar social, assistimos à história de Alceste, da sua sinceridade e da sua disputa amorosa com um autor, Oronte, o escritor falhado. Maneira subtil esta do autor desta critica de chegar a esta interpretação, com um metafórico, mordaz e caricaturado Orionte, uma das melhores interpretações.

Quer o texto de Molière, quer a versão que nos é apresentada, são provas inequívocas de capacidade teatral de suscitar à reflexão. Perder este texto seria despediçar uma oportunidade. Um final, súbito, deixa levantar o véu de perguntas maiores. Poderemos nós mudar a sociedade?

O Misantropo está em cena no Teatro da Comuna até 25 de Março. De 4ª a Sábado às 21h30m e Domingo às 16h.

Título: O Misantropo
Autor / Tradutor: Molière / Luís Miguel Cintra
Encenação: Álvaro Correia
Elenco: Àlvaro Correia, João Tempera, Miguel Sermão, Lucinda Loureiro, Rogério Vieira, Sara Cipriano, Sandra Faleiro e Victor Soares.