sábado, outubro 07, 2006

FutureSex/LoveSounds




Mais do que repetidamente mencionar as etapas da ascensão de Justin Timberlake ao estrelato (num esquema: Clube do Rato Mickey – ‘N Sync – Britney Spears – carreira a solo), importa notar que, embora separados por décadas e com magnitudes diferentes, Michael Jackson e Justin partilham a mesma conquista precoce da fama e dos seus efeitos possivelmente devastadores. Nuns resultará mesmo na adopção de extravagâncias e hábitos questionáveis, estética ou moralmente, mas noutros criará uma pressão simultaneamente externa e interna para alcançar grandes feitos. Ser-se um astro nos Jackson Five ou apresentador do Clube do Rato Mickey quando ainda se tem pouco mais de um metro de altura não é marca que moleste, mas permanecer-se no firmamento e atingir-se a maioridade preso ao éter deixará as suas mazelas. Em Justin (e pudessem todas as feridas ser assim) nasceu um sentimento de dever, um propósito: tornar-se um ícone intemporal da pop.

Será cada vez mais difícil atingir-se esse estatuto. À medida que o tempo passa e as artes evoluem, designadamente a sua relação com a indústria e o público, – abalroada desde há uns anos a esta parte pelo fenómeno da internet – acentua-se a tendência do surgimento de proto-estrelas que instantaneamente se reconhecem como passageiras, e somem. Desdramatizando, não se pode dizer com rigor que desapareçam, embora a sua presença frequentemente se limite a pressões editoriais ou à manutenção de nichos de mercado. E há agora um efeito inverso que talvez tenha reposto uma certa justiça em todo este processo: certos artistas conquistam notoriedade via internet (cada vez mais via myspace) antes de assinarem contrato discográfico. Algum do poder de escolha fugiu à indústria.

Interrompendo a divagação, serve o abordado para entender o que se passará na cabeça de alguns dos que pretendam esse máximo posto, o trono. Com tanta competição e com o inevitável esbatimento das fronteiras que vigoraram até finais da década de 90, frente a este mercado confuso quando tenta novamente pensar em underground ou mainstream, não restam muitas alternativas. Há que abraçar o utilitarismo, ser-se hedonista quanto baste e arranjar a melhor companhia. Traduzindo, a tarefa é conviver com bons produtores e criadores à espera que um deles dê uma ajuda e componha.

Justin é mestre na fórmula. Em Justified, álbum de estreia, colaborou com os Neptunes e com Timbaland, resultando num disco desequilibrado mas com uns 3 ou 4 êxitos monumentais, que durante o anos de 2002 e 2003 invadiram os nossos lares. Em FutureSex/LoveSounds, Justin abandona o solarengo pulsar rítmico dos Neptunes e recicla a sua temática preferida (a do amor), versando sobre um renovado mistério associado ao sexo e ao prazer. Em termos de produção, isto significa optar por Timbaland, actualmente empenhadíssimo em deixar uma impressão digital sua em tudo o que seja libidinoso. O produtor norte-americano, outrora cúmplice de Missy Elliott, anda enamorado com os seus sintetizadores, e continua a produzir as bases rítmicas e linhas de baixo apenas suficientes para sustentar aqueles loops lânguidos. Escutando as 5 primeiras faixas, não há como recusar: a execução é óptima. Há uma grande harmonia entre as melodias, as letras, os ritmos e, essencialmente, a sensualidade; há a fuga à ditadura dos 3 minutos por música no universo pop (tal como as restantes); até se encontra uma data de subtilezas como pequenas distorções, ecos e arrastamentos, inéditas nesta abundância em Timbaland. A pista que dá o nome ao álbum é a melhor declaração de princípios que um gigante da pop faz em anos. “SexyBack”, enfim, é quase tolo escrever sobre ela, visto que é ostensivamente uma encenação sobre os mecanismos não explícitos do sexo. “My Love” deu certamente algum trabalho a compor, pois é como que uma balada retalhada até parecer uma música com o metrónomo acelerado. “LoveStoned” parece roubada aos Neptunes, e é uma celebração do ritmo.

Depois disto, e embora ainda haja uma inesperada “Chop Up” a piscar o olho ao crunk, uma “Summer Love” com Timbaland dos tempos modernos e 0 Justin de antigamente em simbiose e um tributo a Prince (“Damn Girl”), o álbum inexplicavelmente deixa-se arrastar para o entediante planeta da superprodução e do défice criativo. Melodias fracas, uma canção insuportável - “(Another Song) all over again” – e até um coro vagamente religioso (“Losing My Way”). O que podia ser um perfeito álbum pop, na esteira de outros de Prince e Michael Jackson em décadas anteriores, acaba por ser apenas bom. Justin e Timbaland, a meio do caminho, desviaram-se do caminho que seguiam e esqueceram-se que num álbum pop e conceptual o conceito (neste caso, sexo) tem de acompanhar todos os minutos da audição.
Nota: 7/10