segunda-feira, janeiro 29, 2007

Poesia do Eu

“António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.”

Falar de Fernando Pessoa é uma obra tanto perigosa quanto problemática. Quer pela vastidão da obra escrita, quer pela vastidão da mente do poeta, quer ainda pela vastidão de ensaios e comentários que têm vindo a ser desenvolvidos nos últimos anos. Mas, apesar do perigo, existe algo que permanece essencial. Conhecer, a fundo, a obra de Fernando Pessoa, quer para estudo, quer simplesmente para deleite. E se, a este ponto, temos acesso à obra praticamente total do autor, editado até em várias edições, tal deve-se a vários editores e estudiosos que transformaram Pessoa, do previamente editado ao manuscrito, em compilações de elevada qualidade, maioritatiamente via Assírio e Alvim.

Como diz Richard Zenith no prefácio, “Surgirão ainda eventuais inéditos (incluindo na presente edição) e a fixação dos textos irá sendo melhorada, mas o grosso do trabalho já foi feito”. Para além deste trabalho, há ainda o trabalho da compreensão do autor, que devemos a Adolfo Casais Monteio, Teresa Rita Lopes, Fernando Cabral Martins, João Alves das Neves ou ao próprio Pessoa, por interposto das suas cartas explicativas. O que se apresenta aqui é mais uma hipótese de descobrir, rever ou aumentar a relação com a obra ortónima em português da figura máxima da literatura portuguesa do século XX, quiçá a figura máxima da literatura portuguesa em si.

Sê-lo-á não só pela inegável qualidade poética, pela intrincada mente que em tudo reflecte a personagem portuguesa ou pelo vanguardismo com que liderou a busca de um novo movimento literário que culminou no modernismo português, mas também pela complexidade e alcance de todas as áreas que abrangeu. Da heteronomia às quadras, do épico desmedido à contenção politica face a Salazar, do português ao inglês, da prosa à poesia, do ensaio ao lírico. Pessoa é um poeta, um tratador da palavra, que consegue tanto alcançar o mais profundo da problemática que aborda, como simplesmente jogar com as palavras, baralhar e voltar a dar.

Parte da Colecção Obra Essencial de Fernando Pessoa, mais do que incluir alguns poemas inéditos, esta Poesia do Eu, com edição de Richard Zenith, é um composto de qualidade elevada no que toca à documentação e à referência, complementando os poemas com indicações importantes e nunca excessivas, salvaguardando os leitores que as dispensarem. Engloba Poemas de 1908-1935, Mensagem, Canções da Derrota, Fausto, Ruba’iyat, Quadras e Juvenília.

Como se vê, apesar da ausência da heteronomia, Freudianamente apenas a ponta de um iceberg muito mais complexo que será a mente do poeta, Poesia do Eu é uma obra vasta e intrincada. Do Pessoa descobridor de novas possibilidades literárias, com o pauismo ou o interseccionismo, ao Pessoa politico, passando por versões amorosas, angustiadas, populares ou existencialistas. A obra está, neste momento, ao nosso dispor. Resta-nos descobrir.

Título: Poesia do Eu
Autor: Fernando Pessoa