quinta-feira, março 22, 2007

Os Anjos Exterminadores

Nenhum tema se vulgarizou tanto na sociedade ocidental filmada como o sexo. Contudo, os meandros por onde o grande ecrã apresenta este tema são, praticamente sem excepção, uma exposição estilizada e cada vez mais aborrecida de um acto sexual clichezado. Há, contudo, realizadores que sabem manejar o sexo, para além dos tabus, ou mesmo dentro destes tabus. Há os despudorados, como Larry Clark, e há os estetas, como Jean-Claude Brisseau. O que os une é a tentativa de usar o sexo como liberdade, cada um à sua maneira. Como compreensão, como escape, como pathos.

Quem brinca com o fogo, queima-se. Frase feita icariana de índole popular, espécie de advertência católica contra qualquer tipo de tentação, mas que se aplica, em jeito de moral da história, ao mais recente filme do realizador francês. Os Anjos Exterminadores relata a procura voyeurista de uma realizador perseguido pelos seus fantasmas. François, enquanto prepara a realização de outro filme, depara-se com a sua necessidade de compreensão da sexualidade feminina. Esta necessidade irá dar azo à criação de um novo filme, numa espiral de polémica perante uma sociedade exterior que nunca se sente. O ambiente do filme é fechado em si próprio, repousando tudo sobre os ombros de François.

A partir deste ponto, François entregar-se-á à procura das suas actrizes no seu método muito próprio. Observá-las e filmá-las na sua procura pelo prazer. É assim que vai conhecer e dar a conhecer entre si Charlotte, Julie e Stephanie, três jovens sem relação mas que rapidamente constroem um triunvirato que será tanto o sucesso como a ruína do realizador. Com elas, François cria uma relação parental edipiana de atracção e envolve-se cada vez mais, perdendo o controlo. Pelo meio de tudo isto, aparições de cariz demoníaco parecem reger externamente a história desde o principio, como se a sexualidade feminina fosse, de facto, um segredo dos deuses.

Neste filme com forte pendor autobiográfico, François assemelha-se à Justine de Sade a quem tudo acontece pela sua virtuosidade, com reflexo na sua sexualidade. Com o senão de que, aqui, é ele mesmo que despoleta todos os acontecimentos sobre si próprio, sem o saber. Ou sabendo-o. Os Anjos Exterminadores importa menos como caracterização lésbica de um prazer feminino ainda misterioso do que como pesquisa freudiana de uma realizador que é uma sociedade à procura de respostas. É menos De Olhos Bem Fechados do que é O Último Tango em Paris. Há uma concepção de sexo e prazer, uma procura do tabu, uma despreocupação face ao conservadorismo burguês que cria algo mais que o mero sexo, ainda que, em última instancia, tudo se resuma a isso mesmo.

Brisseau premeia, como sempre, uma estética visual, uma encenação de grande espectáculo em que, por vezes, a nossa visão se confunde com a de François. É ainda interessante rever o carácter do destino, enquanto fado, deste realizador apolíneo e dionisíaco ao mesmo tempo. Um destino que constrói por oposição à imagem de um anjo exterminador que o vai controlando enquanto ele se imiscuir nesse assunto negro, o sexo dos anjos, que é o sexo das mulheres. A bem dizer, Brisseau consegue menos do que aquilo a que se propõe, em grande parte por estas inusitadas aparições mal limadas. Fosse o filme de Brisseau o filme de François, ou fosse o filme de Brisseau apenas sobre o filme de François e o resultado seria bem diferente.
Título: Os Anjos Exterminadores
Realizador: Jean-Claude Brisseau
Elenco: Frédéric van den Driessche, Maroussia Dubreuil, Lise Bellynck, Marie Allan, Raphaële Godin, Margaret Zenou e Sophie Bonnet.
França, 2006.
Nota: 6/10

5 Comments:

Blogger Luís Galego said...

"Os Anjos Exterminadores importa menos como caracterização lésbica de um prazer feminino ainda misterioso do que como pesquisa freudiana de uma realizador que é uma sociedade à procura de respostas"

parece-me que já é cliché o facto de os homens pensarem que conhecem o pensamento feminino sobre as questões do sexo, então não há obra em que não existam cenas lésbicas....será algo feminio, ou mais um fectiche masculino...penso que já satura....deixem as mulheres falar e filmar sobre o seu próprio prazer.

Não obstante, este como os demais posts são sempre de grande nível. É bom vir aqui, a este espaço de crítica artística.

6:55 da tarde  
Blogger Gustavo Jesus said...

Concordo por inteiro, daí me parecer positiva a abordagem de Brisseau em que a personagem anda numa busca constante, exactamente por se aperceber que desconhece a realidade da sexualidade feminina.

Por outro lado, obrigado pelo elogio e, acima de tudo, por voltar.

7:06 da tarde  
Blogger cavaleiro_do_caos said...

O filme é péssimo. Em algumas cenas beirando o ridículo. Brisseau nadou, nadou e morreu na praia, enquanto o expectador tem que sacrificar longas horas diante de um protesto pessoal que não interessa muito a ninguém. Almodovár consegue muito mais exito sobre esse tal "estudo da sexualidade" que o frânces.

No todo? Um filminho tacanho com cenas bastantes toscas como: a velhinha esquisita que aparece do nada, as anjas lésbicas, o final previsível e a cena da cadeira de rodas hilária.

As interpretações estão muito abaixo da média e o filme é sempre em piloto automático...of of of...

5:40 da manhã  
Blogger Renan Kossmann said...

Particularmente adorei o Les Anges Exterminateurs, eis que tal, como boa parte dos filmes franceses, fica circunscrito a um diálogo bem articulado dos personagens, que, naturalmente, decepciona os que esperam eventos repletos de imprevisão e novidades, como se o cinema fosse uma fábrica noticiosa; no entanto, o filme agrada àqueles que são afeiçoados ao estudo do perfil psicológico dos figurantes, bem como aos que apreciam os limites em que se dá conversação destes. À busca de uma expressão perfeita do prazer sexual da mulher, foi o que conduziu François a também ingressar profundamente no mundo feminino, deparando-se com a manipulação, a chantagem e a hipocrisia, revestidos por doçura, sensualidade e encanto, o que ficou bem emoldurado quando em contraste com sua imagem de pai, manifestada através de um sujeito calmo e seguro de si, circunstância esta que o impediu de enxergar o perigo que beirava a sua vida, pois, como dito no início do filme, François era uma mistura estranha de burrice e inteligência, motivo pelo qual restou beijado e mordido ao mesmo tempo.

2:19 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Realmente .. o Cavaleiro do Caos tem razão.. os outros posts dizem e redizem oq ah tempos se escrevem por ai.. no mais, realmente Almodovar faz além.. pior, tem banana aqui no Brasil q faz direitionho e goza dentro sem com a sorte de não engravidar ninguem.. Bjs

5:15 da manhã  

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