terça-feira, fevereiro 06, 2007

Moby Dick


Umas das peças de teatro que gerou mais expectativa no início do presente ano foi Moby Dick. Em cena no Teatro Municipal São Luiz, vários são os motivos que suscitaram interesse prévio no público português. A adaptação da famosa obra de Herman Melville para os palcos é provavelmente o que mais chama a atenção das pessoas. Outro foco de curiosidade prende-se com os habituais actores de comédia, Maria Rueff e Miguel Guilherme, interpretarem papéis dramáticos. Por último, outro factor que apela o público ao teatro é a sala em que o espectáculo está em cena. O Teatro S. Luiz é um dos espaços da capital mais atractivo culturalmente e com um programa para o ano 2007 promissor.

Confesso que tenho um grande handicap perante esta peça de teatro: não li o livro Moby Dick. No entanto, o interesse pela encenação da minha parte não foi menor. Não posso, contudo, avaliar o sucesso da adaptação da obra para o registo dramático. Só posso apreciar o espectáculo como peça de teatro. E aqui, este não é perfeito. É engraçado, vistoso, e principalmente dirigido para o público geral e não o que está habituado a ir ao teatro. Parecendo que não estou de acordo, afirmo que até vejo uma certa coerência nesta opção, até porque à quarta-feira, às 11h e às 14h30, as sessões são para as escolas. Contudo, este tipo de espectáculos peca pela intensidade que se pede exacerbada nos dramas. Esta crítica é baseada no pouco ênfase dada à fúria do Capitão Ahab. Não seria suposto esta não se limitar à sua vingança com a baleia e transbordar para os companheiros de viagem?

Os responsáveis por esta adaptação, Maria João Cruz e o encenador António Pires, começaram a trabalhar juntos em 2002, com a adaptação do texto para Um D. Quixote - Um Musical, a partir do clássico de Cervantes. Pelo meio já adaptaram obras de autores como Luís de Camões e William Shakespeare. Este tipo de acções são de louvar porque leva aos palcos portugueses textos de enorme qualidade, interpretados de maneira a alargarem os nossos horizontes na percepção das mesmas obras e, chamam os portuguesas às salas de teatro que, por estes últimos tempos, ao contrário de outros anos, estão cada vez mais preenchidas. O encenador, começou em 1990, já encenou inúmeras peças de teatro e, tem se especializado num tipo de encenação apelidado de coreográfico, que consiste na fusão de texto e imagem tal qual uma coreografia. Em Moby Dick, António Pires aproveita-se da imensidão do palco para expor quatro elementos cénicos de peso. Um pano de fundo onde são projectadas paisagens bastante reais; um mastro enorme de pouca utilidade; uma construção de madeira, esta sim de elevado proveito, servindo no primeiro acto de quarto de uma das personagens, e nos restantes de barco. Estranho? Em palco resulta; e, a grande baleia, a “personagem principal” como referiu o encenador. Eu discordo. A baleia é sem dúvida muito vistosa e capaz de abrir muitas bocas de espanto mas só durante 5 efémeros segundos. Conclusão, dois dos elementos cénicos são enormes em tamanho mas pequenos em funcionalidade. Quanto à direcção de actores, Pires afirmou que tem os actores que escolheu inicialmente o que nem sempre é possível. A escolha é acertada. Quem vai à espera de ver grandes interpretações dos actores mediáticos ficará surpreendido com as restantes interpretações de exorbitante qualidade.

Maria Rueff, muita gente não sabe, é formada no Conservatório. Onde estudou e interpretou vários autores clássicos que assentaram a sua escrita no drama. No entanto, desde que saíra da escola de teatro só conheceu um registo, a comédia. Este é o seu primeiro papel dramático desde a sua formação. Fico, ansiosamente, à espera do próximo. Primeiro, este papel é pouco profundo e complexo para uma actriz de formação. Espero que a desafiem para uma interpretação mais dramática. Mas apesar da aparente simplicidade da personagem, a actriz realizou um excelente trabalho ao nível vocal e, sobretudo, no não recorrer aos tiques e exageros que as suas habituais personagens exigem. Miguel Guilherme é uma das minhas referências, com um curriculum vastíssimo em cinema, teatro e televisão. Também ele encontrou a notoriedade na comédia. E nesta peça de teatro a prova é bem mais exigente que a de Maria Rueff. A nota no final é positiva mas não é um 20. É notório que o drama não é a praia de Miguel Guilherme. Sempre que a personagem se exprime ironicamente ele estica a expressão ao limite até provocar gargalhadas. É também claro que, o actor precisa da evolução da acção para a sua personagem evoluir. Se é um facto que no final Miguel Guilherme quase atinge a perfeição, em muitos momentos anteriores o mesmo não foi conseguido. Sobre o restante elenco que já o classifiquei como de elevada qualidade, destaco dois nomes, Graciano Dias (Ismael) e Miguel Borges (Queequeg). É verdade que têm um maior realce do que os restantes pela cena que contracenam mas as suas presenças em palco são delineadas por uma coerência constantemente apropriada e sustentada pelos seus visíveis recursos.

Moby Dick é um clássico da literatura americana que temos o privilégio de ver encenado em Lisboa e, podendo não concordar com certas opções e não sendo um espectáculo que me encha as medidas, reconheço a importância que poderá ter no panorama nacional pelos argumentos que já descrevi anteriormente.
Título: Moby Dick
Autor: Herman Melville
Adaptação: Maria João Cruz
Encenação: António Pires
Elenco: Maria Rueff, Miguel Guilherme, Graciano Dias, João Barbosa, Miguel Borges, Milton Lopes, Ricardo Aibéo e Rui Morisson

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não é o primeiro papel dramático da Maria Rueff.
Em 1994 entrou numa encenação de As Troianas de Jean-Paul Sartre. encenação de Elsa Valentim e Maria Duarte no CCB. O espectáculo ganhou vários prémios. É melhor informarem-se melhor antes de dizerem coisas dessas, não?

12:35 da tarde  
Blogger Ensaio said...

Caro frunobulax:

Antes de qualquer um de nós dizer "coisas dessas" é óbvio que tenta informar-se ao máximo.
Neste caso específico posso afirmar que não há melhor fonte que a minha. A própria Maria Rueff. Portanto se acha que ela fez algum papel dramático anteriormente terá que lhe lembrar. Pois ela respondendo a uma série de perguntas onde eu estava presente disse explicitamente que era o seu primeiro papel dramático como profissional.

5:27 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

http://www.fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/centro-estudos-teatro.htm
o espectáculo chamava-se "AS TROIANAS" de Jean Paul Sartre.

6:14 da tarde  
Blogger Ensaio said...

Não concorda que a minha fonte é a mais segura de todas? Ou essa caça ao erro já é um obsessão tal que não interessa o que eu digo. Repito, terá que lembrar a própria Maria Rueff que já fez esse tal papel, porque o (tão desejado) erro não é meu mas da Maria Rueff

8:43 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Mas qual caça ao erro?!
A única coisa que digo é que a própria Maria Rueff, por razões que desconheço, esqueceu o espectáculo que fez. Mas que o fez, fez. E não era uma comédia.
Se soubesses da existência desse espectáculo antes de ela dizer tais coisas podias tu ter perguntado. Só que deves ser demasiado novo para isso...
Se vocês querem informar as pessoas com alguma exactidão deviam ficar contentes com o reparo do "erro tão desejado". Mas o que me parece é que não querem informar, aquilo que retorquiste leva-me a pensar que não... por que será?

10:38 da manhã  
Blogger Ensaio said...

Eu retorqui porque puseste em causa a minha preparação para o post.Como é nítido eu não vi essa peça, o mesmo se passa com milhares de pessoas que hoje gostam de teatro. Agora, se a prória Maria Rueff disse o que disse, eu não vou duvidar,certo?
Agradeço, então, esse teu desejo em complementar o nosso trabalho.
E, infelizmente, eu não posso dedicar o meu dia todo a este blog. Obviamente, gostava de ver muito mais peças de teatro do que as que consigo. Mas fico contente por exigirem de nós a perfeição.

5:49 da tarde  
Blogger Pedro Teixeira said...

É evidente que a verdade e a exactidão factual são aqui essenciais, pelo que só temos a ganhar com leitores atentos como tu, frunobolax. Digo isto porque espero, com toda a naturalidade, que me alertem para possíveis erros nos meus artigos.

É um bom hábito ser-se rigoroso. Mas é também proveitoso ser-se comedido quando não se sabe ao certo o que poderá ter levado a um eventual erro, a não ser que haja uma acumulação contínua e regular de erros provenientes do mesmo autor.

Por tudo isto, considero que o primeiro comentário que fazes, frunobulax, tem tanto de essencial (pela chamada de atenção) como de incompreensível, pelo desdém que colocas na frase, citando, "É melhor informarem-se melhor antes de dizerem coisas dessas, não?"

Esta frase revela como que um prazer encapotado na descoberta do erro. Eu próprio já apontei erros noutros blogues e no suplemento Y, embora evitando usar esse tom que, a meu ver, inquina o diálogo.

Outra frase reveladora da maior desconfiança: "Só que deves ser demasiado novo para isso...". Não quero alongar-me sobre a natureza e o alcance desta sentença.

Deixa-me dizer-te que compreendo a frustração que é encontrar erros que assumimos como crassos em textos sobre Arte. Presumimos, e aí admito sentir o que sentes, que não se deve falar levianamente sobre tais assuntos, numa época em que toda a gente tem algo a dizer. Mas reservo, até à medida do possível, uma janela de oportunidade para o autor do texto se poder convenientemente explicar.

Recordo-me de (regressando ao Y) ler um artigo em que o João Bonifácio discorria sobre Thom Yorke que continha vários erros factuais acerca da discografia dos Radiohead. Enviei um mail à redacção do Y que simplesmente indicava os erros. Pela posição de destaque que ocupa e a responsabilidade que essa posição acarreta podia, e muito mais justificadamente, manifestar o meu desagrado arrasando o autor. Mas não o fiz. Se o autor continuar com as imprecisões, tornando-as um certo costume, não hesitarei em expressar a minha insatisfação.

Espero, em boa verdade, que te dirigas também à Alexandra Prado Coelho, visto que ela afirma, categoricamente, no Y de 19 de Janeiro, que este é o primeiro papel dramático de Maria Rueff como actriz - informação veiculada por outros meios de comunicação.

Tens razão na substância, e é a substância (o erro) que importa sempre mais, mas a forma a que recorres na expressão da mesma é mais própria da juventude cujos méritos questionas do que da maturidade que, em comparação com o autor do post, insinuas deter.

Cumprimentos

6:40 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

@ exit1
Não havia nenhum desdém na frase do primeiro comentário. Apenas desespero. Porque muitas vezes parece que se procuram frases feitas que na maior parte das vezes não correspondem à verdade. É difícil fugir a elas, eu sei, quando os próprios artistas as divulgam como falsas... e até se perpetuam essa mentiras em todos os órgãos de comunicação.
Ainda sobre o mesmo assunto: não li o artigo da Alexandra Prado Coelho, por isso não lhe vou escrever.
Quanto à juventude, não era uma tentativa de tirar mérito à juventude. Não tenho nada contra a juventude. Era apenas um facto. O espectáculo foi há 13 anos atrás, é normal que não o tenham visto nem soubessem da sua existência para poderem confrontar a própria Maria Rueff.
Não queria que o facto de propor uma consulta do site do centro de estudos de teatro fosse intepretado como sobranceria. Mas se assim o querem entender...

4:58 da tarde  
Blogger Pedro Teixeira said...

Não entendi a proposta de consulta como sobranceira, e parece-me que deixei bem claro, no meu comentário, que defendo tudo o que leve ao rigor e à verdade da informação. Apenas apontava o carácter dúbio das tais duas frases pois, como saberás certamente, o peso das palavras num sítio que peca pela sua impessoalidade é muito maior.

Conceder o benefício da dúvida, pelo menos numa fase primária, ajuda a evitar estas discussões pouco edificantes. Se é verdade que o recurso a frases feitas é um fenómeno existente no universo da crítica, não menos verdade é o facto de este universo ser hoje composto por um crescente número de autores, lista que orgulhosamente engrosso. E não me quero sentir responsável, em momento algum, pela utilização recorrente desses chavões por outros comunicadores que não eu e, analogamente, o mesmo sentirá o autor do post.

Relê os teus comentários e nota como há uma súbita inversão do teu temperamento, ou aquele que nos é dado a entender, na iminência do teu mais recente contributo. Tenta compreender que não nos é possível complementar a comunicação que nos fazes com outros elementos da expressão humana. Se, como no teu imensamente sensato último comentário afirmas, não era tua intenção pôr em causa os méritos do autor em virtude da sua juventude, nem desdenhar da sua actividade enquanto crítico, deverás aclarar isso recorrendo a uma linguagem, digamos assim, mais unívoca.

Para verificar a minha interpetação dos teus comentários, tive o cuidado de pedir a algumas pessoas que os lessem e elas, sem que eu as coagisse, extraíram deles a mesma essência que eu - isto é, a procura da verdade, acção saudável a todos os níveis; e a existência de uma desconfiança vagamente subliminar a respeito da validade do autor enquanto crítico.

A verdade factual e o rigor informativo são para mim pedras basilares do (bom) discurso crítico, de tal maneira que as persigo não por satisfação, mas por dever; a coerência do discurso é feito muito mais notável e gerador de fruição do que a procura da correspondência entre o mundo e as palavras, que actualmente tomo por adquirida.

11:26 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Percebi que vos melindrei.
Tenho então de vos pedir desculpas pelo tom de desconfiança (para usar palavras tuas) que usei no meu primeiro comentário.
Contudo, não posso deixar de o justificar. O uso desse tom deve-se ao facto de que, cada vez mais, como tu bem frisaste, existem pessoas que perpetuam mitos e falsidades sem fazerem o mínimo de esforço para os combaterem. O meu desespero e desconfiança deveram-se ao facto de que é muito difícil combater a maré crescente de desinformação que invade os novos meios de comunicação. Quando se trata da minha área de trabalho e ainda por cima quando tenho conhecimento de causa não consigo desligar-me e deixar passar inverdades e assistir à possibilidade de elas passarem a verdades.
Não queria que levassem isto como uma coisa pessoal, porque visito o vosso blogue assiduamente (embora nem sempre concorde com o que é escrito) e louvo a vossa coragem para falarem deste tipo de coisas.

4:38 da tarde  

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