sexta-feira, dezembro 29, 2006

Simples(mente) o melhor

“Não ter já mais nada para dizer e continuar a escrever é um crime. Porque não tem o direito de continuar a escrever se não tem nada a dizer”.
José Saramago

Da cena suburbana para o mainstream, o salto do Hip-Hop em Portugal foi tremendo. Valete, Boss AC, Da Weasel, Mind Da Gap, Chullage ou Dealema, muitos sãos os nomes que vão povoando este território ainda em crescimento no panorama musical nacional. Dos mais agressivos, aos mais comerciais; dos mais melódicos aos mais conscientemente crus. Há, cada vez mais, variedade e qualidade, neste género a ganhar definição própria. O que há também é Sam The Kid, até ver o maior talento de toda esta fornada e razão maior de o Hip-Hop em Portugal ser o que é hoje.

Despachemos a parte informativa e burocrática da coisa. Pratica(mente) é o último trabalho do rapper que surgiu com Entre(tanto), em 1999. Em 2002 lançava um dos melhores álbuns de Hip-Hop até à data, Sobre(tudo). No final do mesmo ano sai ainda o criticamente aclamado Beats Vol.1 – Amor. Pratica(mente) traz participações de Melo D, Valete, Pacman, NBC, Lil’John e Carlos Bica. Os Scratches são responsabilidade de DJ Cruzfader e os temas são todos produzidos por Samuel Mira, vulgo Sam The Kid.

Despachemos ainda a parte mais óbvia deste álbum. Pratica(mente) é, perdoe-se-me o trocadilho, segura(mente) o melhor álbum Hip-Hop da história do género em Portugal. Sam The Kid segurava já com “Não percebes”, o troféu de melhor single do género, numa música repleta de força autobiográfica e revoltada, uma lufada de ar fresco bem ao seu género. “Poetas de Karaoke” segue as mesmas pegadas. Este álbum, ao contrário de muitos, não se resume, de todo, a este espantoso single. Ainda assim, este é um marco do Hip-Hop que não pode passar despercebido.

“Não há credibilidade na performance.
O microfone não está ligado. Isso para mim é non-sense.”

Abre com José Saramago a quarta faixa, a tal dos poetas, ataque directo e bem direccionado contra a produção musical portuguesa que parece ter vergonha desse rótulo. Aqui esventra-se a criatividade dos músicos que insistem em fazê-lo em inglês. Sam fá-lo com um beat extremamente rico em subtilezas e as suas rimas intensas (esqueçam tudo o que aprenderam, aqui as rimas não se limitam a ABAB ou ABBA). Intensas no conteúdo e na própria frequência com que nos apercebemos da poesia premente e constante do rapper de Chelas.

O melhor de Sam The Kid, que é subsequentemente o melhor do Hip-Hop, é isto mesmo, ter algo a dizer. Não é difícil criar um bom ritmo, mandar alguma areia para os olhos de ouvintes famintos com uma falsa agressividade ou manter uma atitude. Isso é o menos. Difícil é saber fugir ao óbvio, ao mundo quotidiano dos amores e desamores e perceber o que tem de ser dito, saber ser inconveniente, não por gritar, mas por obrigar a pensar. Em relação aos tais poetas de que fala a música, como diz o povo (personagem maior no ambiente de Sam), cada um enfiará a carapuça, sendo que, a alguns, a carapuça já foi enfiada.

“Porque é que eles têm mais estudos do que eu?
Ai não sabes?
Porque já os pais deles eram mais ladrões que o meu!”

Já o ouvimos samplar Amália, Carlos Paredes ou Mário Viegas. De referência em referência destilando qualidade. Em Entre(tanto), vimo-lo mostrar-se. Em Sobre(tudo), provar que é um escritor, referenciado pela originalidade. Beats Vol.1 traz o melhor do seu ouvido, a batida como linguagem. 2006 parece ser o ano da condensação de tudo isto. O Cântico Negro de José Régio, ouvido em “A partir de agora”, parece explicação sucinta da carreira musical de Sam The Kid, espécie de Kanye West português.

“Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura!”
José Régio

Autobiográfico, irreverente, dono de uma saudável verborreia, não em forma de verso, mas em forma de poesia. Agressivo mas consciente, socialmente alerta e alertante, musicalmente culto, instruído e instrutor. Da crítica aos que o procuram para ganhar algo com a sua música, aos falsos poetas da cena musical, passando pelo aborto, abstenção ou quotidiano. Há praticamente de tudo no universo deste senhor. Com poemas do pai, Napoelão, ou de José Régio, a intenção serve sempre o mesmo propósito. Escrever, enquanto se tiver algo a dizer.

“Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!”

Simples(mente) Samuel Mira.
Título: Pratica(mente)
Autor: Sam The Kid
Nota: 8/10

1 Comments:

Blogger andre said...

socios este album e do melhor k o hip hop tuga ja viu ou ja foi produzido ate aki em Andorra se escuta sam isto e mesmo se bem lol hasta para toda a tuga continuem a representar. ASS: 10Gramas

12:38 da tarde  

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