sábado, fevereiro 10, 2007

Babel

Babel é um dos filmes mais falados nos últimos meses, um sucesso de bilheteira, um favorito na corrida aos Óscares. Transporta consigo uma aura quase messiânica de uma promessa de um filme a sério, de um produto artístico. Realizado por Alejandro González Iñárritu, Babel é efectivamente filme maravilhoso e um dos filmes que se destaca de todo o cinema que se faz nos dias de hoje. Prima assim pela diferença, pela qualidade e nunca pelo estrondoso número de nomeações que traz atrelado à sua fama.

Por muito que já se tenha sido visto no cinema (em Magnolia ou mesmo em Crash), a acção repartida por espaços distintos, com histórias e personagens relacionadas é uma fórmula re-inventada por Iñárritu: a prodigiosa câmara do realizador mexicano leva-nos a Marrocos, à fronteira entre o México e os Estados Unidos, e ao Japão, em três histórias paralelas. Em Marrocos, o americano Richard (Brad Pitt) tenta salvar a sua mulher Susan (Cate Blanchett) depois de um ferimento quase mortal. Na fronteira, a desesperada Amelia (Adriana Barraza) regressa com duas crianças americanas ao seu solo natal. No Japão, Chieko (Rinko Kikuchi) vive atormentada pelo suicídio da mãe e pela ausência do pai.

O mito bíblico de Babel diz respeito à construção da torre homónima, uma tentativa inglória por parte dos Homens com o intuito de alcançar o céu. Deus acaba de vez com a ambição e a arrogância humanas, provocando uma diferenciação linguística: criam-se idiomas diferentes, línguas diferentes, provocando o caos. No filme, em três situações muito distintas, no seio de três povos diferentes, no meio de culturas diferentes, com línguas diferentes, seres humanos tentam sobreviver. Travam a mais dura das batalhas, atravessando o limiar da língua, do dinheiro, da religião. Iñárritu desprotege os nossos sentidos quando introduz dialectos, linguagem gestual ou alterações na audição. Pinta um quadro objectivo de situações concretas, sem recorrer a insinuações ou factos históricos.

Com uma realização tão perfeita, contamos também com interpretações fabulosas: Brad Pitt alcança um dos seus grandes momentos no cinema neste filme, Cate Blanchett resplandece, como vai sendo hábito, Gael García Bernal surpreende mais uma vez com o seu Santiago (sobrinho de Amelia). Excelentes interpretações alinham-se a mudanças súbitas quer a nível geográfico quer a nível cronológico. Momentos verdadeiramente poéticos desafiam a belíssima fotografia, num conjunto perfeitamente enquadrado com a banda sonora de Gustavo Santaolalla (onde se ouve também uma música de Ryuichi Sakamoto).

Babel traz muito de fresco à sala de cinema, envolvendo o espectador nas histórias profundas e intensas, expressas em línguas provavelmente desconhecidas. Junta as peças que inadvertidamente são apresentadas, dividindo papéis entre actores consagrados e actores menos conhecidos (e não menos extraordinários) de um modo equilibrado, conferindo ao filme um tom diferente das produções hollywoodescas. Baseia-se sobretudo numa idea muito bem trabalhada, que vai muito além de filmes semelhantes na sua forma de narração interrompida e baralhada (como o Traffic – Ninguém Sai Ileso de Steven Soderbergh).

Ainda que ofereça um tom documental em certos momentos de algumas histórias, Babel é um dos grandes filmes de 2006 e uma excelente criação artística de Alejandro González Iñárritu. Mesmo encontrando algumas imperfeições no modo como o guião está escrito, o filme é um grande momento de cinema, é uma experiência que abraça profundamente as culturas do mundo em que vivemos. Consegue observar, narrar, poetizar como só Iñárritu consegue.


Título/Ano: Babel (2006)

Realizado/Escrito por: Alejandro González Iñárritu / Alejandro González Iñárritu & Guillermo Arriaga

Elenco: Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, Kôji Yakusho, Adriana Barraza, Rinko Kikuchi, etc.

3 Comments:

Blogger B. said...

Bom filme. Mas não o acho mais que isso. Para mim foi desilusão, porque pensei que me ia surpreender, mas não, é tudo demasiado pouco original, desde a construção das histórias, ao argumento base. A realização está impecável, não há nada a dizer, ele mostra a sua versatilidade fantástica, ao ter momentos de cãmara na mão que dão enorme dinâmica, e depois momentos de realização clássica, como na história japonesa. E já agora, em termos de realização, o momento da discoteca é incrível...Bom, essa historia japonesa achei que foi muito forçada, entrou ali meio a martelo, não foi nada suave...E repito, o filme não trouxe nada de novo, e é pior que as outras 2 obras do Inarritu. Acho que é dos melhores do ano, sim, que merece ser nomeado sim, mas também porque é um ano fraco. Já agora, preferia a exposisão que o babel teve, no Prestige do Nolan, que para mim é um filme muito superior. E isto sem ainda ter visto o "the fountain" que promete, visto ser de um novo génio do cinema.
Bom, com isto concluo que espero que o babel (embora vá acontecer) não tire os melhoes óscares ao melhor filme do ano, The Departed.

12:43 da tarde  
Blogger L said...

Caro B., quando me referi a Babel, não o comparei com as produções deste ano, muito menos com o genial The Departed. Para mim, é um filme que traz muito de novo, muito do que ainda não se viu. As histórias pareceram-me insólitas, nunca forçadas. Ainda assim, já dizia Conan Doyle em The Hound of Baskervilles "The world is full of obvious things which nobody by any chance ever observes." Parece-me que é um pouco assim, porque a dúvida está no conteúdo e não na forma (que ambos concordamos ser perfeita)

4:03 da tarde  
Blogger F. Penim Redondo said...

As leituras tinham aguçado o meu desejo de ver este filme de Alejandro González Iñárritu mas cofesso que constituiu uma enorme desilusão.

Os cordelinhos da trama estão demasiado à vista e é tudo bastante previsível.

Ao contrário do que o nome indica o filme não é tanto sobre a dificuldade da comunicação (como fazia o portentoso "Colisão") mas sim sobre a probalilidade de as coisas na vida correrem mal, ou muito mal.

O "folclore", novo-rico, de as histórias que se desenrolam em continentes distintos e uma banda sonora que destrói o ritmo narrativo contribuem para o desastre.

12:03 da manhã  

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