domingo, novembro 19, 2006

Marie Antoinette


Seria difícil prever o que Sofia Coppola congeminaria depois de Lost in Translation - O Amor é um Lugar Estranho. Sendo uma das vozes mais proeminentes entre as realizadoras/cineastas do sexo feminino, o público esteve especialmente atento à chegada de um filme também ele sobre uma mulher num mundo de homens.

Aparentemente, Cannes gostou da película, escrita e realizada pela principal herdeira cinematográfica do grande Francis Ford Coppola (o produtor executivo deste filme). Nomeado para a Palme d'Or, Marie Antoinette não aspira ser um biopic (também não o aspirava o livro de Antonia Frasier de onde o guião bebeu inspiração) e tão-pouco um drama sempre direccionado para as guilhotinas da Place de la Bastille.

Porém, e apesar de todas as dissertações mediáticas geradas em torno do filme, Marie Antoinette não vive à volta de Coppola, mas sim de Kirsten Dunst. A câmara de Sofia já tem um estilo próprio, um tempo marcado, cheia de ironia e de vivacidade. Ironia e vivacidade que já vêm de As Virgens Suicidas... Mas Coppola fica-se por aí e, para compensar o que só conseguiu nos contrastes (exemplo gratia, os ténis allstar por entre os sapatos da rainha), temos uma Kirsten Dunst numa interpretação fantástica, que dispensava qualquer tipo de acessório.

Marie Antoinette conta a história dramática da rainha mais incompreendida de França, pegando numa Marie pura e virginal que vai ser corrompida pela corte do seu novo esposo: o rei Louis XVI. Pressionada para que o casamento se consuma, a rainha, ainda com dezanove anos, é forçada a ceder ao luxo e à mediocridade espiritual de Versailles. Tudo isto é narrado num ritmo frenético, sem quaisquer tentativas de sotaques afrancesados, "érres" acentuados ou finais de frase que parecem interrogações. Marie Antoinette fala com sotaque de New Jersey, tal como a banda sonora se reflecte com ritmos completamente fora de época. E ainda bem. Ouve-se Bow Wow Wow, ouve-se New Order, muitos anos oitenta sobre uma tela delirante de barroco, sem descurar os cravos e as cordas de dois minuetes de Rameau.

Então o que fica depois da parafernália de um filme que até impressiona, mas que parece tão imperfeito? Ficam momentos de bom cinema, momentos em que a realização é uma técnica simultaneamente milimétrica e alargada. O cinema cirúrgico de Sofia Coppola começa a desenhar-se em algo de mais aberto, de mais intenso, de menos preso. Tem o seu quê de tentativa de algo de muito bom, contudo, ainda se movimenta muito no status quo daquilo de que o americano está à espera. E, quando já pensávamos que Sofia Coppola tinha ultrapassado esse seu complexo de bilheteira, somos empurrados para a sala de espera... do seu próximo filme. Esperemos que a actriz e a realizadora trabalhem juntas novamente, mas, desta vez, sem que se vejam as lentes de contacto de Kirsten Dunst.

Título/Ano: Marie Antoinette (2006)

Escrito e Realizado por: Sofia Coppola

Elenco: Kirsten Dunst, Jason Schwartzman, Rip Torn, Asia Argento, Jamie Dornan.

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

excelente apreciação acerca desta obra que conta a história dramática da rainha mais incompreendida de França...gostei, aliás como aprecio quase todos os comentários deste blog...

6:43 da tarde  
Blogger B. said...

Não percebi bem se afinal gostáste ou não do filme. Eu só o consegui ver ontem, e não gostei. É um retrato, apenas isso, um retrato bem pintado e com ironias muito divertidas. Dançarem no fim do século XVIII ao som de Siouxie, os all star, ou mesmo os candeeiros com lampadas, está muito curioso. A fotografia está bem conseguida, as grandes angulares bem aproveitadas nos jardins belíssimos, fáceis de ficar bem na tela. Agora, a ausência de argumento para mim é gritante. Nem é a história da badalada rainha, é só mesmo um retrato, pq só contam reacções dela a certos acontecimentos, metade do filme à espera do filho, e dps acontece assim mt levemente...parece sempre que estive à espera de algo acontecer, até o filme acabar. Até a paixão pelo soldado sueco é leviana. Não tem momentos marcantes, estamos à espera q algo aconteça e dps acontece quase sem darmos por isso, só para aperfeiçoar o retrato ra raínha, nunca para contar a história dela. Mais um lost in translation, mas deveras pior, foi uma desilusão para mim, porque as virgens suicídas e o lost e translation conquistaram-me. Aqui, até o casting está terrível, o Rei avô é o Patches o'hoolihan, o treinador do "dodge ball"... Não percebo, o rei está muito fraco também, de facto faz parecer o pateta amorfo q era, mas...falta-lhe mta coisa. Destaque, só mesmo o papel da protagonista, está enorme, já nos vai habituando...
Desculpem o desabafo, mas está um pouco a quente e não gostei mesmo deste muito pouco filme.

7:44 da tarde  
Blogger L said...

De um modo geral, acho que definiste muito bem a minha opiniao sobre o filme. Kirsten Dunst brilha no meio de pormenores interessantes. O argumento não tem aspirações de qualquer género. Será necessariamente mau?

1:53 da tarde  
Blogger B. said...

Dou imenso valor ao argumento, e não dar aspirações a ele mesmo, é um risco, que aplaudo quem o corre, mas muitas vezes não resulta, ou resulta em algo demasiado vazio, acho que foi o caso. Só isso, gosto de quem arrisca e de quem tenta contornar ar regras do cinema clássico, mas é um risco como todos os outros, às vezes perde-se, e acho que ela aqui perdeu.

8:33 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Nao vi ainda o filme mas a vossa troca de opiniões deixou-me cheia de vontade de ir a correr pa sala de cinema! Voltarei para comentar o que aqui assisti! Zonnebril és o maior!é uma honra podermos ler o que escreves! you know what i mean!

1:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

eu adorei muito mesmo o filme,mas acho que não fui imparcial porque praticamente gostei de muitos dos defeitos dele,como o vazio,achei que o filme parecia mais construído de capítulos,tipo cenas bem construídas,com cores lindas e ótima fotografia,mas não necessariamente andando para algum lugar.parece que algo vai acontecer logo após,e impossível não pensar que o clímax será quando a revolução estourar e tal,então vc aprecia o filme,o vazio,o retrato,achando que o final vai se transformar em alguma coisa meio épica,dando sentido a tudo que veio antes.enfim,é um filme com um visual lindo,as cores estilo rococó,a fotografia,todo o estilo urbano-pop(ainda mais com as músicas que transformaram inexoravelmente o filme em algo pop),gostoso de se assitir,e quanto ao vazio de conteúdo,achei intencional,seja para representar a frivolidade da côrte e de seus rituais e suas vidas,seja de um modo simbólico,combinando perfeitamente com a beleza plástica do filme,tornando-o um retrato de uma situação efêmera,tipo o filme que vc assite sabendo o final,sabendo que o personagem principal vai se ferrar por exemplo,então,vc sabe o fim de maria antonieta,já assite sabendo que vai ter um fim tudo aquilo...gostei disto,é uma coisa muito efêmera e emocional(sem ser sentimental).
ah,e claro,amei a kirsten dusnt.lembro que falava com minha amiga "a kirsten dunst,aquela do homem aranha,aquela sem-graça,sabe",e agora simplismente amei ela como maria antonieta.ela tá perfeita,praticamente se divertindo o filme todo,bem jovem.

5:55 da tarde  
Blogger F. Penim Redondo said...

Gostei muito deste filme de Sofia Coppola.
Mostra-nos, de forma chocante, que a verdadeira marca do poder é a "distância", o poder é viver num mundo imune à ralé, ao povo, ao proletariado, aos pobres ou mesmo às "pessoas normais". A Cidade Proibida em Pequim, rodeada por um fosso inundado, constitui um exemplo claro de como o poder sempre voltou as costas ao mundo.

Sofia Coppola usa música actual na banda sonora para nos dizer que os mesmos tiques do poder continuam a existir no mundo actual. Não é por acaso que os políticos durante as campanhas eleitorais percorrem as feiras tentando criar a ilusão de que esse mundo à parte afinal não existe.

Custa-me ver a crítica desancar este filme com base em preconceitos.
Pensam que Sofia Coppola tem o intuito de "salvar" Maria Antonieta da má imagem que a história lhe criou.

Mesmo que tenham razão nesse aspecto particular deviam perceber que o significado histórico da monarquia absoluta do século XVIII não está dependente do carácter, da estatura moral ou das preferências sexuais de Maria Antonieta.
Do mesmo modo o capitalismo imperial dos Estados Unidos não se caracteriza por Bush ser beato, ou usar ceroulas e dizer dislates...

Infelizmente, como ensina a lei do menor esforço, ainda há quem prefira "motivar as massas para a luta" com base no acessório e no anedótico...

12:31 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Há alguém que disse que o filme parecia estar sempre em suspance e que estavamos sempre à espera que algo acontecesse mas no final não acontece. Então, óbvio, qual é o grande acontecimento da vida de Marie Antoinette? É a sua morte. E não sabemos já todos isso? Claro que sim. E é isso que temos de saber quando vamos ver o filme. O filme não gira em torno desse acontecimento mas sim em torno do que o antecedeu. Sofia Coppola quiz realçar o que realmente levou Marie Antoinette a ir do mais alto da fama até ao mais baixo dela. O facto de ter abandonado Versailles pelo Petit Trianon, o de procorar o prazer de uma forma tão extravagante, foi isso que a realizadora quiz realçar e acho que conseguiu. Alías, a relação que ela tem com Fresen no filme parece muito efemera pois eles, de facto, so se tornaram "almas gemeas" quando Marie Antoinette já está em Paris em 1792 e não é essa época que o filme retrata. Eu adorei o filme. A cor, a musica, as personagens, todo está perfeito. O filme demonstra muito bem a época e, de facto, só quem compreende a época é que consegue perceber o filme e Marie Antoinette. Ela era uma mulher moderna que nasceu no sitio errando à hora errada, e acabou por sofrer com os erros de outros. Marie Antoinette foi e ainda é mal compreendida, e acho que Sofia Coppola nos tenta mostrar o lado mais humano de Marie Antoinette. Está perfeito o filme e aconselho toda a gente a ir aluga-lo. É um obra prima do cinema e da arte.

9:05 da tarde  

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