domingo, abril 29, 2007

The Pervert's Guide To Cinema


O Indie Lisboa trouxe-nos um filósofo que aparenta estar a meio caminho entre o excêntrico e o sério. Seguido por uma autêntica legião de fãs (especialmente no continente americano) que extravasa qualquer noção sensata da popularidade alcançável por um filósofo, Slavoj Zizek (lê-se Slavói Chichec) arranca o espectador da sua habitual passividade e procura, ao longo de mais de duas horas, levá-lo numa desafiadora viagem pelas intersecções do cinema com a psicanálise.

Importa realçar que o psicanalista esloveno se despe do jargão académico que à partida se lhe associaria como eminente filósofo, embarcando num registo que lhe permite intercalar alguns momentos em que expõe raciocínios conceptualmente apurados com outros em que mostra toda a sua comicidade. O que se mantém é a sua disponibilidade para o choque e para o inesperado, bem patente quer no desenvolvimento que dá ao tema do prazer sexual quer em apontamentos acessórios, como quando diz o que as tulipas lhe suscitam, num jardim que recria um cenário de Blue Velvet: “Basically it’s an open invitation to all the insects: ‘Please come and screw me.’”

O sexo é, de facto, um assunto que se espera ver tratado num filme com este enquadramento, mas o carismático Zizek sabe apresentá-lo com o entusiasmo próprio de quem percebe que há mais na teoria psicanalítica do que sexo. Do que fala ele então? Pode-se dizer, embora com algum risco, que Zizek consegue a proeza de abordar todos os aspectos que comummente se associam à psicologia. Conceitos como real, imaginário, consciente, inconsciente, desejo e fantasia fazem todos parte do vocabulário de Zizek, sendo que o seu grande esforço é tornar simples e acessível às massas a tradução da psicanálise lacaniana (da qual é discípulo). Para ele, o cinema é a arte que reúne as melhores características quando o objectivo é comunicar certas noções da psicologia: o cinema não só é uma mescla perfeita entre imagem, linguagem e som, como tem a virtude de pertencer à cultura popular.

Revisitando alguns ambientes e cenários famosos, Zizek aborda o espectador partindo de dentro dos filmes sobre os quais discorre, pelo que a presença dele avisa-nos para a verosimilhança de todo o cinema ou, opostamente, para a inverosimilhança da nossa vida – de qualquer das maneiras, Zizek tenta laboriosamente convencer-nos de que o espectador poderá ver em si próprio e na apreensão que tem do mundo exterior impressões que os filmes de David Lynch, Alfred Hitchcock e Charlie Chaplin apenas vagamente deixam em si.

Hitchcock é provavelmente, na opinião de Zizek, o mais freudiano de todos os realizadores, pelo que os seus filmes, especialmente o clássico Os Pássaros, são a verdadeira massa consistente que une todas as pontas soltas deste documentário. Mas há mais: Lynch vê o seu cinema normalmente tido por enigmático e misterioso à beira da desconstrução, Chaplin é arrancado (com toda a oportunidade) do simplismo que habitualmente lhe é diagnosticado e outros realizadores como Tarkovsky, Francis Ford Coppola, Kubrick e Eisenstein vêm alguma da sua arte devassada pelo poder oratório de Zizek.

O nosso guia é um apaixonado pelo cinema e pela psicanálise, mas contém a sua paixão até ao ponto intermédio em que não nos deixa compreender se ele nos apresenta uma mera interpretação à luz da sua formação, ou uma descodificação do que ele julga terem sido os verdadeiros objectivos de alguns realizadores na feitura dos seus filmes. Mas, na verdade, tudo isto roça a esterilidade se não se assistiu ao documentário.

“Cinema is the ultimate pervert art. It doesn't give you what you desire, it tells you how to desire."

Título:
The Pervert's Guide To Cinema
Realizador: Sophie Fiennes
Reino Unido, 2006.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Um blog fabuloso! Espero que possam integrar-se no nosso clube: http://bungakuuu.blogspot.com/

10:00 da tarde  

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