sábado, dezembro 16, 2006

The Anatomy School

«He found his bed and climbed into it. Getting settled made the bed creak and twang. If that went for too long guys would accuse him of all sorts of things. One thing really. Brennan's pulling his plonker. He kept his hands well away from it. They smelled of lemon.»

Quando Bernard MacLaverty escreveu The Anatomy School, sabia que tinha conseguido qualquer coisa de diferente dos seus outros livros. O autor, já nomeado para o Booker Prize, arrancara à feroz crítica do Reino Unido classificações muito satisfatórias. Porém, talvez seja mais importante o facto de MacLaverty se ter conseguido afirmar e destacar na tão saturada literatura britânica dos dias de hoje. Quem já entrou numa livraria nas terras de Sua Majestade sabe como é ser bombardeado pelos imensos outstanding books e books of the year que ofuscam as prateleiras. No entanto, The Anatomy School consegue ser muito mais do que isso.

MacLaverty conta a história de Martin Brennan, um adolescente preso na fase mais dura da sua vida, atravessando um período particularmente problemático: Belfast no final dos anos sessenta. Talvez tenha sido a inocência desmistificada que tornou este livro tão emblemático, contudo, começamos por seguir Martin neste período da sua vida e somos, de imediato, o seu melhor amigo. A aprendizagem da vida contorce o seu pensamento: pergunta, pergunta, pergunta… e torna a perguntar. As respostas estão diante dos seus olhos, assim como está o valor das coisas, o pensamento cruzado com a informação que lhe é impingida no colégio católico. E, confrontado com dúvidas sobre sexo, obcecado pela consumação da carne, pela derradeira desmistificação da sua virgindade, Brennan lá consegue ter tempo para o que é verdadeiramente crucial para a sua mãe: passar nos exames finais… a qualquer custo.

Martin Brennan tenta atravessar, então, este rito de passagem fulcral. É imperativo que consiga passar nos seus exames, uma vez que esta é a segunda vez que está a fazer o último ano. A bolsa que lhe fora oferecida caducou aquando da sua reprovação, pelo que a sua mãe, uma viúva trabalhadora de uma classe indefinida no contexto social dos anos sessenta, o pressiona bastante. A culpa e o medo do fracasso são duas constantes nos dias de Brennan. Quase tão constantes como a confusão sexual que lhe assombra o espírito à medida que se envolve em duas curiosas amizades: com Kavanagh, o jovem desportista e experimentado que Martin idealiza e deseja ser; e com o perturbador e revolucionário Blaise, cuja intelectualidade plena de carácter é muitas vezes incompreendida.

Deste modo, deparam-se inquietações, desafios à autoridade e à religião. Blaise incita os amigos a questionarem o dogmatismo religioso e a ordem que o colégio empreende. Kavanagh aponta o dedo à personalidade dos padres, às suas falhas, à sua vertente mais humana por detrás de batinas e rosários. Aqui, McLaverty confronta o leitor com a realidade dos anos sessenta, com a abertura de espírito que se distorce noutro tipo de incertezas, do mesmo modo em que se fala de um alvorecer científico, de uma tentativa de criar fórmulas para sentimentos, de uma expressão fingida de políticas muito reais e concretas.

Do abstracto surge o concreto no modo como se concretizam as perguntas destes três rapazes. A adolescência incita as questões a tomarem forma e as amizades encarregam-se de oferecer uma resposta mais ou menos vaga: trocam a Religião pela Ciência, procuram compreender a Arte, a História, o mundo que parece tão perto e tão cinzento. Fica ainda o turbilhão sobre-explorado das suas mentes inquietas: o que é o sexo e a pornografia? Onde está essa coisa chamada de alma? Deverá Martin ser padre? Como é que as mulheres sentem prazer?

Intercalando o sagrado com o profano das amizades, McLaverty narra a história com mestria, num estilo duro, pleno da ansiedade de quem faz tudo às escondidas ou pela primeira vez. Sejam os cigarros fumados junto às casas de banho ou os pensamentos que deambulam muito por cima do discurso despótico dos padres do colégio. Insurge-se sempre a dúvida neste romance plenamente masculino, perfeitamente orientado para a decadência da virilidade, para a transformação de rapazinhos em homens e para toda a parafrenália de implicações que isso possa ter. As personagens femininas acabam por ser um símbolo, quer para os rapazes, quer para a sociedade.

Em determinados momentos, o autor congela o diálogo e pára a acção para nos darmos conta de como o fenómeno da aprendizagem é bizarro e assustador. Isto acontece do mesmo modo em que procura o humor nas noites de sanduíches organizadas pela mãe de Martin para um padre e algumas amigas. O jovem ouve a tentativa de explicação da realidade, a busca pela compreensão da existência e a veracidade que não existe nos afectos. E pensa, maquina e irrita o seu raciocínio, longe das conversas em que a sua mãe se orgulha de ter um filho que "não fuma" e que não tem qualquer "interesse pelo sexo".

O curso da vida de Martin não é linear, mas estamos com ele. Seguimo-lo ao longo do seu difícil e tortuoso percurso, num livro sério mas cheio de sentido de humor e perspicácia. Porque é bom sentir que se faz qualquer coisa, ainda que qualquer coisa de errado. Porque é bom saber que se existe. E porquê.

« 'Thanks be to God. There seems to be nothing but girls to distract you down at the library. Do you ever say the prayer I gave you?'
'Yeah.' »


Título: The Anatomy School

Autor: Bernard MacLaverty