segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Little Children

Little Children - Pecados Íntimos

Adaptado a partir do livro homónimo de Tom Perrotta, Todd Field realiza Little Children. Em Portugal o filme foi apresentado como Pecados Íntimos, título bem apropriado para substituir o original nome inglês. Na verdade, Todd Field adaptou o romance de Perrotta para um guião que nos fala de crianças, de pecados e de intimidade, ainda que se mova no legado deixado por Sam Mendes no seu American Beauty. Contudo, e sem pretender fazer comparações, podemos dizer que aquilo que Mendes não disse relativamente a certos temas está obviamente explícito na película de Field.

A história tem lugar num pacato subúrbio de um qualquer estado verdejante dos Estados Unidos, daqueles com largas ruas ladeadas de plátanos e cercas pintadas de madeira. Aqui, a câmara move-se em contrastes, deixando planos rápidos para mergulhar em sequências calmas e melancólicas. Somos apresentados, por meio de um irónico narrador, à vida de Sarah (Kate Winslet) e da sua filha Lucy, aos dramas de Brad (Patrick Wilson) e do seu filho Aaron. Olhamos pelas janelas, silenciosamente, e deparamo-nos com problemas conjugais, com pequenos conflitos, com banalidades do quotidiano. Julgamos um pedófilo, atacamos o adultério, cochichamos no Clube de Leitura bem ao jeito da Oprah Winfrey. Em suma, temos dentro da tela a vida suburbana de umas quantas personagens. Para qualquer um de nós, perigo é uma palavra desnecessária nestes termos.

Ao longo da trama, a teia aperta-se e o enredo torna-se mais intenso: há uma clara tensão sexual entre Sarah e Brad, com direito a subterfúgios eróticos muito bem delineados, mas tudo isto passa quase despercebido. A relação adensa-se, o tempo passa e o sentimento é o mesmo, dito assim neste tom meio abstracto. Na verdade, o filme não nos fala de certezas. Tão-pouco procura explicar a maldade ou justificar a perversão. Muito menos coloca no acto sexual a explicação para todos os acontecimentos. Simplesmente narra.

O espectador mal se apercebe de que o guião se contorce, de que as personagens não são apenas pessoas do dia-a-dia, no entanto, quando se faz o interessante paralelismo entre a Madame Bovary de Flaubert e a vida de Sarah damos conta de tudo o que aconteceu. A idealização da patologia num corpo só e o investimento sexual não são apenas bonecos para aromatizar a história, servindo sim um objectivo bastante claro e despegado de interpretações românticas. O pedófilo sente como outro homem qualquer, sofre sobretudo; os amantes adúlteros sentem o peso da culpa. Muito para além do mal, muito para além do acto de pecar. E Todd Field consegue encontrar uma forma perfeita de o dizer sem ter de justificá-lo, como se o percurso trilhado pelas personagens não pudesse ser outro.

A película assume-se brilhante desde o seu início, embora guarde para o final o momento mais intenso da história e, consequentemente, o momento mais bem conseguido a todos os níveis. Conjugando uma boa banda sonora, excelentes interpretações e uma câmara bem enquadrada, atingimos o pretendido. Funcionado tudo como um acto sexual, Field sagra-se perfeito ao filmar o momento post-coitum. As personagens repousam, descansam depois de toda a intensidade, dando conta de que tudo o que procuraram esteve sempre ao seu alcance, ao seu lado. E, mais do que isso, converte-se o inimaginável perigo num castigo dostoevskiano: há um exaltar das figuras que nos acompanham sobre a sombra do crime cometido, há uma nova perspectiva que transforma o pecado em inocência.

Como último destaque, refira-se uma Kate Winslet cada vez mais madura, cada vez mais capaz de uma maravilhosa interpretação, já reconhecida pelas nomeações para o Óscar e BAFTA na categoria de Melhor Actriz Principal. Para além deste enorme contributo, o filme já está nomeado para Óscar de Melhor Argumento Adaptado. Prémios e pecados à parte, vale o que é humano, o que é inocente, o que é íntimo.


Título/Ano: Little Children (2006)

Realizado/Escrito por: Todd Field

Elenco: Kate Winslet, Patrick Wilson, Jennifer Connelly, Gregg Edelman, Jackie Earle Haley, etc.

4 Comments:

Blogger B. said...

Depois de achar o babel cansativo em termos de intensidade dramática, chegava a um ponto em que já estava farto de tanto drama, o Little Children, é um filme excelente, mas dá-nos de novo o sabor tão em vougue do amargo...Saí deste filme a prometer que a próxima curta que escrevesse, ia acabar bem, acho que são só saudades de saír de um bom filme, em vez de pesado, com um sorriso parvo na cara...

4:47 da tarde  
Blogger Gustavo Jesus said...

É um sentimento perfeitamente perceptível, especialmente nesta altura em que abundam filmes de caracter negativista, mas Little Children não deve sofrer por tabela. É um filme pouco usual, cujo principal vantagem é, a meu ver, a abordagem pouco tendenciosa que faz da pedofilia, no fundo apenas mais uma faceta de uma sociedade perturbada.

8:05 da tarde  
Blogger B. said...

Não confundam...Não é uma crítica, é apenas uma vontade...Ou uma saudade. É um excelente filme, comecei por dizer isso. Depois o que surgiu foi um puro desabafo. É um retrato já antes feito, mas soberbamente conseguido, e o tema da pedofilia, só lhe dá mais força. Inquestionável a qualidade do filme.

11:59 da tarde  
Blogger L said...

Depois do que Hitchhiker já disse e depois do que escrevi no post, pouco fica por dizer. Porém, para além de uma qualidade inquestionável, este filme consegue espelhar vários comportamentos sem condené-los, o que permite uma abordagem centrada não nas causas, mas nos sintomas, remando, portanto, contra as perspectivas usuais no cinema. "Tão-pouco procura explicar a maldade ou justificar a perversão."

10:55 da manhã  

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