sábado, março 11, 2006

Prateleira #3 - Coisas que fascinam


Considerado por muitos o melhor cd Pop português de sempre, Coisas que fascinam, primeiro LP dos Mler ife Dada, é, indicutivelmente, um dos melhores cds da década de 80 portuguesa, e uma obra de relevo que recordamos aqui na rúbrica Prateleira. Inicialmente constituída por Nuno Rebelo, Augusto França, Pedro D'Orey e Kim, os Mler ife Dada formaram-se em 1984 na zona da linha de cascais e é com esta formação que lançam o primeiro single Zimpó. Contudo, seria com a substituição de Pedro D'Orey pela emblemática Anabela Duarte como vocalista, que a banda alcançaria maior projecção.
Anabela Duarte tinha já participado noutras bandas no panorama experimental e tinha inclusivé participado num dueto com Rui Reininho num cd dos GNR, e viria a ser a imagem (e a voz) de marca da banda, a par de Nuno Rebelo. Com uma voz agressiva, num tom que tanto encaixava bem nas baladas mais lentas que atiravam para o fado, como encantava com a força com que empolgava em temas mais Pop. A faceta fadista de Anabela Duarte viria, aliás, a comprovar-se com o disco Lisbunah, que editaria em 1988, um disco onde se afirma como uma excelente intérprete de fado.
E assim, em 1987, altura em que a Pop non-sense e descomprometida proliferava em Portugal (relembrar António Variações e Pop Dell'Arte) e competia com o crescimento do Rock de bandas como os Xutos & Pontapés pela atenção do público português, surge Coisas que fascinam. Um álbum paradigmático do confluir de influências que caracterizava a música Portuguesa, este cd apresenta a peculiar característica de apresentar quer uma forte panóplia de estilos conjugados, quer de vir a influenciar sobremaneira a vertente Pop portuguesa.
Ao ouvir Coisas que fascinam a eito, suge a ideia que o cd não possui uma toada única, um som unificante, tantas são os estilos que as faixas percorrem, mas, ao contrário de outros trabalhos que pecam por isso, essa é um dos grandes trunfos da banda. O apresentar de realidades diferentes que confluíram nos seus ouvidos, e que só a irreverência pode juntar tão harmonicamente. Com um cunho muito forte do experimentalismo (que aliás viria a marcar o trabalho, em termos de projecção e aceitação), ao longo de Coisas que fascinam, é-nos dado a conhecer um entrosamento deste com o Fado, a influência africana (Cabo Verde, especialmente) sobre a música portuguesa, uma ou outra pitada de Jazz, uns ares marroquinos de influência àrabe e muita Pop portuguesa, essencialmente lisboeta, que por vezes, sub-repticiamente, pisca os olhos ao Pop-Rock.
Em termos de alinhamento, os Mler ife Dada começam o seu trabalho com aquele que viria a ser o principal single, "Zuvi Zeva Novi!". Paradigma do experimentalismo de sons e vozes, apresenta-se como um bom cartão de visita, uma música bem conseguida e animada, com o pequeno senão de não demonstrar o potencial de todo álbum. Prosseguia-se o álbum com "Passerelle", mistura híbrida de experimentalismo com Pop-Rock, acentado em fundo Jazz e letra em inglês. "À sombra deta pirâmide" mistura com mestreza o clima árabe que restou em Portugal com o ritmo cabo-verdiano das coladeras, onde por vezes se sente ouvir um pouco de Zeca Afonso transfigurado em Manu Chao. Em "Valete (de copas)", a quinta faixa, surgia a primeira piscadela ao fado, com a voz de Anabela Duarte e o clima muito ambientalista a travar os ânimos experimentalistas com que vinhamos.
Seguimos o fascínio com um dueto entre Rui Reininho e Anabela Duarte em "Siô Djuzé", tema curto e totalmente cabo-verdiano, desconstruído por linhas de um som Pop muito ténue. Quase a chegar ao fim, por entre todo este caminho exaustivo de descortinar influências, ao décimo segundo tema, ouve-se o primordial canto fadista de Anabela Duarte, agora sem subterfúgios experimentalistas ou Pop, numa base clássica que chega a soar a leve e fresca remistura. Mas sempre com o cunho melancólico do fado lisboeta. É "Alfama". É Alfama. Para terminar a refeição o chef serve uma sobremesa de cuisine francesa, "Ça me fascine", prova da influência francesa na banda, se para tal não chegasse o trabalho anterior a Coisas que fascinam, o single "L'amour Va Bien, Merci" (que tinha como lado B "Ele, ela.. e eu", uma versão do tema de Madalena Iglésias.)
Depois de Coisas que fascinam, os Mler ide Dada prosseguiram a carreira, com algumas mudanças de elementos pelo meio e chegaram mesmo a ter mais um àlbum aclamado pela crítica, Espírito Invisível, mas nunca voltariam ao brilhantismo deste trabalho. Para atestar da importância do disco em causa, aqui fica a capa do Jornal de Letras que, há pouco tempo, pelos seus vinte cinco anos, lançou uma votação. De um júri onde constavam Adolfo Luxúria Canibal, Nuno Galopim, Jorge Mourinha, Gonçalo Frota ou Mário Lopes, saiu como melhor disco Pop português dos últimos 25 anos, Coisas que facinam, dos Mler ife dada.
Título: Coisas que fascinam
Autor: Mler ife Dada

Nota: 9/10

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Pop non-sense e descomprometida proliferava em Portugal (relembrar António Variações e Pop Dell'Arte)"?!

Quem escreve uma frase destas, metendo no mesmo saco Variações e Pop Dell'Arte, claramente nao esteve "lá" ou então não percebe bem as diferenças.
(e não estou a estabelecer juízos de valor entre dois projectos claramente fundamentais na música portuguesa dos anos 80)

10:21 da manhã  

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