segunda-feira, novembro 27, 2006

Victory for the Comic Muse - The Divine Comedy

Dois anos separam este álbum do último trabalho dos The Divine Comedy de Neil Hannon, Absent Friends. Este grupo britânico, que nos presenteou com a música The Booklovers, surge agora com Victory for the Comic Muse. O título advém de uma célebre passagem de A Room With a View de E.M. Forster, funcionando como uma excelente analogia para o conteúdo musical do disco: como já nos têm habituado, The Divine Comedy apresentam um CD cheio de humor, qualidade e momentos musicais muito bem conseguidos. Para além de beberem de muitas fontes da música contemporânea britânica (Nyman, Doyle, Glass, entre outros), progridem na construção de letras cada vez mais cruelmente divertidas.

Ainda no ambiente eduardiano da época do Maurice, Room With a View e A Passage to India de Forster, a primeira faixa revela-se uma verdadeira surpresa. Inicia-se com um excerto da velha série inglesa The Camomile Lawn, cenário idílico de lenços e gravatas conservadoras, em que há um brilhante e inocente diálogo entre um gentleman e uma lady. "If there's a war, I'll sleep with you before you get killed. That's what maidens do. And I'm a maiden." diz a rapariga. O cavalheiro retalia: "Are you carry on about your virginity? Virginity's nothing? You can loose it riding a bycicle!" Então, escuta-se a rapariga de novo: "I never knew that! I must be careful: I'm gonna get a bycicle in London..." A música, já iniciada, desenvolve-se na percussão sobre cordas cheias de humor. Chama-se To Die a Virgin. A letra é uma pequena história de um adolescente, sonhando com a sua primeira consumação da carne, contada pela voz irónica, de barítono, de Hannon. Ouvem-se frases como: "The other day I discovered / A magazine of my brother / I read it under the covers / It got me all hot and bothered. / Now every time that I see you / Your uniform becomes see-through / You don't know how much I need you / The "Handy Andys" I've been through." Esta é a grande abertura deste álbum, a grande iniciação à comédia.

Mother Dear é a segunda faixa, alienada por um banjo, com uma letra intimista e edipiana, sempre sóbria sobre a aura muito dramática das cordas. Dentro do mesmo estilo instrumental, apresenta-se Arthur C. Clarke's Mysterious World, uma sátira ao ilógico cantada com uma música quase maníaca, antiquada e sempre arquitectada como uma gargalhada silenciosa. Resta ainda referir The Light of Day, uma faixa com uma letra menos sarcástica, mais real, mais presa a imagens: um verdadeiro hino à nostalgia. Neste momento, Hannon faz uso de uma potência que consegue sempre derreter ao longo do refrão: uma beleza extrema, profundamente triste e melancólica.

Há também A Lady of a Certain Age, a mais brilhante composição de Hannon, com a letra mais mordaz do CD. Narra a história, perfumada de Channel, de uma socialite, da sua vida e do seu envelhecimento, com um refrão belíssimo, ondulado com um acordeão e enclausurado no dedilhado da guitarra. Isto, com imenso sentimento e vivacidade. A Lady of a Certain Age encontra o esplendor máximo do talento de The Divine Comedy ao conjugar humor, narração e uma profundidade musical muito intensa.

O single é Diva Lady, uma enorme piada sexual amortizada pelo piano estilizado, pelas frase melódicas longas e, sobretudo e uma vez mais, pelo sentido de humor que não aspira ser inocente. Count Grassi's Passage Across Piedmont usa duas vozes: uma recitativa e uma melódica, cruzadas sobre um piano e um ritmo de alucinações. Aqui, encontra-se uma faceta diferente, mais perto de trabalhos antigos de The Divine Comedy: o recitar, o expôr, o refrão melódico numa tonalidade menor.

Party Fears Two retoma os ritmos humorísticos, quase circenses, para se encontrar numa letra plena de sorrisos que depressa se distorcem, com a ajuda do piano, em algo de mais tenso. Quando se desfoca a tonalidade maior para uma intensidade mais entristecida, as cordas puxam de novo o tema e o ritmo original, cada vez com mais ornamentos (coro e metais, por exemplo). Ainda que seja o único cover do disco, The Divine Comedy mostram aos The Associates o que de bom conseguiram.

The Plough pega num ritmo dançável em 3/4 para se contorcer numa agradável mistura de cordas, piano e alguns ruídos. Os crescendos são notáveis e empurram-nos para uma dimensão de suspense e espera, até ao silêncio... que retoma o tema abruptamente. Como seria de esperar, pega-se também numa letra muito interessante, intercalada com gravações e ruídos, sempre ao estilo da Musa da Comédia. Há ainda Threesome, uma peça instrumental, com um nome algo sugestivo, que é tocada por três pessoas, isto é, três pares de mãos sobre um piano. Mais uma vez, Hannon consegue, sem palavras, provocar e ter sentido de humor.

A última faixa é o projecto experimental Snowball in Negative, com um arranjo perfeito na parte dos graves, uma letra extremamente inteligente e interrupções deslumbrantes. Todos os instrumentos utilizados são uma verdadeira armadilha musical, prendendo a melodia sobre o acordeão, a flauta, o contrabaixo e as cordas. Há uma pausa: um piano delineia um serpentear lírico... Volta-se ao tema: pizzicato, cravo, vozes de fundo. O que mais surpreende é tudo o que está por detrás de um tema triste e lento, o que se funde de novo no refrão. Há uma pausa e volta-se ao serpentear do piano, mas desta vez adicionando gradualmente cordas e, mais tarde, percussão. Explora-se, a partir daí, até que uma flauta extinga o som e soe uma nota aguda no piano. Em suma: uma obra-prima.

Este CD apresenta o que de melhor Neil Hannon e os The Divine Comedy sabem fazer, mostra a sua maneira de ver a Música, a sua perspectiva face ao cómico e ao surreal. E é, garantidamente, algo de extraórdinário. Sem dúvida, uma vitória!


Título: Victory for the Comic Muse

Artista/Compositor: The Divine Comedy

Ano: 2006

1 Comments:

Blogger Filipe Carmo said...

Sou um fã desta banda!
Ainda estou à espera de uma oportunidade de os ver ao vivo!

São, de facto, únicos e magníficos!

Aliás um dos últimos posts do meu blog (há algum tempo parado) é sobre eles, com vídeos!

1:17 da manhã  

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