sexta-feira, dezembro 22, 2006

to: Elliot from: Portland

Em Outubro de 2003, o conhecido cantor e compositor indie Elliott Smith pôs fim à sua vida ao cravar uma faca de cozinha no seu peito. Alguns comparam a reacção da dita comunidade indie semelhante à reacção da geração grunge depois da emblemática morte do seu líder Kurt Cobain, ainda que com outras roupagens. Apesar do seu fim violento, o suicídio de Smith era, para a maior parte dos seus acérrimos fãs, um fim previsível para um homem que lutava contra a dependência e contra a depressão. Para além dos seus ouvintes, também as bandas que se insurgiram com ele no universo da música independente depressa manifestaram a sua reacção. Assim, oriundo de Portland, Oregon, terra natal de Smith, nasce, três anos depois, o álbum To: Elliot From: Portland.

Este álbum, ainda que muito mais do que uma colectânea de covers, é a prova máxima da genialidade de Smith, um artista com uma alma torturada que deixou um legado suficientemente extenso para que se incluam num CD algumas músicas por si compostas nunca antes escutadas. Tudo isto faz de To: Elliott From: Portland um disco com muito a reter, assim como uma excelente oportunidade para conhecer a música de Smith. Para quem, como eu, já conhece, fica sempre a hipótese de revistar lugares antigos e reviver os sentimentos de sempre.

As bandas preferidas da esfera indie mostram-se sob um prisma muito interessante neste disco, fazendo uma leitura muito própria, por vezes diferente, sem se afastarem muito da intenção de Smith, oferecendo sempre um cunho pessoal. A primeira banda deste rol é The Decembrists, que oferecem uma aproximação low-fi da música Clementine, tornando-a num estudo que se aconchega no country alternativo, uma possível intenção de Elliott para esta faixa. Clementine ergue-se muito lenta sobre acordes levemente abanados na guitarra acústica, delineada sobre o tom melancólico das harmónicas. A canção original é, segundo me recordo, perfeitamente espectral, cinzenta e ensombrada, pelo que os The Decembrists conseguiram alcançar uma verdadeiramente boa interpretação: ao cinzento acrescentaram o outro lado da janela, a ver a chuva cair.

Na faixa seguinte, esquecemos os sintetizadores e a loucura electrónica dos The Helio Sequence para nos concentrarmos numa versão perturbadora de Satellite. A beleza da música é inquestionável, porém, o mais notável é a diminuição do andamento, a fusão coral no refrão, a firmeza das cordas, os acordes acústicos e a pequena distorção da linha melódica. É absolutamente brilhante conseguir enquadrar a visão de Elliott Smith em algo de tão sublimemente construído na subjectividade.

Dolorean simplifica The Biggest Lie ao jeito do country mais pragmático de Emmylou Harris, o que não é necessariamente mau. Talvez a diferença desfaça a base de Smith, sem deixar de ser uma leitura interessante. The Ballad of Big Nothing é explicada pelos The Thermals, um pouco mais trôpega do que a versão original, contando com um pouco mais de percussão e acordes mais robustos nas guitarras.

I Didn’t Understand ficou ao cargo dos Swords. E ainda bem. A banda oferece um excelente cover da música de Smith, conseguindo enquadrar uma surpreendente profundidade em termos de harmonia. O acordeão envolve o ritmo um pouco desacelerado para se confundir com os teclados no refrão. Destaque para a voz, modulada naquilo que parece uma assombração do registo de Elliott Smith. Escutar I Didn’t Understand é uma verdadeira overdose de melancolia: a atmosfera remonta aos tempos de canções de Elliott, o ambiente é pesado e negro.

Rose Parade é um produto muito bem acabado por parte de Sexton Blake. Há um ritmo semelhante, o mesmo tom moribundo a definhar acordes ritmados no piano, alguma percussão quase escondida. Ainda assim, há uma pequena variação no modo como esta música soa. Amelia traz-nos Between the Bars na sua voz maravilhosa, num estilo muito simples, muito sing-along, muito profético. Ao longo desta faixa, sente-se na voz, nas notas descendentes sequenciadas piano, na pandeireta, uma ironia própria do destino.

De seguida, Eric Matthews assoma com uma versão diferente de Needle in the Hay, incorporando trompetes, um ritmo mais aos tropeções, sendo, por isso, uma manobra um tanto negra face à versão de Smith. Ainda assim, é uma boa música, que pegou na intensidade musical para aceder ao conteúdo das letras. Nesse sentido, Elliott Smith não precisava de se fazer perceber.

Como outra versão mais adulterada, temos We are the Telephone com Division Day. É demasiado pop, demasiado rápida e demasiado sintética para uma música de Smith. E para provar que se pode interpretar Smith de acordo com parâmetros mais pop, os Crosstide transformam o que poderia ser um cover fantástico de Angeles numa das melhores faixas deste disco: há uma leitura pessoal sem descurar o ambiente melancólico do compositor.

Wouldn’t Mama be Proud é uma excelente aproximação de Jeff Tront ao espírito do disco. Destaque para as notas mais agudas, muito bem conseguidas pelo vocalista, e para os enquadramentos rítmico e harmónico, muito bem estruturados. Semelhante na qualidade, diferente na interpretação, temos To Live & Die in L.A. com King's Crossing.

Como forma de contraste, escutamos Speed Trials, uma viagem alucinante levada a cabo pelos Knock-Knock. Ainda que salvos pela melodia original e pela voz que transcende convenções, fica um sabor amargo nos lábios. E talvez mais estranho do que isto seja a versão hip-hop de Happiness da autoria de Lifesavas… é, de facto, interessante conseguirmos ter estilos diferentes dentro do mesmo álbum, no entanto, é com alguma perturbação que se sente um enorme destoar ao escutar esta faixa.

Como derradeira homenagem, a última música deste CD é uma fabulosa canção de despedida. Quem a canta é Sean Croghan, um companheiro de quarto de Smith que nunca se chegou a despedir dele. Talvez seja por esse mesmo motivo que High Times tenha um peso tão sinistro neste disco. E, para realçar a profunda expressão de tristeza que existe nesta faixa, fica também retido o facto de esta música ser inédita: todos pensamos como teria sido Elliott Smith a cantá-la.

O que fica, então por dizer, depois de tantas versões, de tantas leituras, de tantas aproximações? Muito pouco. Quase nada. À margem do génio de Smith? Dentro das suas intenções? As respostas para estas perguntas serão apenas fruto da especulação musical. Deixemos isso de parte. Fica o objectivo deste disco, portanto, a homenagem feita a um músico fantástico, a um homem sofredor, e em muitos casos a um exemplo e a um amigo. Separado de gostos e de pontos de vista. Verdadeiramente independente.


Título: To: Elliot From: Portland

Artista/Compositor: The Decembrists et al. tocam Elliot Smith

Ano: 2006

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Confesso que desconhecia esta obra... Como admiradora que sou da música de Elliot Smith - a sua tortura interior manifestou-se de forma genial na música - vou já tratar de ouvir o álbum...

11:03 da tarde  

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