quarta-feira, abril 04, 2007

O Caimão

Polémicas à parte, este é claramente um dos melhores filmes actualmente em cena em Portugal. Contabilizando todos os êxtases e revezes, lá chegaremos, resta um filme politico e humano, combinação à partida difícil, que não se abstém, ainda assim, de reter uma visão tragicómica e retratista de uma Itália em descalabro. Parece-lhe demasiado? Trata-se de O Caimão. Do melhor Nanni Moretti.

À resposta de como abordar Berlusconi cinematograficamente, Moretti foge ao óbvio. Foge ao retrato puro e duro, mas inclui-o. Foge ao documentário Mooriano incisivo mas extremista, mas a extremidade da sua posição permanece. Agarra, ao invés de pegar o touro de cornos, na Itália que Berlusconi moldou. A “Italiazinha”, como lhe chama um produtor polaco no filme. Uma Itália minorizada, interna e externamente, por uma governação do mais prosaicamente mafioso. Centralização do poder, utilização abusiva dos media e enriquecimento de mãos dadas com ilegalidades. Nada que nós não percebamos.

Já bastava esta faceta a O Caimão para se revelar um bom filme. Tal não seria suficiente para Moretti, o realizador de O Quarto do Filho ou Querido Diário. Este é, a propósito, um Moretti fora do esperado. Mais vivo, mais ousado, mais atrevido. Atrevimento este que vai bem para além do tema polémico que aborda. Mas onde parece ter sucedido, a julgar pelas eleições italianas, 17 dias depois da estreia do filme em Itália.

Dizia-se, há mais no filme do que o retrato de uma Itália Berlusconiana. Há ainda uma critica, pelo ridículo, ao cinema italiano actual. Uma produção a olhar para o umbigo, um realizador que começa um filme sem ler o guião por completo ou actores que desistem subitamente de projectos são parte integrante da toada mais ridicularizante de O Caimão.

No melhor pano cai a nódoa, como sempre. Moretti tem em O Caimão, cinematograficamente, uma faca de dois gumes. Por um lado, um filme completo e complexo que aborda uma Itália humana mas desumanizada por uma ditadura mascara. Por outro, um filme a querer por vezes mais do que pode. Um filme onde se abordam relações pessoais, problemas políticos, criticas cinéfilas, divórcios, a identidade da meia idade ou caracterizações nacionais. É obra. Mas é uma boa obra, em parte porque o filme nunca pesa, mistura tudo o mencionado com momentos trágicos e momentos de grande humor, que em grande parte se devem ao brilhante Sílvio Orlando, a personagem principal do filme (excluindo Berlusconi, obviamente).

Seja pela parte politica, seja por Moretti, seja por Sílvio Orlando, seja pelo humor, seja pela Itália, seja, apenas, porque se trata de um filme belíssimo. Não se permita não ver O Caimão.
Título: O Caimão
Realizador: Nanni Moretti
Elenco: Silvio Orlando, Margherita Buy, Jasmine Trinca, Michele Placido, Nanni Moretti e Giuliano Montaldo.
Itália, França. 2006
Nota: 8/10

1 Comments:

Blogger F. Penim Redondo said...

O novo filme de Nanni Moretti é uma obra interessantíssima.

Não se limita a mostrar como Berlusconi é uma figura inconcebível, inimaginável. Isso seria o "lugar comum".

Moretti pemite-nos "sentir" como ao sucesso de Berlusconi corresponde uma sociedade corroída pelo descrédito em que até os dramas pessoais se tornam mais pungentes.

O protagonista está perante um casamento que se desfaz, filhos para os quais não tem tempo, novas realidades sociais a que precisa adaptar-se, amigos que como ele vão ficando cada vez mais velhos, uma realização profissional cada vez mais problemática, dificuldades económicas crescentes, uma televisão cada vez mais rasteira, o medo que transparece nas relações profissionais e descamba em verdadeiras velhacarias, e por aí fora.

Se é verdade que nem todos estes problemas podem ser atribuídos a Berlusconi, pelo que a sua presença no filme poderia ser considerada demagógica, também é verdade que uma envolvente social degradada em vez de constituir um "amparo" para as agruras da vida se transforma, isso sim, num propício caldo de cultura para todas as crises.

Uma outra questão levantada no filme, e da máxima importância, é a relação entre a emergência de uma figura caricata como Berlusconi e a inépcia continuada da esquerda italiana que, como se diz no filme, fez do ódio a Berlusconi o seu único e verdadeiro programa.

12:09 da manhã  

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