quinta-feira, março 01, 2007

O Rapaz dos Desenhos


O Rapaz dos Desenhos é o nome da peça de teatro em cena no Teatro Aberto em Lisboa. A sala da Praça de Espanha é uma referência dos palcos portugueses, nomeadamente, na capacidade de aliar a excelência dos conteúdos com a (cada vez mais) importante comercialidade dos espectáculos. Para tal, a direcção de João Lourenço tem sido a peça chave para o sucesso descrito. O director e encenador descobriu em O Rapaz dos Desenhos mais uma oportunidade para a alimentar o seu projecto. A peça de Michael Healey é a grande bandeira do teatro canadiano, sendo desde a sua primeira encenação em 1999 a peça canadiana mais representada no país. Para a adaptação para português, João Lourenço contou com a ajuda de Vera San Payo de Lemos.

Ângelo (Rui Mendes) e Mário (Luís Alberto) são amigos de longa data e vivem juntos no meio rural, partilhando a mesma casa. Ângelo é-nos apresentado com um comportamento estranho, ocupando o seu tempo de forma muito peculiar. Ainda sozinho em cena depara-se com uma estranha presença no exterior da sua casa, Miguel (Pedro Granger), um jovem actor de Toronto que chega à aldeia com a sua companhia de teatro e pretende ficar duas a três semanas ali em casa para poder observar o trabalho agrícola com o intuito de posteriormente escrever uma peça de teatro com os seus colegas da companhia. Entra em cena Mário que aceita receber Miguel em sua casa exigindo-lhe que ele trabalhe durante a sua estadia. Neste momento, torna-se nítido que Ângelo tem francas dificuldades psíquicas e fica clara a sua dependência para viver. No entanto, estabelece-se uma empatia evidente entre Ângelo e Miguel. À medida que o jovem actor vai puxando por Ângelo, remexendo e explorando (propositadamente) a sua vida, a tensão com Mário aumenta. Esta atinge o seu auge quando os dois velhos amigos assistem a um ensaio da peça de Miguel, em que ele e um colega imitam o episódio em que Mário conta a história do rapaz dos desenhos a Ângelo. Neste instante, para além dos sentimentos de revolta de Mário, acontece o facto que desencadeia toda a trama. Ângelo, ao contrário dos seus últimos trinta anos de vida, lembra-se do nome de uma pessoa para além de Mário, Miguel.

Duas temáticas principais entrelaçam-se durante a acção de modo a criar uma história sempre apelativa: amizade e teatro. A primeira já foi abordada por variadíssimos autores e artistas e é algo tão intuitivo que raramente surpreende. O Rapaz dos Desenhos relata-nos um grande exemplo de amizade, demonstrada numa enorme capacidade de sacrifício, mas isto já não é novo. Apercebendo-se deste obstáculo, Michael Healey surpreende-nos com uma história no limiar da credibilidade com o absurdo. O teatro, começando por ser uma temática mais secundária, cresce com a acção e atinge, no tal momento do ensaio, uma dimensão inesperada. É através desta arte que Ângelo ultrapassa uma das suas grandes limitações. No entanto, um potencial lado mais negativo do teatro também é explorado. Será que é moralmente aceitável uma pessoa apropriar-se da vida de outros, sem autorização, para montar um espectáculo para milhares de pessoas?

A encenação de João não passa despercebida, como já vem sendo hábito. Nesta peça não vemos palcos rotativos, nem extraordinárias mudanças de cenário, no entanto, somos praticamente convidados para entrar na casa de Mário e Ângelo. Só mesmo as cadeiras onde nos sentamos é que criam o distanciamento necessário numa representação deste tipo. Mais real que aquela casa é impossível. E por outro lado, João Lourenço consegue com dois simples degraus vincar a diferença do interior da casa para o exterior.
Quanto à escolha dos actores para estas interpretações são compreensíveis as opções de João Lourenço. Rui Mendes percebe de uma forma quase gloriosa todas as limitações de Ângelo e destaca-se claramente dos outro dois actores. As últimas interpretações de Rui Mendes têm mostrado um actor cada vez mais maduro e com ambição de fazer sempre o melhor, sem se deixar encostar às dezenas de anos de representação que poderiam provocar alguma inércia. As interpretações de Luís Alberto e Pedro Granger estão longe de encher o olho como a que acabei de descrever. João Lourenço foi buscar aos dois actores o que eles melhor tinham para dar a estas personagens: no caso de Mário, o peso de carregar outra vida com ele e, no caso de Miguel, a jovialidade. Luís Alberto e Pedro Granger não desiludem o encenador nesta sua busca, mas nota-se que não existem duas verdadeiras personagens, ficaram-se pelo objectivo.

Fedra, Moby Dick e O Misantropo foram as nossas mais recentes abordagens ao teatro nacional. São grandes clássicos de autores consagrados que incidem sobre temas fundamentais do ser humano. O Rapaz dos Desenhos é uma peça, comparativamente, muito recente mas um exemplo a seguir por vários autores contemporâneos.
Título: O Rapaz dos Desenhos
Autor: Michael Healey
Versão: João Lourenço e Vera San Payo de Lemos
Dramaturgia: Vera San Payo de Lemos
Encenação: João Lourenço
Elenco: Luís Alberto, Pedro Granger e Rui Mendes

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Pois é... também eu fui ao Grande Teatro Aberto. Concordo em tudo menos no que diz respeito ao desempenho do grande Sr. Luis, e do menos grande Pedro.
Penso, de facto, que a representação de Rui Mendes está suberba - contudo não nos esqueçamos que também a personagem a isso se presta...
Quanto à experiência do Luis e à juventude do Pedro 5* - personagens menos dadas a excelentes representações, mas de se tirar o chapeu!!! Tendo em conta a tenra idade do Pedro penso que é um actor a não perder de vista e a ser aposta para o futuro...

6:38 da tarde  

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