quarta-feira, dezembro 20, 2006

Wake Up And Smell The Coffee



Neste últimos três meses de 2006, deparámo-nos nos cartazes culturais com um oferta de monólogos bastante diversificada. Para tal, a contribuição de alguns dos melhores actores portugueses tem sido fundamental. Maria João Luís com Stabat Mater, Gonçalo Waddington com Comida, João Lagarto com Começar a Acabar, Tiago Rodrigues com Wake Up And Smell The Coffee são alguns exemplos de bons actores que valorizaram, neste final de ano, esta diversidade cultural.

Monólogo - Cena falada apenas por um personagem; discurso aparentemente dirigido a ele mesmo, ou a um auditório do qual não se espera resposta. Na análise do discurso teatral, é considerado como uma variedade do diálogo.

Eu considero arriscado fazer um monólogo. Ou melhor, um monólogo que valha a pena ser representado. Tudo pesa muito. O texto, a versatilidade do actor, o espaço, o tempo de acção têm de estar perfeitamente unidos de forma a criar uma linha coerente de espectáculo com o intuito de captar a atenção do público que, nestas encenações é extremamente exigente.

A definição de monólogo que transcrevi não é perfeita. Eu procurei várias e não encontrei nenhuma que exprimisse o que eu entendo como monólogo. Escolhi esta porque abarca os elementos essenciais mas nem sempre de forma correcta. A melhor definição de monólogo será mesmo o espectáculo de Tiago Rodrigues no MM Café que esteve em cena até ao dia 16 do presente mês. Com um texto de Eric Bogosian e encenação de Luís Mestre, o actor português dá uma pequena lição de dramaturgia.

Cena falada apenas por um personagem; a definição começa mal. Eu sei que o erro não é tão linear. Esta definição de monólogo parte de uma peça teatral. Ou seja, descreve o que é o monólogo quando inserido numa montagem teatral. No entanto, quando alguém descobriu esta arriscada fórmula mágica de realizar espectáculos só de monólogos, esta parte da definição tornou-se obsoleta. Tiago Rodrigues não interpreta uma só personagem, começa com uma espécie de “eu-actor”, passa por um actor frustrado até a um vendedor-diabo, entre outras deliciosas personagens.

Discurso aparentemente dirigido a ele mesmo, ou a um auditório do qual não se espera resposta. Tiago Rodrigues ao encarnar todas estas personagens, obviamente não tem sempre o mesmo destinatário. O monólogo começa com o tal "eu-actor" que fala directa e abertamente para o público sobre o espectáculo que estamos à espera de assistir. De seguida assistimos a um deambular de direcções. O actor num ritmo fascinante, fala para si próprio, para uma pessoa específica no público e para a plateia inteira. Este deambular é fantástico. Tiago Rodrigues domina por completo a expressão do sentimento. A sua interpretação passeia entre o confiante e o frustrado com uma expressividade que nos faz esquecer que tudo não passa de uma representação. E Tiago sabe que para o sucesso pleno tem que sentir a reacção do público. As gargalhadas, os suspiros, os silêncios são as respostas do público que Tiago absorve com muita facilidade. Mais uma vez a definição falha, é verdade que não há resposta verbal por parte do publico, mas desde quando uma resposta só é apelidada de tal no uso exclusivo da fala?

Sobre Wake And Smell The Coffee não interessa falar só sobre o trabalho de actor. O texto de Eric Bogosian é também excelente. Aliás será mesmo a base para Tiago desenvolver a sua arte. A escrita de Bogosian é inquietante, vasculha nas nossas pequenas rotinas e para quais já não temos armas. Somos mesmo atingidos com a violência do confronto. Lá está, não respondemos verbalmente, mas o silêncio na sala torna-se constrangedor durante alguns segundos. Não muitos, porque logo de seguida o constrangimento é quebrado por um momento cómico. E é desta variação que vive o monólogo. Atingido o clímax final com uma cena inquietante repleta de humor.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mais do que uma tendência ou um desafio particularmente caro a um actor (porque também o é), infelizmente, a proliferação de monólogos pelos nossos palcos tem mais a ver com a viabilidade financeira que os mesmos possuem.
Não está aqui em causa o valor do Tiago Rodrigues ou do texto do Eric Bogosian porque ambos devem ser magníficos. Mas dizer que se deve a uma forma especial de comunicação é desviar a atenção para outras coisas que são externas ao teatro e ao acto de fazer teatro. Não tenho a certeza, mas, se o Tago Rodrigues tivesse a oportunidade financeira quase de certeza que preferia fazer de Hamlet ou Baal em vez de um monólogo. E mesmo que não seja esse o caso, o monólogo é baseado nos mesmos códigos que qualquer peça de teatro. O facto de ficarmos tão fascinados com um monólogo tem a ver com o facto de ficarmos a pensar sempre "como é que ele coinseguiu meter aquilo tudo na cabeça", que justifica o bold no teu "exigente". Ou seja, as pessoas não olham para mais lado nenhum. Mas, pensadno bem, qualquer bom actor tem de manter a mesma atenção e foco quando está em cena, estejam lá quarenta pessoas ou apenas uma.
Eu ainda não vi o espectáculo e procurarei fazê-lo um destes dias, mas não quis deixar de desmistificar um pouco as vossas observações...

10:16 da tarde  
Blogger Gustavo Jesus said...

É verdade que um monólogo é financeiramente mais viável. É verdade, também, que as generalizações são perigosas. Há bastantes monólogos cuja qualidade subsiste por si e não são, nem por sombras, meros subterfúgios de grupos com fundo reduzido. Aliás, os casos que Ensaio apontou são bem exemplo disso. Para além do mais, no caso concreto da peça no Maria Matos, estamos a falar de um Teatro com um palco principal, onde apresenta peças num registo mais, digamos assim, tradicional, e o MMCafé que possibilita estes registos mais intimistas e minimalistas. O que sucede aqui é uam estratégia, pelos vistos bem sucedida, de alargar públicos e formatos. Ainda assim, a essência do teu comentário é bastante pertinente, no que toca à viabilidade financeira. Quer se manifeste ou não nesta questão muito própria dos monólogos, há ainda uma manifesta falta de apoio às companhias de Teatro. Urge uma profissionalização do ramo, não tanto de quem trabalha, mas daqueles cuja função é permitir trabalhar.

11:30 da tarde  
Blogger Ensaio said...

O deslumbramento da minha crítica justifica-se apenas com a qualidade deste monólogo.

Este teu comentário, frunobulax, peca por falta de bases. Não viste o monólogo e não me conheces.
Acredita que "como é que ele coinseguiu meter aquilo tudo na cabeça" nunca será um parâmetro a avaliar por mim. Não dou praticamente valor nenhum à capacidade de memória do actor.

O argumento do teu comentário também não é muito sólido: não me parece que conheças o Tiago Rodrigues para expores as suas preferências, com ou sem certezas.
Eu decidi pesquisar e para desmitificar um pouco a tua opinião passo a transcrever o texto sobre o curriculum do Tiago Rodriges.
"Desde 1998, Tiago Rodrigues trabalha com a companhia belga tg STAN, um dos mais conceituados colectivos do teatro contemporâneo europeu, onde tem interpretado e co-criado diversos espectáculos em francês e inglês, apresentados em países como Reino Unido, França, Bélgica, Holanda, Noruega, Suécia, Alemanha, Áustria, Eslovénia e Portugal. Em 2003, criou o Mundo Perfeito, através do qual tem desenvolvido projectos em Portugal.
A sua actividade internacional também passa pelo ensino, sendo professor de teatro convidado da escola de dança contemporânea PARTS, em Bruxelas, dirigida pela prestigiada coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker, da companhia Rosas. Lecciona também em Portugal, na Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo do Porto e no Balleteatro."
Não me parece que o Tiago tenha feito este monólgo porque precisava urgentemente de fazer teatro e não tinha dinheiro para mais do que um monólgo.

O debate sobre o financiamento do teatro é de facto essencial para o desenvolvimento da arte em Portugal. Eu não o vou prolongar porque para um debate penso que os intervenientes têm que estar bem preparados. Eu assumo que não estou.
Para mim, que assisti ao monólogo, acredito que o Tiago Rodrigues o fez porque o desejaria. Portanto, frunobulax, não sei se terás oportunidade para assistir a Wake Up And Smell The Coffee, mas se o fizeres estarei disposto a ser desmitificado.

9:58 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro ensaio, acabei de constatar que não poderei, pelo menos por agora, ver este espectáculo, contudo, posso adiantar-te que a minha ignorância sobre os teus propósitos é a mesma que a tua sobre os meus. Acontece que conheço o Tiago Rodrigues (nunca lhe perguntei se ele preferia fazer o Hamlet em vez do Bogosian...) e também os textos do Eric Bogosian. Embora não seja isso que esteja em causa. Quando falei dos monólogos, falei com conhecimento de causa, não te quero aqui arrolar os monólogos em que já participei, ou que já vi, mas posso dizer-te com bastante segurança que uns 80% deles são feitos com base numa questão que é puramente financeira. Não sei se trabalhas no teatro ou se já trabalhaste, mas ignorar este problema estrutural é contribuir para a pauperização a que o teatro tem sido votado.
Atenção, não está aqui em causa o trabalho do Tiago nem a qualidade do texto do Bogosian. A minha observação deveu-se sobretudo, como disse da primeira vez, ao facto de começares a tua crítica/crónica por glorificares o monólogo como actividade teatral quando, se soubesses um bocadinho mais sobre os meios de produção do teatro, podias ter começado por perguntar-te sobre a proliferação dos mesmos monólogos nos teatros portugueses...
Já agora podias contar quantas peças estão em cartaz em Portugal neste momento que tenham mais de dez actores em palco? E depois fazias uma apreciação... tenho a certeza que cabem nos dedos de uma mão
abraços

3:09 da tarde  
Blogger Ensaio said...

Confesso que percebi mal o teu primeiro comentário. Não percebi qual era o ponto de partida do mesmo.
Agora que o entendi, aceito o teu posto vista. Embora não fosse minha intenção sobrevalorizar o monólogo enquanto espectáculo. Eu chego a referir que é muito arriscado fazer um monólogo, não porque que seja mais difícil. Mas sim porque é mais fácil de o desvalorizar enquanto actor.
Concordo contigo, no plano geral, que a motivação para um monólogo é diferente do que a de uma peça de teatro. Eu só quis sublinhar que neste caso, o de Tiago Rodrigues, isso não se passou. Por exemplo, sobre o monólogo do Gonçalo Waddington eu não entrei por este campo da perfeição da forma. Porque de facto não é tão sublime como o do Tiago.
Eu não quero alongar-me por esse debate sobre a produção teatral, exactamente porque como já referi não me sinto suficientemente preparado. Limito-me a partilhar a minha percepçção de cada espectáculo que assisto. E para tal, só mesmo porque foi o Hitchhiker que me desafiou.
Espero que continues a confrontar-nos para um melhor feedback da nossa escrita.

8:22 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

epa...oh ensaio, isso e que foi meter a viola no saco (ou rabinho entre as pernas caso prefira)...

9:35 da tarde  
Blogger Ensaio said...

Admito que não é inato, mas aprendi a reconhcer os erros. Se calhar, no futuro como blogger seria mais credível se defendesse o meu primeiro comentário até à exaustão (ou com unhas e dentes, como preferir).
No entanto, sublinho que nada retiro ao meu post.

12:12 da manhã  

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