terça-feira, março 21, 2006

Sobre o Roubo


"A Associação Fonográfica Portuguesa vai apresentar, dentro de semanas, queixas-crime contra utilizadores da Internet que usem serviços ilegais de partilha de ficheiros de música", assegura o director-geral da Associação Fonográfica Portuguesa (AFP), Eduardo Simões, ao JPN (http://jpn.icicom.up.pt)

Numa altura em que se prepara nova vaga, em jeito de cruzada, contra os utilizadores de programas de download musical, como o Emule, e em que se repetem os slogans que abundam nos cinemas, onde se tenta fazer crer que fazer download de músicas é crime, convém esclarecer alguns pontos.
Não se tenta, por acesso à net e download de músicas, negar aos músicos e aos produtores, o seu quinhão, a sua justa e merecida fatia num bolo cujo cozinheiro são eles. Nem tão pouco se evoca a Arte como algo à parte do mercado capitalista, apelando a desvirtuados e inócuos slogans de "A arte pela arte". Mas, por favor, não me queiram convencer que é um roubo a minha vontade de conhecer mais música.
O argumento de que a música é um mero produto, capitalizável como se pretender, esbate-se numa sociedade que se quer culta e informada, e onde se pretende a livre troca de ideias e opiniões. Não tratem a arte como se fosse um mero repolho ou uma secretária de mogno. Longe vão os tempos em que a Arte era algo destinado às elites, onde uma burguesia enriquecida ditava as leis.
O uso de programas como o Napster, o Audiogalaxy ou o Emule, mais não são que uma geração que grita pelo seu direito, repito, pelo seu direito de acesso a um dos principais meios artísticos. Urge conhecer o máximo possível, para que cada um possa filtrar o que mais lhe agradar e para que se possa falar com conhecimento de causa. Só assim se consegue uma meio artístico vanguardista e uma sociedade culturalmente informada.
Um jovem que tenha disponíveis €75 por mês para comprar cds, dvds, livros e demais formas de acesso à cultura (e, diga-se muito honestamente, consegue-se dificilmente juntar tamanha quantia mensal para tais fins) e mesmo que reserve todo esse dinheiro para a compra de cds, conseguirá, na melhor das hipóteses, 5 cds por mês. Obviamente que tal não interessa à AFP, cujo único intuito é o de assegurar que é pago quem lhes parece ter tal direito, mas esta não é a sociedade de forte componente cultural que se pretende.
Deixarei de roubar, no dia em que, como o faço com os livros, conseguir comprar cds bem mais baratos. Deixarei de roubar, quando encontrar cds em edições mais baratas em feiras, como o faço com os livros ou dvds. Deixarei de roubar, quando um cd 12 de músicas que não conheço totalmente não custar mais de €15. Deixarei de roubar, quando encontrar promoções que me permitam exercer o meu direito à cultura, tal como o faço com os livros ou dvds. Deixarei de roubar, quando houver justiça entre o preço que pago e o bem a que tenho acesso. Deixarei de roubar, quando tiver à minha disposição, tal como tenho para a Literatura (Bibliotecas), espaços onde posso usufruir de uma larga variedade e qualidade de produtos musicais. Deixarei de roubar quando a Música for considerada cultura, quando o I.V.A sobre a música não for de 19%, ao contrário do I.V.A. sobre os livros, que se fica pelos 5%. Deixarei de roubar, quando não me roubarem a mim o meu direito de conhecer.
Mas, obviamente, o ladrão sou eu. E assim caminha Portugal, onde a Arte se parece querer para uma elite endinheirada.
(Todo este texto foi escrito ao som de Kanye West's Late Registration, óbvia e conscientemente "roubado" da net.)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"I have a dream"...

10:03 da manhã  
Blogger Gustavo Jesus said...

Curiosidade: vim hoje de uma feira do livro, na Rua Augusta, onde comprei 2 livros de Jorge de Sena, uma peça do Bernardo Santareno e uma colectânea de peças de Teatro. Tudo por €10.50. No caminho, dei de caras com o cd Revistados: €19.50.

1:29 da manhã  

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