segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Calígula


"CALÍGULA - Cherea, acreditas que dois homens cuja alma e cuja altivez sejam iguais possam, ao menos uma vez na vida, abrir o coração e falar como se estivessem nus um diante do outro, despojados dos preconceitos, dos interesses particulares e das mentiras em que vivem?

CHEREA - Penso que é possível, Caius. Mas julgo-te incapaz de o fazer.

CALÍGULA - Tens razão. Só queria saber se pensavas como eu. Cubramo-nos então de máscaras. Utilizemos as nossas mentiras. Falemos como quem se bate, sempre em guarda."

Porque o texto de Teatro, também nasceu para ser lido, não apenas representado. Aliás, esse será, em muitos casos, o grande desafio do actor. Fazer com que o texto seja tão bem representado, quanto o está escrito. A maioria dos dramaturgos merece-o. Albert Camus exige-o. Nascido na Argélia em 1913, aquele que viria a ser agraciado com o prémio Nobel da Literatura em 1957, viu a sua vida manchada pela luta anti-fascista. E se obras como O Estrangeiro atentam na sua qualidade de romancista, peças como Estado de Sítio, comprovam que também no teatro a a sua arte está bem manifesta.

Do que se fala hoje aqui é, essencialmente, de Calígula. Peça que veio a ser representada pela primeira vez em 1945 no Théâtre Hébertot, com encenação de Paul Oettly. Calígula conta a história de um imperador cuja loucura é perceber, melhor que ninguém, que a vida é um não-sentido constante e cujo único erro que comete, é poder cometê-los. Calígula diz, na peça, que, apesar das mortes caprichosas que ordena, no reinado dele morreram muito menos pessoas do que deviam ter morrido, graças às guerras que evitou. Mas não é de uma morte absoluta que se fala, mas da morte como meio de ele, Calígula, atingir uma liberdade e endeusamento que, sabê-lo-à à partida, não lhe é possível. Calígula deseja apenas o impossível e sabe não o poder ter. O seu erro é procurá-lo da pior maneira possível, o impossível á custa de todos os seus subditos.

À conta dos seus devaneios, as personagens vão-se dividindo entre os que o ama, porque o percebem, porque partilham da sua loucura ou, simplesmente, por afeição; e os que se revoltam, os que foram vítimas dos seus caprichos, os humilhados, que vêem a sua hora aproximar-se e temem pelas consequências da loucura do seu soberano.

Tónica comum na sua escrita, Camus apresenta-nos uma peça onde os temas centrais são a morte e o poder. Mas, aliado a isso, aparece-nos um exercício único de compreensão dos limites da mente humana. Calígula é a parte humana reprimida que deseja ser Deus não o sendo. Em Calígula, pode-se. Uma peça de ritmo fluente e vivo, que não dispensa o cariz reflexivo e filosófico a que Camus nos habituou.

Título: Calígula
Autor: Albert Camus

Nota: 7/10

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de assistir, é uma peça maravilhosa. Vale realmente a pena!

2:39 da manhã  

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