quinta-feira, março 29, 2007

Voz Própria #4 - JP Simões

1. Em 1970 (Retrato) ouve-se “A minha geração já se acabou”, numa fotografiadesencantada e entristecida. Como encaras o rumo que a tua geração tomouface aos acontecimentos que a foram contextualizando?
Uns morreram de overdose, outros salvaguardaram a sua dignidade num contexto discreto de construção pessoal, profissional e artística, a grande maioria deu continuidade, por omissão ou mimetismo, à grande feira do individualismo selvagem e irresponsável, agora sob a capa do progresso tecnológico (de importação) e da cidadania europeia (praticada essencialmente através do oportunismo financeiro e da novíssima demagogia baseada na interpretação de estatísticas).

2. A “inquietação” que vais buscar a José Mário Branco é também um sinaldesse desencanto geracional, fruto da visão do que não foi face ao que podiater sido?
Sim, mas é também apenas uma belíssima canção de um músico e cidadão notável.

3. E como vês a nova geração que está a surgir, nomeadamente a nívelmusical? Sentes que cometem os mesmos erros?
Prognósticos só no fim do Universo.
4. Sempre mostraste uma preocupação social na tua música, quer em 1970 querem projectos anteriores. A música tem necessariamente uma função social, uma espécie de manifesto?
Não forçosamente: mas podes aproveitar os dias mais estuporados para cuspir todo o merecido veneno que a vida em sociedade segrega.
5. 1970 é também o trabalho onde mais abertamente expões a tua influênciabrasileira, mais concretamente a influência de Chico Buarque. Como é que um rapaz de Coimbra acaba a compor um álbum tão “brasileiro”?
E como é que um rapaz do Texas declara guerra ao Iraque?
6. Quer nos Belle Chase Hotel quer nos Quinteto Tati sentia-se uma fortepresença cinematográfica, a começar pelo nome das bandas. Há cinema em 1970?
Há mais literatura, panfleto e postalinho afectuoso.
7. Melhor Disco Nacional de Janeiro para o DN, um dos 30 cds mais vendidosno país, este tem sido talvez o teu trabalho mais amplamente reconhecido a nível do grande público. Como é a tua relação com esse lado? Pensas na reacção das pessoas quando escreves e compões?
Não, penso nas reacções dos dálmatas: são animais muito sensíveis à música. Mas além disso, escrevo e componho imaginando que estou a ser ouvido por um amigo que não seja parvo.
8. Quando instado a comentar sobre o que gozaria hoje Alexandre O’Neill,respondeste que “o alvo seria 'o politicamente correcto e a questão nacional da criação da imagem de Portugal para o exterior”. Portugal ainda é um país demasiado preso a uma mentalidade conservadoramente burguesa e religiosamente estagnada?
Eu espero bem que sim: até porque me dá jeito ter sempre à mão um imenso conjunto de defeitos nacionais insuportáveis e consensuais.
9. Acabo a citar-te noutra entrevista: “Acho que me falta fazer tudo namesma, porque o que está feito já passou. (…) Continua tudo por fazer”. Qual é o próximo passo?
É espetar-me de Galeão contra a Ponte Vasco da Gama