terça-feira, março 21, 2006

Achso




Após a audição do duplo vinil Achso, editado pelo selo Cadenza, confirma-se a suspeita que alguns guardavam: Ricardo Villalobos será um fazedor de singles (de preferência de 12’’) e não de álbuns. Talvez seja mais apropriado esperar (como durante o ano de 2005) que ele vá lançando EP’s, vinis, remisturas e até colaborando em algumas compilações. Que não se entenda por isto que os seus álbuns sejam menores ou evitáveis – não o são efectivamente. Em Alcachofa e The Au Harem D’Archimède, o chileno soube povoar as faixas de ritmos e batidas ora frias, ora quentes, por vezes ríspidas e por vezes lânguidas, em subtil acordo com as suas habituais produções singulares e hedonistas. Nesses discos nota-se que a liberdade é menor, e o prolongamento que (não) pode dar às pistas obriga-o a inusitados esforços. Atendendo ao facto de que as músicas dos álbuns citados rondam, em média, os sete minutos de duração, pode ser intrigante essa necessidade (para muitos, sete minutos a escutar a mesma música são uma dormente eternidade). No entanto, esta característica poderá passar completamente despercebida a quem só oiça os LP’s pois, para todos os efeitos, são dois álbuns de referência na cena electrónica minimal do novo milénio, especialmente, e aqui enfatizo-o, o Alcachofa (2003).

Então sobrevive a dúvida: se são bons álbuns, porquê desfavorecê-los em favor de outras produções? A resposta tem uma palavra: Achso. Em cerca de 50 minutos, 4 faixas apenas vivem num habitat natural suficientemente amplo (diga-se temporalmente) para que o reputado músico lhes possa dar formas e contornos épicos. Todas elas vão crescendo em espiral, acumulando ritmos, ecos, vibrações e melodias suaves, alcançando, em períodos circunscritos, altos níveis de complexidade aos quais os nossos ouvidos devem responder com redobrada atenção. “Sieso” é uma viagem sobre carris por entre uma melodia ancestral e irregular, até que, findo o percurso, se pode começar a bater o pé e a mover o corpo, esperando o regresso ao princípio lá para o 9º minuto. A maneira cerebral como os compassos se vão sucedendo torna “Sieso” um must-have de Villalobos (do melhor que já fez). “Erso” tem uma guitarra soluçante a abrir as hostilidades, deixando espaço para a mestria familiar de Villalobos no uso de múltiplos ritmos, secos ou orgânicos. “Duso” é um desfile de silvos e vozes cortadas, acompanhado de uma bateria de graves que irá ser substituída, já próximo do fim, por um acordo sonoro de sons submersos. “Ichso” representa, mesmo com tão fortes rivais, o onirismo dos padrões, enquanto apoia uma frágil e modular melodia. A diversidade de padrões é de tal ordem que são necessárias algumas audições até que se esteja em condições de disfrutar de “Ichso”.

Em suma, e após atordoamento auditivo, Achso é a longa duração realmente suficiente para a insaciabilidade de Villalobos. Só é pena que este duplo vinil chegue, em princípio, com tanta dificuldade aos lares e, previsivelmente, aos clubes e discotecas, que em Portugal tendem a fugir do complexo como o diabo foge da cruz.

Nota: 8/10