terça-feira, novembro 21, 2006

Corrigindo Beethoven

E Música nunca mais será a mesma…

Quando Milos Forman realizou, em 1984, Amadeus, sobre a vida de Mozart, conseguiu arrancar à Academia oito Óscares, trinta e dois prémios (incluindo um BAFTA para melhor Filme e um Globo de Ouro) e treze nomeações. Inevitável será, portanto, comparar estes dois filmes, que, embora bastante diferentes, trouxeram de uma forma paralela algo de novo ao cinema. Em primeiro lugar, nenhum deles pretende convencer a plateia de que Mozart ou Beethoven eram génios, antes pelo contrário. Sendo isso perfeitamente palpável nas figuras magistrais e nas obras dos dois compositores, estas películas humanizam-os, mostram o seu lado sensível, igual ao de todos os restantes mortais.

Agnieszka Holland realiza o filme Copying Beethoven, assente num formato já antes visto: a utilização de uma personagem fictícia para ler com outros olhos uma personagem histórica. E Holland pega nos últimos anos da vida do grande compositor alemão e narra-os de uma forma íntima e crua. Para interpretar Ludwig van Beethoven, escolheu Ed Harris, que encarna este titã da Música numa prestação incrivelmente brilhante, mostrando ao espectador um Beethoven irascível, solitário, intempestivo, cativante, apaixonado pela composição. E a semelhança física é notável... É certo que a magnífica interpretação de Ed Harris poderia ofuscar outras presenças, porém, e uma vez que a inserção de uma personagem fictícia serve de mote para outra leitura/audição do génio, há um lugar de destaque para a actriz alemã Diane Kruger no papel de Anna Holtz.

É Anna Holtz que é recomendada ao editor do compositor como a aluna mais brilhante do Conservatório da metrópole cultural europeia: Viena. Após várias tentativas para convencê-lo de que uma mulher pode ser copista, Anna consegue que o editor aceda e que a reencaminhe para a casa de Beethoven. Anna depara-se com um quarto caótico, sujo, e com um Beethoven furioso, praticamente surdo, indisponível senão pelo meio da sua Música. A tarefa da jovem compositora é simples: copiar a partitura da Nona Sinfonia para que possa ser publicada. Isto, a quatro dias da Estreia perante a comunidade intelectual austro-húngara.

Ao longo do filme, apercebemo-nos da figura genial que foi Ludwig van Beethoven. Num curto espaço de tempo, mostra-se a revolução que a sua Música representou para a época, explora-se o seu processo de criação artística, mexe-se na sua solidão, toca-se no seu sentimento religioso. Nesse curto espaço de tempo percebe-se que, tal como numa Sinfonia, o todo é muito mais do que a soma das partes.

A realização é praticamente perfeita, com espaço para que se espelhe a ferocidade da acção, a alma do compositor, o material de que se compõe o génio, quer recorrendo a close-ups sobre lábios, sequências alucinantes delineadas pelas quatro vozes das fugas, ou momentos de silêncio que se abatem para abafar sons tão necessários. E em primeiro plano não está o sofrimento de Beethoven, tão-pouco o lirismo de Anna Holtz para compreender a sua vida. Em primeiro plano estão traços, estão sinais que se codificam em Música, que se traduzem numa linguagem que sempre se desenvolveu e cresceu na mente do compositor. E está também a necessidade de progresso face a algo conformado, algo coercivo, imposto por quem afasta a lisonja para se concentrar no “silêncio que existe entre duas notas”.

Como seria de esperar, a banda sonora recai sobre Beethoven, destacando-se, para além da Nona Sinfonia, a Grosse Fugue¸ alguns Concertos para Piano e Orquestra, entre outros. Apesar de, à primeira vista, existirem alguns contrastes entre a acção e a música, encontram-se momentos de rara beleza ao longo deste filme: reflectem-se estados de espírito como algo exprimível através de sons e não de imagens. Também nos confrontamos com situações que nos abanam verdadeiramente e decorrem sem palavras: por exemplo, a direcção de orquestra sobre a batuta segura nos dedos de um homem surdo é uma sequência abreviada da Nona Sinfonia.

Copying Beethoven não se compadece, não dá explicações, não se afasta do nu e não teme o íntimo. Sem hesitações. Com virtuosismo. Sem escapar à comparação, aqui reside o mérito deste filme sobre Amadeus. Não obstante, Copying Beethoven é um filme no qual se cruzam verdadeiros pontos fortes, verdadeiros traços de génio.

Título/Ano: Copying Beethoven (2006)

Realizado por: Agnieszka Holland

Escrito por: Stephen J. Rivele & Christopher Wilkinson

Elenco: Ed Harris, Diane Kruger, Ralph Riach, Matthew Goode, Joe Anderson.

7 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Magnífico! Fiquei arrepiada com a cena da apresentação da Nona Sinfonia!

11:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito bem escrito, mas discordo de tudo. E acho isso bem saudável.

A Nona Sinfonia é sensacional, pena que esteja no meio de um filme tão ruim. Absolutamente tudo é superficial, desde as questões perdidas sobre mulheres na música erudita quanto traçar quem era beethoven. Ainda estou esperando pra saber o que faziam o sobrinho e o noivo da mulher no filme, simplesmente pessoas sem nenhuma função. Por fim, fica um mozaico sem sentido que toma emprestado o nosso arrepio pela obra do gênio. Nunca me senti tão entediado numa sala de cinema!

Quem ainda não viu, não assita. Poupe seu dinheiro.

1:17 da manhã  
Blogger Adhal said...

O filme é bárbaro, de uma sensibilidade indescritível.....e deve ser sentido na sua essência, não importando a função de personagem A ou B na trama.
O mais importante é a música, a harmonia e a diversidade de emoções e reações q enriquecem o filme...
A sutileza do filme está nas entrelinhas...
Vale a pena assistir analisando com a audição, percbendo a riqueza com a visão e compreendendo com o coração...
NÃO PERCA ...

1:59 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

É óbvio que "Corrigindo Beethoven" preferiu não explicitar ou aprofundar a sexualidade de Beethoven e sua relação com Karl até pra não 'ferir' a suposta sensibilidade de fãs do gênio alemão e respeito a opção dos dois roteiristas do filme, assim como a criação de Anna Holtz. No mais, a performance de Harris está muito boa, só não é melhor porque exagera em alguns momentos da atuação. Surpreedente é a atuação de Kruger, melhorou muito como atriz e em certos momentos ofusca Harris.

7:49 da tarde  
Blogger Rita Canselmi said...

Se eu não tivesse assistido "Minha Amada Imortal" antes, também não teria aproveitado o momento do recorte deste filme, da fase final de sua vida...
A música é magnífica, mas as idéias dele com Anna para ouvi-las, fez o filme apresentar o quão fantástico ele foi e tão incompreendido, e seu perfeccionismo o atingiu, magoando-o ainda mais.

4:32 da manhã  
Anonymous samir said...

é desnecessário falar do filme quando se pode assitir à execução da Nona. Bárbaro. Próprio dos gênios para pessoas de sensibilidade que ainda possam existir atualmente
Samir - Rio Preto

2:09 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Encontrei este blogue enquanto pesquisava sobre "A Gaivota" de Tchékhov, e quando vi "Corrigindo Beethoven" lembrei-me de que há algum tempo tinha pensado em ver novamente este filme. Gosto bastante dos climas do filme e da interpretação de Ed Harris.

Pode dizer-se que o filme não retrata bem a personalidade de Beethoven e a questão das mulheres na música, se não se conseguir ver para além do óbvio ou sentir através da interpretação de "pequenos sinais"; dos pormenores, dos climas. Podemos achar que o filme aborda esses dois pontos com superficialidade ou não: depende se chega até nós alguma emoção através de um pequeno comentário, de uma expressão facial, ou se precisamos que seja encenada uma discussão sobre esse assunto para sentirmos que foi tratado com a devida importância.

Catarina Moreira

11:57 da tarde  

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