domingo, dezembro 10, 2006

Lunário

“As bocas pousam da nudez uns dos outros. Enche-se de alegria a minha treva. E tudo dividimos: o pão e a noite, a pobreza, os corpos e a desolação.
O dia volta pelas frinchas das tábuas, passa igual a outros dias. Pelas vozes que despertam, pelos fios de suporte suspensos, pelo movimento langoroso dos corpos – reconheço todos aqueles rostos que enfrentaram o cruel dia.”


Vem confundido com a vida de Al Berto, este Lunário que ele nos oferece. Desde Sines a esta afirmação despudorada de uma sexualidade que não pretende chocar, mas antes ser natural. Uma metáfora da sua escrita. Mistura entre Prosa e Poesia, os limites dos dois conceitos desfazem-se neste escritor que constrói o seu mundo, que é a sua noite, à volta da palavra.

Esta inexactidão do limite bem definido entre Prosa e Poesia não se limita à escrita propriamente dita de Al Berto. Espraiada, rica, plena de vocábulos eminentemente oníricos, será o seu paradigma, mas para além desta, há as repercussões na forma deste romance. Lunário é tanto um livro de poemas quanto nos transporta para uma noite de beleza de palavras e construções. Só mais tarde aparece uma narrativa, o quotidiano de Beno, o pretexto para este elaborado juntar de sons.

É talvez por isso que o livro segue a vida de Beno e dos que o rodeiam. Como um diário escrito na terceira pessoa. Beno, Kid, Nému, Alba e Zohía são as personagens que vão desenrolando uma acção de carácter moderno e modernista. O choque com o estabelecido não se dá por contraposição. Este mundo das regras sociais a que estamos acostumados simplesmente não existe. Existe sim o mundo de Beno. Amor, drogas e poesia. Ou, numa palavra, melancolia.

Caem ainda sobre este livro as palavras de ser, acima de tudo, um livro homossexual. Lunário, acima de tudo, não é um livro homossexual. É um livro de pulsões e paixões. A homossexualidade é só os moldes em que tal nos é expresso. Uma história de amor em que o amor é tudo menos o nosso conceito prêt-à-porter de sociedade ocidental homofóbica e monogâmica.

Dividido em sete partes (Crepúsculo, Lua Nova, Quarto Crescente, Lua Cheia, Quarto Minguante, Umbria e Cântico), Lunário é um livro pouco usual na literatura portuguesa. Subversivo mas com naturalidade. Exótico no sentido mais urbano e quotidiano da palavra. Um Romance em jeito de conjunto de poemas sobre as relações humanas. Uma das melhores obras de Al Berto, metáfora autobiográfica condensante da sua obra.