segunda-feira, dezembro 11, 2006

Noise Floor (rarities: 1998-2005) - Bright Eyes


Os independentes Bright Eyes chegam agora com Noise Floor, uma compilação de raridades musicais, de algumas ideias acidentais que tomaram lugar entre 1998 e 2005. Não é a primeira vez que a banda de Conor Oberst opta por um formato de compilação, embora acentue que não se trata de um best-of, mas sim de um disco cheio de peculiaridades, à sua única e boa maneira.

Neste CD, escutamos os temas de sempre, com a voz de sempre, embora com algumas pequenas e deliciosas variações. Estas mudanças tão características podem seguramente afastar muitos ouvintes, embora atraiam os fãs para o universo alienado e febril musicado por Conor Oberst e seguidores. Abre com Mirrors and Fevers, uma colagem de confusão e ruído, seguida de um pequeno trecho a cappella. Aqui residem algumas gravações de um tour que a banda efectuou pela Europa, assim como um pedaço do álbum homónimo de 2000. Funciona como prólogo para um processo de uma confusa letargia.

Segue-se-lhe I Will Be Grateful For This Day, a primeira música mais electrónica composta pela banda: a voz quase negligente de Oberst molda-se nos contornos harmónicos espelhados no órgão e na percussão lenta. Narra mais um universo inerente à própria natureza da banda, cheia de letras perturbadoras, uma linguagem nua e com palavras de espontaneidade.

Trees Get Wheeled Away evoca mais o folk íntimo, presente na melodia simples e convidativa. As guitarras acústicas remetem para um cenário mais idílico, embora a letra rasgue frases de grande ironia e provocação. “There’s a virgin in my bed / And she’s taking off her dress (…)” Conta mais uma história deprimente na crueza das palavras não premeditadas, sob uma melodia bonita e numa tonalidade oscilante entre o maior e o menor.

O piano volta em Drunk Kid Catholic, mostrando que os Bright Eyes conseguem afastar quem não abraça a realidade ilusória que a banda nos propõe. Tudo gira em torno de um sentimento que é mastigado, dissecado em partes distintas, completamente exposto sobre uma música bem conseguida. À semelhança desta faixa, temos presente também Spent on Rainy Days, com um ritmo mais rápido, em contornos mais rock, manifestando sempre uma intensa marginalidade. A percussão procura atingir as guitarras eléctricas, perseguindo as palavras fugidias. Esta é uma das muitas faixas gravadas em caves, garagens, salas vazias, por entre cinzeiros cheios e guitarras amontoadas… o que lhes confere uma certa rebeldia ainda mais acentuada neste álbum.

A faixa seguinte apresenta-se como a mais acidental de todas. Gravada no início da carreira da banda, The Vanishing Act é um aparente e dissonante improviso sobre o piano, alimentado por acordes ininterruptamente sacudidos na guitarra. A voz de Conor Oberst confunde-se com uma matiz irreversível, fundindo-se na voz feminina que se lhe junta. A música corre, a letra arranha. E acaba.

Soon You Will be Leaving Your Man é um molde clássico na própria ironia do termo. O desafio dos Bright Eyes ecoa na cinzenta melodia cantada, na modulação perfeita dos acordes, na calma e ligeireza com que se esboça a infidelidade e o amor semi-verdadeiro. O mérito consiste na aproximação da beleza face ao grotesco, à fantasia doentia das alucinações. Do mesmo modo que se adequa uma percussão fora do comum, quase imperceptível, escondida por entre as notas no piano. No final, há uma pequena amostra de ruído e vozes que substituem a melodia cantada por instantes. Assim funcionam também Motion Sickness, cantada com ligeireza, com um dedilhado na guitarra e um órgão quase coral no refrão; e Amy in the White Coat na voz triste e nostálgica de Oberst sobre um suave ruído incessante.

Com mais algumas faixas dignas do melhor conseguido pela banda, apresentam-se Weather Reports, Seashell Tale e Bad Blood. A música nunca pesa pela intensidade e não peca por ausências: o cru manifesta-se nas letras, no modo como rastejam, no modo como nos introduzem ao sublime do mundano e ao mundano do sublime. O seu magnetismo encontra uma expressão na figura da mulher, em copos de vinho, em comprimidos, na náusea, no desespero, na nudez, na ausência. O alternativo encaixa-se no modo de pensar e fazer música na medida em que, sarcasticamente, se apresenta desadequado e desinibido. Ouve-se “The drunk kids, the catholics / They’re all about the same / They’re waiting for something, hoping to be saved”.

O contacto entre o que é descrito torna-se de tal modo poderoso que a música parece quase insuportável. A angústia plúmbea não se desvanece nunca ao longo das dezasseis faixas deste disco. Porque, na verdade, este mundo não é fácil... e tão-pouco é a abordagem dos Bright Eyes: lida-se com a perda, com o falso, com o aparente, com o lugar-comum, com a superficialidade do quotidiano. Treme-se. Toca-se o que não é real e o que é meramente aparente.


I just keep drinking the poison

And smoking the cartons

A pack and a half a day

So when time comes to claim me

My friends and my family will gather around my grave

And they’ll believe that they knew me

And love me and miss me

And all call by my name.



Título: Noise Floor (rarities: 1998-2005)

Artista/Compositor: Bright Eyes

Ano: 2006