sábado, dezembro 23, 2006

Casino Royale

Há quem veja James Bond como um franchising de sucesso. Outros vêem-no como uma inevitável gripe sazonal. Outros ainda vêem-no como um insopurtável fenómeno pendular. Por incrível que pareça, esta interminável saga continua viva após o flop colossal de Die Another Day. Muitos rumores se espalharam pelo meio, muitas informações foram lançadas pela imprensa, muita tinta correu. Quem seria o escolhido após a exoneração de Pierce Brosnan enquanto agente secreto 007? A resposta soou com alarme: Daniel Craig. Este actor inglês tinha sido visto em filmes sem peculiar distinção, mas a sua última aparição fora no polémico Munique de Steven Spielberg, pelo que a crítica queria saber se Craig estaria ao nível de actores como Sean Connery e Roger Moore. Quem já tinha visto, como eu, Craig em séries britânicas, sabia que podia elevar as expectativas. E assim se fez.

Para além do desafio que foi escolher o protagonista, o realizador Martin Campbell (responsável por desastres cinematográficos como A Máscara de Zorro e respectiva sequela, e Limite Vertical) tinha nas mãos a tarefa de adaptar o primeiro livro de Ian Fleming. Este livro, anterior à famosa licença para matar, lançava algumas luzes sobre o início de carreira de Bond ao serviço de Sua Majestade. Como tal, os argumentistas conseguiram adaptar o cenário da Guerra Fria para um clima de tensão pós 11 de Setembro, sempre com a ameaça terrorista a pairar nas paisagens exóticas que desde cedo encantaram os fãs dos filmes.

Contudo, este filme em particular é verdadeiramente surpreendente logo no início. Vemos sequências a preto e branco, e imagens em flashback com uma fotografia alternativa, com imenso grão, mas muito bem conseguida. Posteriormente, vem o genérico. E aqui toda a gente faz um compasso de espera e sustém a respiração. Então, surpreendemo-nos: eis o genérico mais brilhante de todos os filmes! Não há silhuetas de mulheres seminuas, músicas arrastadas ou mesmo músicas sem qualquer qualidade. Ao invés, há uma exploração do universo de Bond, evoluindo com muito estilo, sem adereços pirosos, sem excessos, fazendo referência aos naipes de cartas de Casino. E a música é um deleite ao fim de tantos anos a ouvir canções idiotas…

A história que alenta a película é simples: nesta sua primeira missão, 007 tem de impedir o vilão (que desta vez não tem três mamilos, mas chora sangue) de ganhar um jogo de póquer milionário para que este não financie o terrorismo. Simples, mas, com a ajuda de cenários da Europa de Leste, de Itália e de Madagáscar, pega. E aqui Daniel Craig mostra bem porque foi escolhido. Independentemente da sua impecável forma física e destreza motora, o actor consegue ser o melhor Bond da série ao tornear uma figura tão estereotipada em algo de novo, pondo de parte o sex symbol para se converter num espião com sentimentos e origens. Demasiado para quem espera ver o agente secreto a correr por entre bombas e estilhaços, e a acabar a noite na cama com uma das infinitas Bond-girls.

Oferecemos também um lugar de honra aos argumentistas por nos terem poupado aos clichés bondianos como o enjoativo modo de preparação do famoso cocktail. Quando o empregado pergunta 'Shaken or stirred?', Bond remata com 'Does it look like I give a damn?' Brilhante. Ou mesmo o 'My name is Bond. James Bond.' só aparece no final das duas horas e meia. Deste modo, também está dispensado da série o humor de Moneypenny e de Q, e apenas por uma questão de adaptação que pode nem parecer uma incongruência, uma vez que se trata do primeiro filme do herói.

Mais uma vez, balançamos por entre os luxuosos ambientes, diamantes e muitos conflitos de interesses, armas e passagens secretas. Desta feita, depois de muitas impressionantes cenas de acção, entramos nas deslumbrantes paisagens do Montenegro. Aqui fica o Casino Royale, inspirado, segundo Fleming, no Casino Estoril durante a Segunda Grande Guerra. É no Casino Royale que Bond vai ter de vencer Le Chiffre, o vilão de serviço, no tal jogo de cartas. Para isso, conta com a ajuda da Bond-girl jovem-contabilista-em-ascensão Vesper Lynd, personagem ao cargo da francesa Eva Green (observada muito ao de perto em Os Sonhadores do grande Bernardo Bertolucci). A surpresa reside no facto de, pela primeira vez, termos na tela uma Bond-girl que não é só um acessório, um corpo bem definido e bem curvado: há de facto uma personagem. É pena que a lindíssima Eva Green não esteja à altura da proeza, mesmo com o sotaque inglês… Verdadeiramente frustrante para quem espera um pouco mais.

Contando com elaboradas cenas de perseguições e tudo o que se espera neste tipo de filmes, este embrulho tem o recheio que todos querem, ainda que com algumas boas surpresas. É certo que se pode fugir à fórmula já gasta para tentar comprar o público de novo. Não obstante, esperemos que este filme tenha sido um reinventar e não um subterfúgio de quem está cansado de não vender. Independentemente do ângulo, a película é um forte abanão à base modular da saga, é uma verdadeira adaptação do Bond de Fleming e é uma actualização do universo da espionagem para o século XXI. Com uma fasquia colocada agora tão alta, esperamos ansiosamente pelo próximo filme do espião ao serviço de Sua Majestade.


Título/Ano: Casino Royale

Realizado por: Martin Campbell

Escrito por: Neal Purvis & Robert Wade

Elenco: Daniel Craig, Eva Green, Mads Mikkelsen, Judi Dench, Felix Leither, etc.

1 Comments:

Blogger C. said...

hum, nao concordo, achei muito fraco

3:43 da tarde  

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