quinta-feira, janeiro 11, 2007

Fedra


O Teatro Municipal Maria Matos abre o ano de 2007 com a representação teatral do clássico Fedra, traduzido do francês por Vasco Graça Moura. A peça de Jean Racine, um marco do neoclassicismo francês, assinala um novo rumo na programação no renovado teatro. Depois de peças como Laramie, The Pillow Man e Alter-Ego, cujos temas e encenações se inserem nos parâmetros comuns do teatro contemporâneo, Fedra reintroduz o vasto campo dos textos clássicos num ano que se prevê rico na revisitação do género mais específico que é a tragédia. Escrita no século XVII, numa época proveitosa no que toca à recuperação dos modelos e estruturas formais do período helénico, Fedra é um monumento literário consagrado ao desespero amoroso.

Embora o amor desvairado de Fedra (Beatriz Batarda) por Hipólito (Pedro Carmo) seja em parte provocado pela distância que a relação familiar impõe, Racine, recorrendo à vergonha do incesto, pretende na verdade construir um relato do declínio que o amor não correspondido pode provocar. Teseu (Alexandre de Sousa), um dos maiores heróis da Grécia, pai de Hipólito e marido de Fedra, encontra-se ausente enquanto o amor de Fedra se torna insuportável. Hipólito, por sua vez, nutre uma paixão também irrealizável por Arícia (Sara Carinhas), irmã dos Palântidas que Teseu mandara matar. À medida que estes amores se vão desenhando, o desconhecimento do paradeiro de Teseu é o factor de bloqueio à consumação das acções. O sentimento que se apodera das figuras principais (e, por dever, das figuras menores) desta tragédia é de tal maneira tremendo que culminará numa série de eventos trágicos.

Para reforçar o carácter cósmico e mitológico da história, Ana Tamen criou uma encenação onde todos os elementos acentuam de alguma forma esse contraste para com o mundo actual. O cenário consiste em três planos em confluência para uma porta corrida: a lateral esquerda é uma parede em vermelho rubro (invocando as chamas associadas ao inferno), cortada por uma entrada e uma janela donde emana a luz que encadeia Fedra, quando da entrada desta, sugerindo o seu fatídico destino; ao invés, a lateral direita, em tons de azul, apela ao bem e aos princípios morais que as personagens tentam seguir, pelo que o contraste entre as duas paredes vinca o dilema moral que se abate sobre as personagens; o chão preto toma a forma invulgar de uma rampa que, nas palavras de Ana Tamen, é um obstáculo a superar pelos actores de forma a elevá-los a figuras mitológicas, forçando-os a uma gestualidade pouco natural e exagerada mas coerente. Também a música, proporcionada por uma série de instrumentos de percussão tocados ao vivo, serve o intuito da encenadora ao acentuar o lado primitivo do amor, expresso de um modo incomparavelmente mais intenso do que o sentido nos dias de hoje.

Para os actores, a exigência do desempenho prende-se não só com as particularidades já descritas mas igualmente com a dificuldade em dominar completamente o verso alexandrino, a unidade básica da estrutura formal de Fedra. No campo das interpretações, destaque para as de Beatriz Batarda (notável na expressão do desespero e angústia) e Pedro Carmo (apropriando-se de Hipólito e dando-lhe vida própria), bem secundados por Sara Carinhas e Cristina Bizarro, esta no papel de Enone.

A rigidez do texto original e a distância que a encenação guarda para com os costumes modernos são os riscos que a equipa que montou Fedra corre, mas é com peças deste calibre que o espectador comum tem oportunidade de espremer o que há de melhor nos autores clássicos: a profundidade e textura dada aos temas essenciais que compõem a experiência humana.

Título: Fedra
Autor: Jean Racine
Tradução: Vasco Graça Moura
Encenação: Ana Tamen
Elenco: Adelina Oliveira, Alexandre de Sousa, Beatriz Betarda, Cândido Ferreira, Cristina Bizarro, Kjersti Kaasa, Pedro Carmo e Sara Carinhas.

Em cena na Sala Principal do Teatro Maria Matos de 11-01-2007 a 18-02-2007

Post da autoria de Exit1 e Ensaio