segunda-feira, fevereiro 12, 2007

A minha mulher


“Quem já viveu no campo durante o Inverno e conhece a monotonia dos longos serões, tristes e calmos, em que nem mesmo se ouvem ladrar os cães ao longe, no negrume da noite, e até os relógios parece que estão cansados de bater o seu tiquetaque; e aqueles que, nessas noites, foram despertados pela voz da consciência, de súbito alarmada, e tentaram ora dormir, ora analisá-la, compreenderão como me distraía e deliciava a voz de minha mulher, num quartinho confortável, ainda quando me dizia que era um homem perverso…”

Anton Tchékhov será provavelmente mais conhecido como dramaturgo. Para além da importância extrema que teve junto do movimento teatral criado na Rússia, cuja expressão maior é o conhecido Teatro Artístico de Moscovo, são peças como A Gaivota, O Tio Vânia ou As Três Irmãs que melhor representam o autor junto do público português. Não só porque são, amiúde, representadas, mas também porque o leitor português é, na maioria dos casos, pouco dado ao conto.

País assumidamente de poetas, raros são os autores exclusiva ou maioritariamente de contos que singram em Portugal. E mesmo nos melhores casos, como acontece com Eça, este é relevado em prol do romance. Acontece que Tchéckhov, para além de incisivo dramaturgo é exímio no manejo do conto, ou antes, da narrativa breve. É o caso de A minha mulher, livro cuja versão de Luiz Pacheco chegou, pela Editora quasi, o ano passado à estampa.

O que perpassa pelas variadas peças de Tchékhov é um marasmo constante, um sentimento generalizado de inércia social, uma sobrevivência como oposição à vida que, tradicionalmente, é vista em teatro. Este deslindar da sociedade que tão bem Tchéckhov consegue é uma vez mais o mote da sua obra. E, não podendo recorrer tão assiduamente à fala das suas personagens, o autor refugia-se na cabeça do seu narrador participativo, Pavel Anndreievitch, a figura central desta história.

Tchéckhov divide o romance em dois planos. Não em dois planos de acção, que esta decorrer num tempo único, mas em dois planos de entendimento. O plano da vida pessoal de Pavel e da sua mulher Nathalie e o plano do pano de fundo da sociedade russa. Para correcto entendimento, diga-se que ambos se cruzam e entrecruzam e o culminar de ambos é uma solução comum, ainda que não aparentemente: a humildade na resolução dos problemas.

No jogo da vida pessoal deparamo-nos com o isolamento cada vez mais acentuado entre o casal, em grande parte causado pelo orgulho e presunção de superioridade de Pavel. Este distanciamento, a que a vida recatada de uma pequena localidade não é alheia, é também uma metáfora da atitude do mesmo perante a fome e a miséria que o rodeiam. A sua resposta sempre sobranceira é a causa dos seus problemas matrimoniais e da sua falta de acção a nível social.

A minha mulher oferece, assim, um retrato incisivo mas subtil da Rússia contemporânea de Tchéckhov ao mesmo tempo que nos entretém com a confusão psicológica de Pavel face aos complexos problemas matrimoniais que atravessa.

Título: A minha mulher
Autor: Anton Tchéckhov