terça-feira, fevereiro 14, 2006

O Libertino


A um pouco de sexo
ou muita poesia
ainda não fico indiferente Quinteto Tati in "Valsa Quase Anti-Depressiva"
O que esperar de um filme cujo protagonista é Johnny Depp, contracenando com John Malkovich, ao som de uma banda sonora da autoria de Michael Nyman (rever, The Piano)? Na estreia como realizador de Laurence Dunmore, O Libertino é um filme sobre a Londres do final do séc. XVII e sobre John Wilmot, segundo conde de Rochester. Se está à espera de um filme vivo, de acção e emoção, de um protagonista por cuja vida se torce, desista, saia da sala ou, na melhor das hipóteses, não chegue a entrar. Como Depp avisa no prólogo do filme, não é fácil gostar dele. E, à partida, repito desta vez com um certo ênfase que o itálico me permite, à partida, nem do filme.
John Wilmot foi um escritor cuja vida, mergulhada num misto embriagante de álcool, sexo, literatura e deboche, mais do que inserir-se bem na altura, foi o culminar exponencial dessa vivência, quer enquanto vivência ela mesma, quer enquanto consequência desta. Escritor incompreendido e cuja rendição crítica apenas sucedeu, como de costume, após a sua morte, O Libertino mostra-nos o percurso errante de um homem que, tentando ser mais que isso, acabou despojado dessa mesma condição. Para imaginar a toada do filme, imagine um filme de Manoel de Oliveira. Só que em bom.
Falar de O Libertino, é falar de Johnny Depp. Assumindo-se cada vez mais como um dos melhores actores da sua geração, Depp tem aqui um dos pontos mais altos da sua carreira em termos de representação. Não sendo, de certo, o filme que a história mais guardará com o seu nome, dificilmente haverá maior exercício enquanto actor para Depp. Como muleta, a qualidade calejada de Malkovich e uma eficiente Samantha Morton. E, não a despropósito, é de facto de Teatro que se fala aqui. Para além do ambiente teatral do filme, para além de o próprio filme ser a adaptação de uma peça de teatro, para além de Wilmot ter sido dramaturgo, para além do ênfase que é dado às representações, é de Teatro que se fala neste filme.
Magistral, para qualquer amante de Teatro, toda a sequência em que Wilmot "transforma" a sua musa numa actriz, no verdadeiro significado da palavra. "Eu sou a Natureza. Tu és o artificial", ouve-se pela voz de Depp. Para muitos dos actores e encenadores de hoje verem, Wilmot encara uma visão do Teatro que, sendo-nos hoje bastante mais cara, não o era na altura. O trabalho, a naturalidade, a representação fiel. Ainda no campo do Teatro, e ainda no campo do magistral, o que dizer da representação que é feita de Sodom or The Quintessence of Debauchery, obra maior e pioneira da Literatura pornográfica britânica?
A verdade, de facto, é que O Libertino não é um filme fácil. Filme literário e literato, num falso tom morno, cria um ambiente soturno e cinzento de uma Londres debochada e sodómica, face de um reino que também o é. Wilmot é, quiçá, o Alberto Caeiro de todo este enquadramento. A pureza, o único realmente consciente da sua inconsciência, preferindo relegar o seu génio para segundo plano, face às conjunturas alcoólicas da cidade que o abriga. Apenas ao ver a possível transformação de Elizabeth Barry numa actriz que valha o epíteto de tal, Wilmot decide, sem abdicar da decadência moral e física, empregar o seu talento e génio.
Não fugindo, e bem, de um cunho que a parte literária do escritor obriga, O Libertino é um filme para ser saboreado. Saboreadas as falas, saboreada a decadência, saboreado o tom enevoado, a falta de luz, o prólogo, o epílogo, Johnny Depp, John Malkovich, saboreado o sexo, saboreado o deboche, saboreado Johnny Depp, saboreado o Teatro, saboreado o intelecto, saboreado a Literatura, saboreada a imagem, saboreada a música, saboreada a ciclização, saboreadas as palavras, saboreado Johnny Depp, saboreado álcool, saboreado a orgia mental, saboreado John Wilmot.
E se, num homem, juntarmos Deus e Sexo?

Título: O Libertino
Realizador: Laurence Dunmore
Elenco: Johnny Depp, John Malkovich, Samantha Morton, Rosamund Pike, Tom Hollander, Johnny Vegas
Grã-Bretanha, 2006

Nota: 8/10

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Genial comentário!
Para um amante de Depp é este tipo de comentários que faz ver mais e mais bons filmes.

Parabéns

9:59 da tarde  

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