sexta-feira, dezembro 30, 2005

Rewind #1 - O Arrependido

Obra de referência no film-noir e um dos maiores filmes do realizador Jacques Tourneur, é assim que nos é apresentado O Arrependido. Tourneur apresenta-nos um filme onde a atmosfera intriguista é catalizada pelo generalizado clima de suspeita, onde todos enganam todos e onde todos desconfiam disso mesmo.

Jeff Markham, que afinal vem a revelar-se ser Jeff Bailey, é um pacato dono de uma bomba de gasolina de uma pequena vila, onde se apaixona por Ann Miller, uma local. A chegada de um homem à vila vem recordar-lhe o seu passado e forçá-lo a reentrar na obscuridade e indecisão desse mesmo passado.

É este o ponto de partida para este filme, de título original Out of the past, onde se irão misturar géneros como o suspense, thriller, mas acima de tudo o film-noir. Jeff, já como Jeff Bailey, é então obrigado a voltar atrás no tempo, regressando à profissão de detective privado a soldo de vigaristas. Um último trabalho para pagar uma antiga dívida a Whit Sterling. É como tal que vai reentrar Kathie, uma antiga paixão, numa relação onde nenhum é honesto.

Em O Arrependido, Tourneur mostra-nos a sua admiração confessa por Hitchcock, quer no ambiente misterioso e nunca muito definido que é criado, quer nas reviravoltas do enredo (muito próprias de filmes de Hitchcock como O Homem Que Sabia Demais), mas acima de tudo na sua forma de realização, ao nível das músicas e na maneira como as usa.

Jacques Tourneur, realizador cuja obra será talvez maior que o nome, tem em O Arrependido um filme que retrata duas Américas. A pacata e conservadora do campo e a citadina, manipuladora e corrosiva, aspecto bem frisado no contraste das mulheres. Um filme sobre a inevitabilidade da vida, sobre as consequências inadiáveis dos actos uma distinção clara entre o Bem e o Mal. Para tudo isto conta com um soberbo Robert Mitchum como Jeff e um característico gangter em Kirk Douglas no papel de Whit Sterling.

Título: O Arrependido
Realização: Jacques Tourneur
Elenco: Robert Mitchum, Kirk Douglas, Jane Greer, Rhonda Fleming, Virginia Huston, Dickie Moore, Paul Valentine.
EUA, 1947

Nota: 7/10

A Noiva Cadáver


“There’s been a grave misunderstanding”

Se o público cinéfilo se arrepiou e contorceu com a carnificina generalizada dos mitologicamente renovados zombies de George Romero, no mesmo ano pôde sossegar o medo de um pós-morte violento e sisudo (mas não o da existência de um além) com o registo de mais um fenómeno sideral no Universo bizarro de Tim Burton. Desta vez, volvidos cerca de 6 meses sobre a estreia de Charlie e a Fábrica de Chocolate, o cineasta, acompanhado de Mike Johnson, assina o mais recente filme de animação por stop-motion (técnica de filmagem fotograma a fotograma das mínimas alterações de cenários e bonecos envolvidos, necessitando-se geralmente de 24 fotografias destas para se gerar 1 segundo de filme), depois de ter inaugurado essa mesma técnica numa longa-metragem (O Estranho Mundo de Jack). Burton comete a proeza de projectar dois filmes num curto espaço de tempo ao delegar em Mike Johnson (especialista em animação) a realização de A Noiva Cadáver, enquanto dirigia as filmagens de Charlie e a Fábrica de Chocolate. Realizando um e supervisionando outro, tendo já delineado de um modo muito preciso (e criativo) a história, as personagens e o grafismo do segundo, Burton atinge o milagre da multiplicação.

Mas a aproximação à ubiquidade não lhe reserva, por si só, um lugar nas mais altas esferas. Burton, por se afirmar continuamente na sua individualidade, rejeitando enquadramentos mais gerais que ele próprio, precisa de nos convencer que ver as suas fitas (e vê-lo) será sempre um processo de descoberta de onde sairemos invariavelmente surpreendidos, mesmo que haja coerência com o passado. E se aqui retomamos as visões obscuramente românticas do amor de Eduardo Mãos de Tesoura e O Estranho Mundo de Jack, é justo notar que A Noiva Cadáver é, na verdade, um filme que foge ao negro. À oposição entre estar vivo e estar morto, Burton responde subvertendo os cânones tradicionais: a morte é bem mais viva do que a própria vida. Na cidade de Victor (Johnny Depp) e Victoria (Emily Watson) há uma felicidade monocromática, uma melancolia velada; nas profundezas onde repousa a Noiva Cadáver (Helena Bonham-Carter) o espectro expande-se e compreende todas as cores, criando uma quase constante folia de tal maneira que a fantasia, o folclore e o excesso se tornam um estado de alma (dos mortos). O destino (Burton) encarrega-se de misturar o imiscível, e a chave (Johnny Depp) abre a fechadura e o fim da razoabilidade nos dois mundos.

O frágil e desajeitado Victor mal suporta tanto reboliço. E, sendo uma personagem docemente ingénua (não serão assim outras personagens burtonianas?), vai-se encontrar dividido entre um mundo a que pertence pela memória e outro que o seduz pela vertigem da novidade. Embora sendo dilema suficiente para um homem só, terá ainda outro pela frente: ou a delicada e terrena Victoria ou um encantador e tragicamente poético cadáver em forma de noiva. Poder-se-á dizer que Victor inconscientemente optou por um compromisso morto-vivo (assim regresso aos zombies e a George Romero): aceitou o mundo dos mortos mas desposou a humana Victoria.

Título Original: The Corpse Bride
Realização: Tim Burton e Mike Johnson
Elenco (Vozes): Johnn Depp, Helena Bonham-Carter, Emily Watson, Christopher Lee, Richard E. Grant.
EUA, 2005

quinta-feira, dezembro 29, 2005

The King is alive


Time goes by so slowly for those who wait
No time to hesitate.

E assim faz Madonna. Numa altura onde a MTV prolifera, o que invadia os nossos lares antes do novo cd de Madonna, Confessions on a dance floor, era a última vaga Hip-hop, o ritmo do momento. Rappers com atitude brejeira, de pistola nas calças, com o boné meio do avesso, rodeado daquilo que em Portugal se convencionou chamar de "damas", raparigas de aspecto deslavado e atiradiço a roçarem-se nos mencionados rappers. E a coisa resulta.

O que até era um bocado ingrato para Madonna. Ela a eterna diva Pop, apesar dos dois catraios, sex-symbol ad eternum, tinha criado esse mesmo conceito de música. A provocação, a líbido e o corpo são parte integrante da música. E se o tinha criado e consagrado, quer em palco, quer na própria música (lembram-se de Like a Virgin?), Madonna parecia até ter-se debruçado na sua descendência. Passado por um beijo, eis que o testemunho ia para Britney Spears. E Britney percebeu o essencial: quanto mais badalhoco, melhor. Esqueceu-se de três coisinhas:
1. Também é preciso ter música.
2. Não engordar até personificar a expressão "como um texugo"
3. Ter classe.

Posto tudo isto, eis que o panorama da cena musical Pop, é brutalmente dominado pelo Império dançante do Hip-Hop. O ritmo que se procura nas discos é o agitar descomplexado de Black Eyed Peas, as letras pungentes, agressivas e meio iletradas de 50 Cent estão na mó de cima e a roupa retro está fora de moda, pedindo-se algo mais à Eminem, o Sr. Marshall Mathers. E o que faz Madonna? Vai buscar um sample de Gimme, gimme, gimme dos Abba para fazer o seu single, faz um album todo ele dançável, com um rosto completamente setentão e faz um videoclip onde ensina, via um sortudo rádio, a arte que ela própria criou.

Quando se fala de Hung Up, não se fala de um single, mas de O single. Mais uma vez, Madonna parece querer ensinar aos meninos de pistola em riste como fazer um verdadeiro single. Hung Up passa em todo o lado. Nas discos, em bares, no metro, nos supermercados, em nossas casas e, o que é mais impressionante, nas nossas cabeças. Império? Só Madonna.

Confessions on a dance floor não engana. É um álbum típico. Um daqueles albuns de música dançável que é estreito e corrido, fluído do princípio ao fim, que se ouve sem grande esforço mas também sem grande entusiasmo. Baseado numa sonoridade techno dos anos 70, chega a soar a remix das músicas dessa altura, não sendo por acaso que a escolha recaí sobre os Abba. Contudo, graças ao que parece ser um trabalho essencialmente de produção, Madonna consegue trazer um álbum que escapa ao label de revivalista e que se adequa bem às necessidades da pista de dança.

De Nova Iorque para o mundo. You Rappers and Hip-Hoppers: The King is alive.

Título: Confessions on a dance floor
Autor: Madonna

Nota: 6/10

quarta-feira, dezembro 28, 2005

O Portugal de José Gil


Portugal, Hoje - O Medo de Existir tinha, à partida, tudo para ser um grande livro. Para começar o autor. José Gil, até então nome desconhecido do grande público (como, aliás, é de bom tom em qualquer grande pensador) fora considerado um dos 25 pensadores mais importantes do mundo num artigo da revista francesa Nouvel Observateur. Depois, a altura escolhida. Bem no auge da decadência santanista (se calhar esperava-se mais visão para um dos tais 25 pensadores mais importantes...), e bem ao género de bater ainda mais no ceguinho. E por último, pela publicidade. Estava encontrado o novo livro de leitura obrigatória de verão.

Contudo, o ensaio filosófico com traços populares portugueses acaba por não se revelar pau para tanta obra. A começar pela escrita do filósofo-pensador-com-certeza-não-escritor. Embrenhado nas suas filosofias, muitas delas de indiscutível actualidade e interesse, José Gil consegue deitar muito a perder pelo desinteresse causado pela sua escrita face ao interesse das suas observações. Não obstante, o livro é de uma toada relativamente leve, e lê-se com bastante facilidade. O problema é mesmo a falta de estímulo causada pela escrita prosaica do ensaísta português.

Ficam na retina as imagens de uma sociedade atemorizada e controlada por um pronvicianismo crónico. Boa interacção entre história e criacção de figuras sociais, bem como a articulação de temas como os Media ou o sempre presente medo. Tudo isto, com arquétipos do so called Tuga, misturados com provérbios e historinhas de aldeia. De um pensador de tamanho gabarito, pensava-se mais.

Título: Portugal, Hoje - O Medo de Existir
Autor: José Gil

Nota: 5/10

terça-feira, dezembro 27, 2005

God save the Queen


Here I stand victorious.

Assim começa o mais recente trabalho de originais de Robbie Williams. E de facto, bem que o menino rebelde da Inglaterra nos acena do topo dos topos, no que à música Pop diz respeito. A história da música do século XX ensinou-nos que sensivelmente cada década tem os seus momentos, os seus movimentos e os seus nomes. Se tomarmos em conta a música Pop, um fenómeno onde surgem bandas e afins duma cartola mágica, aparentemente interminável, mas que com a mesma facilidade e magia, desaparecem, qual coelho na mesma cartola, os nomes que restam ao fim da tal década serão ainda menos.
Mais ou menos Sugababes, com cheirinho ou sem de Backstreet Boys, surgem apenas dois grandes nomes no reinado da Pop. O rei Madonna e a rainha Robbie Williams. E se Madonna vai já pensando, dada a sua excelsa idade, em succesões (Princesa Gwen Stefani?), Robbie Williams parece querer afirmar que o trono é seu. O resto já se sabe.
Robbie Williams precisa do mexerico e do seu corpinho como de pão para a boca se quer vender alguma coisa. De música, o cd tem muito pouco, ainda que outra coisa não fosse de esperar. Ainda assim, um ou outro pormenor, uma chegada aos U2, uma toada mais intimista e melancólica, quebrada pelo single Tripping, e muita muita palha. Mas não é isso que se pede a Robbie Williams. Pedem-se posters no quarto das meninas, ringtones dos seus singles a ecoar nos telemóveis e muita inveja dos meninos. Se tudo for regado com escândalos e desavenças, melhor. E aí, dêmos a mão à palmatória, ele é a Rainha. E como dizem os ingleses, God save the queen.

Para terminar, um pequeníssimo parágrafo retirado do site da EMI.

Robbie Williams conquistou 21 singles top dez, e isso só na Inglaterra. Seis de seus álbuns chegaram à primeira posição nas paradas inglesas e suas vendas globais actualmente estão em mais de 35 milhões. Desde a última contabilização, ele tinha 15 prêmios Brit (um recorde), três Ivor Novellos, um prêmio da Q Magazine por composição e todos os tipos de prémios da MTV pelo mundo fora. Live at Knebworth, o álbum comemorativo gravado em três noites em 2003 em que ele tocou para 375,000 fãs (outro recorde), foi o disco ao vivo mais rapidamente vendido que a Inglaterra já viu.

Por isto tudo, a esta altura, dirá Robbie Williams aos ex-parceiros de banda: Take that!

Título: Intensive Care
Autor: Robbie Williams

Nota: 5/10

O trabalho dos actores

O meu tio tem o (bom) hábito de no natal, oferecer-me um livro. E, por incrível que parece, e para sorte minha, acerta sempre nos meus gostos. É portanto, grande a expectativa ao rasgar o irritante papel de embrulho. Este ano fui galardoado com um livro que vai ao encontro com o que, neste momento, ocupo os meus dias – teatro – o que só por si seria suficiente para ter sucesso na escolha.
O livro em causa, não só me interessou pelo tema, mas também pelo registo. A autora, Suzana Borges, reúne num livro, testemunhos pessoais de 47 actores de formação teatral e 13 profissionais afins. Daí o titulo, ‘Desavergonhadamente Pessoal, em que, actores nossos conhecidos como, António Feio, João Lagarto, Nuno Lopes, Miguel Guilherme, entre outros, contam o que lhes é pessoal mas transmissível.
Obtemos assim, conhecimento dos vários caminhos possíveis para chegar ao topo na carreira de teatro.
O livro vem ainda ilustrado com fotos de alguns dos actores, fotografados por Adriana Freire.
Lê-se sem dar por isso, de tão simples que é. Por vezes é bom lermos algo linear.
Aqui fica a sugestão.

Autora: Suzana Borges
Ilustração: Adriana Freire
Editora: Oficina do livro
1ª edição: Abril 2005

O Chato

Virgílio Castelo é um assassino contratado para matar um mafioso antes da entrada deste em tribunal. Para tal, aluga um quarto com vista previligiada para o tribunal. A única coisa com que ele não contava era com o seu chato vizinho do lado. Assim começa esta nova peça do autor de Jantar de Idiotas.
A verdade é que a peça está bem montada, muito bem encenada e conta com um ainda melhor cenário. A verdade também é que a peça está longe de ser chata, muito pelo contrário, arranca bastantes risos e sorrisos, pelo meio uma gargalhada ou outra. A verdade é que, no geral, Virgílio Castelo e Jorge Mourato pegam muito bem no texto e personagem de cada um, apresentando-nos algo coerente e coeso.
Mas a verdade, a grande verdade, é que O Chato vive muito (demais...) de um inspirado e inspirador António Feio, pelo meio de uns muito fraquinhos Luís Esparteiro e Helena Isabel. A grande verdade é que esta é uma peça da qual não se guardará memória para além do tempo em que estiver em cena. Mas também não é isso que se pede. Pedem-se apenas uns sorrisos. E, sem querer ser chato, para isso tudo bem.
No teatro Villaret. De 3ª a Sábado às 21H30 e Domingo às 17H00.

Título: O Chato
Autor: Francis Veber
Encenação: António Feio
Elenco: António Feio, Virgílio Castelo, Jorge Mourato, Luis Esparteiro, Helena Isabel e Joaquim Guerreiro.

Nota: 4/10

Segundo


Segundo é o nome do segundo álbum dos Toranja. Álbum que foi editado este ano. Para os não-ouvintes desta banda o título parece pecar descabidamente na originalidade. Para os conhecedores de Esquissos o nome é óbvio, segundo perde a forma de numeração ordinal para passar para fracção de tempo. Se é assim tão óbvio também não é original.
Segundo, enquanto álbum, segue as pisadas do anterior, nomeadamente quanto aos temas abordados e forma de expressá-los. Tiago Bettencourt revela-se, mais uma vez, como um intérprete com voz "engraçada" que, no entanto, se destaca pela qualidade da escrita.
É esta qualidade da escrita, leia-se letras das músicas, que me prendem a esta banda. Temas como Ensaio, Só Eu Sei Ver o Sol a Nascer, Contos ou Doce na Mão, são exemplos de harmonia perfeita. Letras que transmitem sentimentos diversos vividos por cada um de nós nas mais variadas situações tornam-se neste harmonia perfeita, por serem acompanhadas de sons intrinsecamente associados à voz e pensamento de Tiago Bettencourt.
O álbum apresenta-se com sonoridades intercaladas, a músicas ditas melancólicas (como Laços) sucedem-se músicas mais enquadradas no rock (como Ensaio). Eu, pessoalmente, retiraria alguma melancolia a este CD e acrecentava outros temas (como Fome) que estão para ser editados.
"Desfaz-se o tempo em rotinas e vontades, em projectos e verdades, em desgostos que se alastram, em vestígios destorcidos, de nascentes que encontramos."

domingo, dezembro 25, 2005

Boitezuleika


Numa altura em que muito se discute sobre o que é serviço público, e em vez de, muito em voga neste tempos em Portugal, se organizar uma mesa redonda com peritos e moderadores, convém talvez apontar o caminho dizendo: É isto o serviço público!
A Antena 3, como rádio pública, tem vindo nos últimos anos a ajudar a sair da garagem dezenas e dezenas de projectos musicais que, com mais ou menos sucesso no grande crítico que é o público, se têm imposto à custa do trabalho e das oportunidades. E a Antena 3 (nunca é demais referir) não o faz refugiando-se nas trapaceiras quotas, nem em percentagens, nem nas charlatices dos números. Fá-lo através de actividades muito concretas, entre as quais se destaca "A Quinta dos Portugueses". E desta quinta tem saído muita fruta, como exemplificam os Da Weasel, os Toranja, os Mesa, Melo D, The Gift, Quinteto Tati, Jorge Cruz ou Coldfinger, que ou viram as suas carreiras começar nesta rádio ou foi a mesma que as catapultou para vôos maiores.
Dos últimos bolos a sair desta fornada, surgem os Boitezuleika, vencedores do concurso "Quinta dos Portugueses 2004" que editaram este ano Éramos Assim, album que vai buscar o nome a uma das músicas do alinhamento do cd. Neste trabalho, os Boitezuleika conseguem condensar todas as suas influências, quer a nível de sonoridades, quer a nível de nomes. Num trabalho muito marcado pela música brasileira, especialmente a Bossanova, mas também pela música de Leste e pelo Jazz, tudo isso se mistura no caldeirão mágico dos Boitezuleika numa toada muito consistente em tom gipsy com pitadas de música popular portuguesa. Único registo que talvez destoará um pouco será Cão Muito Mau, música mais marcada por uma vertente Pop e que, curiosamente, é a que mais insistente permanece no ouvido.
Para além destas influências regionais, demonstram ainda uma clara inspiração em nomes portugueses como Jorge Palma ou em qualquer das bandas de Manuel Cruz, com especial destaque para os Ornatos Violeta. Não é assim descabida a comparação da voz de Francisco Almeida com Jorge Palma e do próprio album a Cão dos Ornatos, sentindo-se até por vezes, qualquer coisa dos Toranja. Impossível não ouvir é um pouco de Belle Chase Hotel, mas quem vir o nome do produtor e reconhecer nele o vocalista da referida banda, perceberá porquê.
Surge-nos assim mais um banda bastante mais que agradável, que sofre apenas por ter um único trabalho e ser bastante volátil. Éramos assim, ouve-se bem, mas com a mesma facilidade se vai embora. Fica a promessa de serem mais que uma promessa. Parabéns Antena 3. Obrigado Antena 3.

Título: Éramos Assim
Autor: Boitezuleika

Nota: 5/10

sexta-feira, dezembro 23, 2005

A confissão de Mário de Sá-Carneiro


"Mas o que ainda uma vez, sob minha palavra de honra, afirmo é que só digo a verdade. Não importa que me acreditem, mas só digo a verdade - mesmo quando ela é inverosímil.
A minha confissão é um mero documento."

Mário de Sá-Carneiro em A Confissão de Lúcio.

Pouco restará, após a entrada (vulgo post, nos neologismos que nos assobram) que precede este texto, a dizer sobre a vida de Mário de Sá-Carneiro nestas poucas linhas que antecedem esta curta e esforçada perspectiva desta obra maior desse escritor maior. Não haverá, disso estou certo, nada que possa dizer que faça melhor conhecer o intelecto desse génio, senão a própria análise ao livro.
Livro estranho este, que nos dá por vezes a sensação de ser algo autobiográfico, não sem antes nos precaver que se trata, muito provavelmente, da obra maior do movimento surrealista entre nós. E afirma-se como tal, precisamente por buscar a essência desse movimento sem nunca o suplantar com o desmedido despropositado.

Em A Confissão de Lúcio, este escritor de vida breve (como convém aos génios de obras imortais) brinda-nos com a história de Lúcio, contada na primeira pessoa. Aquilo a que Mário, perdão, Lúcio, perdão, Mário, nos propõe desde o prólogo é contar a verdade. Não a verdade em absoluto, mas a sua verdade. Mas o que vem a ser a verdade? Nada mais simples de complicar. E é assim, por entre os meandros de uma mente literária, demasiado literária para ser sã, que Lúcio (ou Mário?) nos vai guiando pela sua vida e pela vida de Ricardo Loureiro, seu companheiro desde Paris (Paris, sempre Paris). Pelo meio, uma personagem feminina muito misteriosa e uma obra meio poética, meio dramatuga, meio autobiográfica. (Sim, eu sei, perfaz mais que a unidade. Mas este livro em si é mais que um só.)

De facto, neste livro, Sá-Carneiro mistura muito do que era a sua história com muito do que seria o seu futuro. Sem o saber? Não o saberemos, mas a verdade é que por meio desta obra vão-se desfilhando temas como o suícidio, a modernidade, a ânsia de grandes cidades, o culto de Paris e da sua tradição face ao burgo português, ou, uma vez mais, a loucura (vide Loucura, de Mário de Sá-Carneiro). Não sem antes, no meio da receita, temperar tudo isto com uma descrição mordaz e deliciosa da falsidade poética, do exagero na criação de movimentos artisticos e do snobismo intelectual.

Para além do mais, esta obra ganha um sabor especial por constituir uma espécie de versão portuguesa de O Retrato de Dorian Gray. Mas, ao contrário do livro do também brilhante Oscar Wilde, Sá-Carneiro troca as personagens, retira-lhes previsibilidade e aspira tudo o que está a mais no texto, deixando apenas génio, sem lacunas ou artefactos. Em comum com este tem a procura de uma nova estética e um surrealismo muito característico. Ganha Oscar Wilde em descrição da sociedade, ganha Sá-Carneiro em descrição da mente. Curioso nesta aproximação Wildesca, é o facto de, pioneiramente, Sá-Carneiro quase introduzir o tema da homossexualidade, tão presente na vida de Wilde.

Título: A Confissão de Lúcio
Autor: Mário de Sá-Carneiro

Nota: 8/10

Céu em Fogo - Oito Novelas


"Sá-Carneiro não teve biografia: teve só génio. O que disse foi o que viveu."
Fernando Pessoa

Na sua trágica existência de 26 anos (vida tão curta, levou-a apenas em juventude), Mário de Sá-Carneiro soçobrou perante a existência moderna que não cumpriu o que lhe prometeu. Se o Modernismo o adoptou, e dele Mário se tornaria, se não corifeu, inegável figura de proa, tal dever-se-á exclusivamente à insatisfação (quiçá neurose) que lhe tomava o corpo, na sujeição a um mundo em nítida preparação para a dita era moderna. Porque se o Modernismo aí vinha, estrepitoso, munido de um novo sentir do tempo, na viragem do século, que lhe providenciava uma substância única (um segundo renascimento do homem), algo se abandonava, deixando para trás um legado profundo, inebriante para uma geração de escritores. É esse desprender das estéticas derrotadas que custa a Mário de Sá-Carneiro, e que simultaneamente o singulariza no seu tempo e entre os seus contemporâneos.

A época resplandecia de esforços estéticos numa reacção ao Decadentismo e ao Simbolismo, já falhos de chama; novas formas e conteúdos procuravam a maturação que qualquer movimento precisa para vingar e durar, num sentido pragmático; a Europa Ocidental modificava-se, no dealbar do século XX, com as maravilhas da técnica e o então primitivo desencanto com esse mesmo progresso; era, pois, absolutamente necessário expôr todos os modelos estéticos preexistentes e julgá-los no tribunal da modernidade (Mário de Sá-Carneiro, e outros seus pares, mais que sabê-lo, sentiam-no); em excessos, não há transição que se lhe compare.

Um ano antes de por termo à vida, num quarto em Paris, Mário revela o seu último projecto, em prosa, com o qual entraria merecidamente na viagem do risco, do culto do onírico. No livro Céu em Fogo – Oito Novelas, Mário de Sá-Carneiro culmina o seu império estético de uma maneira fulgurosa, admitindo que a busca da beleza não é um processo racional, mas sim uma força do temperamento. De que trata, então, o Céu em Fogo? Imagine-se um tal céu, verdadeiramente ardendo. Quem se encontrasse sobre a iluminação que uma cúpula de labaredas forneceria, ver-se-ia rodeado de uma paisagem também avermelhada, fervente, vaga e distorcida. Um ambiente assim, se existisse positivamente, transformaria a percepção racional (e razoável) num misto difuso e contrário a qualquer acto peremptório, plenamente sinestésico. Serve a imagem bizarra para a construção das novelas, embora elas se passem, evidentemente, em sítios normais. Importa, no entanto, ter em conta que as relações usuais do quotidiano são inválidas em vários momentos do livro, como se o leitor fosse inadvertidamente ludibriado. Desengane-se quem pense que Mário de Sá-Carneiro nada denuncia da experiência mundana: há o encanto pelas grandes capitais europeias, excepto Lisboa; há o fascínio pela mentalidade russa, com o que tem de austero e inspirado (quase todas as novelas têm uma personagem de origem russa); há o culto da beleza feminina, mormente a física (magistralmente conseguida na novela O Fixador de Instantes).

São oito novelas de mistério, do indefinido e do intermédio da natureza humana - e que se interpreta disto? -, onde as personagens vagueiam na recusa do tédio e na angústia que é sentir o tempo, mas apenas aquele que escorre; onde as personagens fantasiam estratagemas e urdem artimanhas para vencer esse conflito; onde as personagens são forçadas a admitir, frequentemente, da inevitabilidade da morte; onde as personagens roçam a loucura e cultivam, directa ou indirectamente, o suicídio; onde as personagens encaram o fim da vida como o último território por mapear; onde o suicídio não é o fim da vida mas, acima de tudo, um acto heróico - a derradeira coragem estética.


Céu em Fogo - Oito Novelas. Um livro de Mário de Sá-Carneiro.
Relógio de Água Editores, Dezembro de 1998.

How did they ever made a movie about "Lolita"?

Guardei para último, aquele que mais curiosidade tinha. E o que consegui com isso foi que, no momento de o ver, as minhas expectativas estavam bem altas. Sinceramente nem sei porque tanta curiosidade, talvez por ser o único filme do Kubrick. Normalmente, quanto maior forem as expectativas, maior a desilusão. Daí o meu receio. Mas, Surpresa das surpresas, em vez de me desiludir, ao ver o filme, vi as minhas expectativas a serem ultrapassadas a grande escala.
“Lolita”, até no nome se revela, um nome “amoroso, lírico e ritmado”.
A história de um escritor que, recém-chegado a Ramsdale, New Hamshire, apaixona-se pela filha da senhoria da casa que alugara. A jovem, linda e precoce, tinha como habitual passatempo seduzir. Mesmo que ela não fizesse propositadamente, a sua beleza e a sua maneira irreverente de ser, não lhe davam outra hipótese. O escritor, de seu nome, Humbert Humbert, arrebatado pela paixão arquitecta um plano. Casa com a mãe de Lolita, conseguindo assim estar sempre perto do seu objecto de obsessão e de inspiração. (Kubrick explora o tema da obsessão sexual, tema esse que reviverá 37 anos mais tarde na sua última obra-prima – Eyes Wide shut).
Em algumas das cenas, surgiu-me à memória, Oscar Wilde. Porquê? Talvez pela semelhança que me parece evidente de ‘O Retrato de Dorian Gray’
Tudo isto brota de um romance homónimo de Vladimir Nabokov, profundamente tocante e dolorosamente cómica.
Só por isto o filme teria sucesso garantido, mas, não se fica só por aqui; juntam-se brilhantes representações dos protagonistas, que, com este filme conseguiram, talvez, o papel das suas vidas, uma banda-sonora, que mais uma vez, parece feita de encomenda. Sem dúvida apaixonante. (Até eu, acho que me apaixonei pela Lolita)
Termina assim a minha saga Kubrick.

James B. Harris & Stanley kubrick’s “Lolita” com James Manson, Shelley Winters, Peter Sellers e Sue Lyon. 1962

Vou passar o Natal fora. Até à vinda. Feliz Natal.

Há peças de teatro, no registo cómico...


Há peças de teatro, no registo cómico, onde nomear uma ou duas cenas como as mais hilariantes (se chegarem a tal) é imediato. Há peças de teatro, no registo cómico, com sequências de piadas tão previsíveis que chega a ser angustiante ter um QI superior a 2. Há peças de teatro, no registo cómico, com actores que recorrem aos clinchés mais básicos para conseguirem ouvir os tão desejados aplausos.
Em Coçar Onde é Preciso, as cenas hilariantes são tantas que é difícil no grupo de amigos, que se deslocou à Casa do Artista, chegar a um consenso para escolher as melhores. Em Coçar Onde é Preciso, José Pedro Gomes, o autor do texto, surpreende-nos com essa sua nova faceta, apresentando um texto familar suficientemente imprevisível. Em Coçar Onde é Preciso, José Pedro Gomes, O ACTOR, dá crédito a todos os críticos e amantes de teatro que o intitulam como um dos melhores actores de comédia a pisar os palcos portugueses.
O "portuga" é definido com um precisiosmo deslumbrante e completamente afastado do "tuga" televisivo que nos invade a casa diariamente em programas de pseudo-humor. José Pedro (Sempre sozinho!) acrescenta, ainda, uma série de personagens comuns na vida do "portuga" e essenciais para darem a réplica aos seus comportamentos.
Coçar Onde é Preciso, depois do sucesso em Lisboa, vai percorrer o país já no início de Janeiro de 2006. Leiria, Aveiro, Guarda, Santarém, Porto, Coimbra, Faro, Braga, Bragança e Vila Real são os distritos contemplados na digressão, que decorrerá de 07 de Janeiro a 31 de Março, além de uma representação nos Açores e duas em Cabo Verde - uma na Cidade da Praia e outra no Mindelo -, num total de 24 representações.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

A Intérprete













Aquele que seria o primeiro filme com autorização para rodar cenas dentro do edifício das Nações Unidas vale, no fundo, por três nomes. Nicole Kidman, Sydney Pollack e Sean Penn. Nicole Kidman é, nos últimos anos, a grande referência da representação feminina de Hollywood. Isto porque consegue aliar à beleza cândida e ao inegável talento, uma faceta valiosa: a versatilidade. Se por um lado conseguimos vê-la na versão mercantilista mainstream de Hollywood (em casos como Mulher Perfeita ou este próprio A Intéprete); por outro não é incomum vê-la em cinema alternativo (Dogville e Moulin Rouge) e mesmo em filmes de culto (De olhos bem fechados.)

O realizador de O Talentoso Mister Ripley, já tinha trabalhado com Nicole Kidman em Cold Mountain (filme de que talvez seja melhor não falar de todo..), onde foi produtor. Em A Intérprete, Pollack volta a demonstrar que é acima de tudo um exímio contador de histórias e que, como no citado filme sobre o Senhor Ripley, é audaz a deixar sair informações a conta gotas para os espectadores.

E depois temos Sean Penn. Pollack também já tinha produzido um filme de Penn, Paixão em Florença, e, agradecemos-lhe todos nós, trouxe-o para este filme. Sean Penn, depois de Mystic River, A última caminhada ou I am Sam - A força do amor, começa a desenhar-se como um dos melhores actores actuais. E se este filme não é, porque não deixa, um filme para Penn brilhar, é um filme para confimar que Penn está destinado para vôos maiores.

Quanto ao resto do filme, à parte destes três colossos, não tem muito para apresentar. É um clássico filme de suspense, com algumas cenas que, sim senhor, conseguem fazer suster a respiração e que tem na curta aparição de Earl Cameron como Zuwanie um pormenor interessante. Perde muito por se colar demasiado a tudo o que são clichés do género, pelo previsibilidade do fim e, acima de tudo, pelo moralismo das cenas finais e pelo terrível Happy ending.

Fica mais um filme na já extensa lista dos três nomes supra-citados e aquilo que será talvez mais tarde recordado como uma excelente oportunidade de ver Nicole Kidman e Sean Penn contracenarem.


Título: A Intérprete
Realização: Sydney Pollack
Elenco: Nicole Kidman, Sean Penn, Catherine Keener, Jesper Christensen, Maz Jobrani, Tsai Chin
EUA, 2005

Nota: 5/10

Ensaio sobre o Racismo

O título Colisão é, de facto, um nome exemplar face ao que assistiremos neste filme de Paul Haggis, conhecido essencialmente pelo argumento de Million Dollar Baby. O que nos é apresentado é duplamente ilustrado no título. Se, por um lado, o filme trata de uma complicada teia de relacionamentos e conhecimentos entre personagens aparentemente desligadas (Onde é que eu já vi algo assim, Magnolia?) numa colisão de interesses e feitios; por outro, todo o filme é uma grande espiral em rota de colisão sobre o racismo.

Mas, ao contrário do filme de Paul Thomas Anderson, Colisão não trata de um enredo onde à custa das personagens se constroí uma história. Aqui são as personagens que desconstroiem uma história dada e é nelas que reside a força deste filme.

Construído (ou desconstruído) à volta do racismo, em Colisão não existem moralismos, preconceitos, terapias de choque ou exageros. Apenas realidade. É esta base bastante empírica e com uma visão à Gus Van Sant, onde nada é dado julgado, mas tudo por julgar (lembram-se de Elephant?) que vai levando o filme para uma inevitável implosão social sobre os seus próprios valores (como o exemplifica a subversão do papel policial).

Peca, contudo, Paul Haggis por uma exponencialização exagerada dos sentimentos das personagens e por um fim, cíclico (como começa a ser de bom tom...) e de reduzido impacto, chegando mesmo a ser paradoxal. Se por um lado afirma a existência da esperança nas próprias pessoas é nestas que exprime a ciclização repetitiva da vida. Colisão, ao fim e ao cabo, não é, como muito se tem dito, um filme sobre o Bem e o Mal, mas, isso sim, sobre a inexistência de fronteiras definidas entre os dois.

Título: Colisão
Realização: Paul Haggis
Elenco: Matt Dillon, Don Cheadle, Sandra Bullock, Brendan Fraser, Thandie Newton, Ryan Phillippe, Larenz Tate, Jennifer Esposito, William Fichtner, Nona Gaye, Terrence Howard, Michael Pena, Shaun Toub, Bahar Soomekh
EUA, 2004

Nota: 7/10

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Colecção Berardo



Joe Berardo, o empresário madeirense que fez fortuna na África do Sul, possui umas das colecções privadas mais valiosas do mundo. A colecção Berardo é uma grande e importante colecção de arte internacional do séc.XX, uma perspectiva histórica do que é a arte moderna e contemporânea, uma percurso didáctico através dos grandes movimentos e tendências do século, com obras referenciais pela sua qualidade e representativas dos principais artistas. Parte dela pode ser vista no Sintra Museu de Arte Moderna, mas o grosso da colecção está em depósito no CCB. Eu tive a oportunidade de apreciar um dos núcleos mais representados na colecção- O Surrealismo- que estava em exposição no Palácio da Galeria da Câmara Municipal de Tavira. Nessa altura, eu sabia da existência e da quantidade imensa dessa colecção (cerca de 4000 peças), mas deparei-me com obras de grandes nomes como Picasso, Miró, Magritte, Max Ernst, Yves Tanguy, Man Ray, André Masson, Francis Picabia, Giorgio de Chirico, entre outros. A questão agora era perceber se se tratavam de obras conhecidas internacionalmente ou de apenas algumas obras com menor projecção contando apenas com a assinatura na tela desses artistas anteriormente mencionados. E, para grande surpresa minha, a maioria das obras são conhecidas a nível internacional e de reconhecida importância artística. E não é que este homem possui no seu espólio a obra pioneira do Surrealismo (Cadavre Exquis de André Breton). Trago-vos aqui, então, uma das obras presentes nessa colecção- White lobster telephone de Salvador Dalí, 1936.

Trata-se de um objecto de funcionamento simbólico. Este telefone cujo auscultador é uma lagosta branca não deixa mesmo assim de surpreender pela sua capacidade humoral, e sobretudo de nos fazer pensar na reacção que terá obtido em 1936, ano em que foi mostrado (na sua versão primeira de exposição nova iorquina a lagosta estava viva) dividindo os públicos entre uma aceitação snob e no fundo incompreensiva ou uma reactividade natural diante do seu absurdo inerente.
Entretanto, a polémica sobre a atribuição de um espaço definitivo para esta colecção parece estar quase concluída (CCB), após inúmeras ameaças do coleccionador na qual afirmava que existiam sérias solicitações do governo francês no sentido de albergar a sua colecção. Foram mesmo atribuídas a Joe Berardo as insígnias de Cavaleiro da Legião de Honra. A colecção Berardo- escultura,pintura e instalações- está presente no CCB até o final do ano,tomando o espaço e a habitação como temas.

Construir, Desconstruir, Habitar Exposição semi-temporária
Terça a Domingo das 10h ás 19h; última entrada ás 18h15 ;CCB Galeria 4

Ficção científica

Kubrick abre a porta para o futuro. Em 1968 produz, escreve e realiza um filme de ficção científica, que ainda hoje é apregoado como “Ainda o melhor de todos os filmes de ficção científica”, como diz Owen Gleiberman (Entertainment Weekly). Embora vencedor de um Óscar, embora possuidor de uma banda sonora clássica e perfeita (que outra música seria capaz de superar o efeito que o Danúbio azul de Strauss II consegue nas imagens espaciais? E que outra música serviria tão perfeitamente, na criação do Homem se não a Alvorecer de “assim falava Zaratustra” de Strauss?), este filme peca pelo prolongamento de certas cenas de pouca acção e sem diálogo que se tornam entediantes e aborrecidas.
O filme põe em causa o avanço tecnológico, que, em 2001 (?), na era espacial, permitia criar computadores tão autónomos e auto-suficientes, com alto risco de nos tornarmos dependentes da máquina. Será fundamental? Seremos capazes de correr esse risco? Talvez o primeiro filme a levantar esta questão, que hoje, alcançou o estatuto de cliché cinematográfico.
É de elogiar a forma como é abordado o ciclo da vida. Dá que pensar, será que no fim, voltamos ao início?

Stanley Kubrick’s2001: A space Odissey” com Keir Dullea e Gary Lockwood.

KILL KILL KILL!


“O melhor filme de guerra jamais feito!”
Jay Scott, Toronto Globe and Mail


Se é o melhor filme de guerra, não sei porque ainda não consegui ver todos, mas certamente que, se juntarmos um elenco soberbo, um visionário por detrás das câmaras e um tema tão forte, como é a guerra do Vietname, conseguimos facilmente o sucesso. Temos, portanto, a seguinte fórmula:

Elenco soberbo + visionário + Vietname = sucesso

O filme é nos apresentado, num duro campo de treino dos U. S. Marines, em que, pessoas mais normais, desde baixos, altos, com óculos, aparelho nos dentes e até gordos, são transformados em ‘máquinas para matar’
Todo este enlace é regado por muito sangue, e também, com diálogos cheios de humor sarcástico, que, na medida certa só ajudam a desanuviar desse intenso cenário que é a guerra.
Kubrick surpreende de novo, pelo realismo que enche cada cena. Sem duvida incrível.

Stanley Kubrikc’s “Full Metal Jacket” com Matthew Modine, Adam Baldwin, Vincent D’Onofrio, Dorian Harewood, Arliss Howard e Lee Ermey.

terça-feira, dezembro 20, 2005

A Guerra Infinita


"A politica da esquerda socialista moderna constrói-se na defesa de uma democracia sem fronteiras e é parte integrante da nova politica do movimento de movimentos que, em todo o mundo, contesta a globalização capitalista e cria as alianças necessárias para lhe fazer frente. Essa é a superpotência modernidade. É a sua vez, é a nossa vez. Só essa razão pode derrotar a guerra infinita e, nesse confronto, desafiar o Império."

Em A Guerra Infinita, um livro de Francisco Louçã e Jorge Costa.

A Guerra Infinita é, à partida, um livro de difícil catálogo. Se, por um lado, nos é apresentado bem em forma de Ensaio político a meias com Ensaio histórico, por outro lado, bem ao jeito Mooreano, tem o suficiente de romanceado para como tal ser listado nas bibliotecas pelo país fora. E é talvez este o maior senão deste livro. Se é essa faceta que dá ao livro algumas pernas para andar, é também isso o grande travão que a priori lhe corta as pernas. Expressões populares à parte, a grande verdade é que este livro do Economista-Candidato-a-Presidente-Candidato-a-quase-tudo-pelo-Bloco a meias com um semi desconhecido jornalista, também ele dirigente do Bloco é uma espécie de documentário de Michael Moore em forma de livro. A começar pelo tema.
De bom tom entre a esquerda moderna, o grande tema do livro é uma explicação histórica e económica da formação do Império (Império do bem? Império do mal?) em que se tornaram os Estados Unidos da América. E se a tal explicação está bem feita e nos leva a não duvidar da conspurcação dos meios e dos próprios fins do tal Império, o candidato Louçã e o seu cavaleiro não deixam de cair na armadilha de, bem ao estilo de Moore, exagerar. E se se percebe este movimento anti-Império e se aplaude este sentimento de revolta face à hegemonia desenvolvida, perde-se a credibilidade quando os factos são postos à mercê da vontade de quem escreve, e não, como deveria, à mercê da imparcialidade de quem lê.
Não obstante, e em tempos de escolha,talvez este livro de 2003 seja bastante útil. Não só para perceber a visão europeia e internacional de Francisco Louçã mas também, subrepticiamente, para perceber a mesma visão dos outros candidatos.

A Guerra Infinita. Um livro de Francisco Louçã e Jorge Costa. Edições Afrontamento.

Nota: 4/10

Fórmula para o sucesso

"Já passaram 20 anos desde que António Variações morreu,(...) Deixou-nos uma obra tão pequena em extensão quanto grande pela originalidade, a ousadia e a intensa criatividade que ela carrega.
Não é de espantar que tivéssemos sempre sonhado com a revelação de canções inéditas,(...). Criaram-se as mais variadas lendas: que havia muita coisa, que não havia nada, que tudo se tinha perdido.
Foi neste contexo que encarei com um misto de alegria e apreensão o pequeno caixote cheio de cassetes que o irmão do António me entregou há quase 10 anos. Caramba! Canções novas do António! Mas ao mesmo tempo,que fazer com elas, por onde começar, como assegurar que elas não seriam utilizadas de forma descuidada ao invés do que merecia o seu criador?(...)
Mas quem é que tem tempo para ouvir cinquenta e tal cassetes, na lufa-lufa dos dias de hoje, no ambiente bem pouco calmo de uma editora multinacional?(...)
Assim, durante 2 ou 3 anos, carregámos este embaraço ('o que é que nós vamos dizer ao irmão do António?')"
David Ferreira, 9 de Novembro de 2004
A explicação para o fenomenal sucesso de Humanos ganha expressão neste excerto. O David Ferreira trabalhava há mais de dez anos neste projecto. E foi dois anos antes de ter escrito este texto que David Ferreira encontrou o desejado joker para honrar o seu adorado António Variações. Joker denominado por Nuno Galopim. O jornalista do Diário de Notícias revelou-se o lider que faltava e os dois, juntamente com Paulo Junqueiro, começaram a dar forma ao disco. Faltavam os intérpretes e músicos. Os intérpretes, depois de uma lista alargada, saltaram dois artistas indispensáveis. O terceiro? Era suposto só cantar uma, afinal duas, bem...três, finalmente quatro canções!
Com a persistência de David Ferreira, o perfeccionismo de Nuno Galopim, o empenho de Paulo Junqueiro e o talento de Manuela Azevedo, David Fonseca, Camané, Hélder Gonçalves, Nuno Rafael, João Cardoso e Sérgio Nascimento, ressuscitou-se Variações para, provavelmente, um dos melhores CD's que o público português ouviu na sua própria língua.
Muda de Vida, Maria Albertina, Teia, Na Lama, Rugas personificam os sentimentos eternos do irreverente autor pela qualidade de três vozes antagonicamente harmoniosas.

"O artista é o criador de coisas belas"

“Basil Hallward é aquilo que eu penso de mim; Lord Henry, o que o mundo pensa de mim; Dorian é o que eu gostaria de ser noutra época talvez.”

Do prefácio


Um livro que logo na primeira frase nos contagia e deixa em aberto toda a trama da obra.
Oscar Wilde tem em “O retrato de Dorian Gray” o estatuto de obra-prima.
Um romance sobre a beleza, sobre a perfeição e a tão cobiçada juventude eterna. A obra possui a seu favor uma escrita que, ao passar das páginas nos vai deixando cúmplices e agarrados ao desenrolar da história, chegando mesmo ao ponto de, nos últimos capítulos reduzirmos a velocidade de leitura, pois não queremos que o livro chegue ao fim.
Comigo aconteceu a proeza de, por vezes, ao ler uma frase, interromper a leitura, perdendo-me assim em pensamentos divagados, sem rumo, sem sentido.
Nota negativa, talvez, apenas para a previsibilidade que, ao longo do tempo o leitor já não se surpreende com o desenrolar da história.
Fora este pequeno e ligeiro pormenor, posso dizer que este é sem dúvida um livro que me marca, pela positiva.

Titulo original: The Picture of Dorian Gray, 1891
Autor: Oscar Wild
Tradução e Nota introdutória de Margarida Vale Gato
Relógio D’Água Editores, Abril de 1998

segunda-feira, dezembro 19, 2005

Kubrick

Comecei hoje, nem a propósito, a ver uma série de filmes do realizador Stanley Kubrick. O pontapé de saída para esta maratona ‘kubrickiana’ foi nada mais, nada menos que o clássico Barry Lyndon.
Embora acusado de apenas criticar pela positiva, esta crítica não vai fugir à regra.
Kubrick, adapta para o grande ecrã o romance de William Makepeace, em que conta a história de um jovem irlandês, que, no sec. XVIII, sem rumo na vida, chega à nobreza inglesa, passando pelas mais diversas dificuldades.
Um filme que conta com uma banda sonora fenomenal, característico, alias de Kubrick, um guarda-roupa e cenários dignos de registo (vencedores de Óscares da academia em 1975), uma fotografia (também ela vencedora de um Óscar) que vai para lá do que se fazia na época.
Enfim, um filme puramente cinematográfico, com uma beleza capaz de nos deixar sem palavras.

“Barry Lyndon”, conta com a participação de Ryan O’Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee e Hardy Kruger.

Fotografia

Renée Jones, USA, Star Tribute
Não me sentindo apto a criticar esta arte, sinto-me entusiasmado a divulgá-la. Escolhi uma fotografia presente no World Press Photo do corrente ano, que arrecadou o terceiro prémio na categoria Sports Fixtures.
O desporto, apesar de não ser considerado uma arte, é um catalisador de emoções. O jovem lutador de wrestling, Jimmy Cates, inexperiente em competição, demonstra toda a sua tristeza por ter ficado em quarto lugar no seu primeiro torneio de wrestling. Será que ele ambicionava o tradicional pódio? Não, simplesmente este quarto lugar significa último lugar.
O resto é traduzido pela arte de Renée Jones.

O melhor de 2005

Agora que chega o final do ano, há a tendência de se fazer listinhas sobre os melhores albums e sobre o que melhor se fez na música deste ano. Neste contexto, apresento aqui uns quantos cds que considero que se destacaram e que estão a um nível bem acima da média. Aqui estão eles por ordem alfabética:
Alice Russell- My favourite Letters- Trata-se de um disco inspirante e pode ser descrito como um caleidoscópio da música soul com influências do gospel, hip hop, jazz, electrónica e funk. Esta cantora que tem sido falada como a próxima grande voz feminina do soul(os massive attack andam-lhe a piscar o olho para futura vocalista), apresentou este ano o segundo álbum caracterizado pela grande proliferação de estilos e pelo seu extraordinário talento vocal. A produção está entregue a TM JUKE(presença constante nas coléctaneas Saint Germain Des pres). Human Kind é o ponto alto do album.
Colder- Heat - A crítica coloca este album num patamar inferior ao primeiro cd(Again) de Marc Nguyen-nguyen Tan com o nome de guerra Colder. No entanto, na minha opinião, pode-se considerá-lo um dos melhores do ano. Em relação ao primeiro cd, este Heat é mais emotivo, sendo também mais perceptáveis as influências dos joy division.
Flanger- Spirituals- "Sacanas dos LCD..." Devem estar agora a dizer os Flanger já que se não fosse a banda de James Murphy, o novo cd dos flanger poderia levar o ouro nesta categoria. Este duo electrónico( Atom Heart e e Burnt Freeman) são incontestávelmente os pioneiros no jazz experimental. A sua música é uma combinação de elementos do jazz tradicional com técnicas de edição que foram explorando nos albums anteriores. Na sua última oferta musical, os Flanger decidiram explorar a noção de "jazz antes do jazz". O que faz este album especial são as maravilhosas imagens presentes em cada canção. Down the River é exemplo disso, em que é relatada uma viagem mágica pelo mississippi através de um barco a vapor.
LCD Soundsystem- LCD Soundsystem- James Murphy é um verdadeiro visionário. Ele conseguiu conjugar neste album o "antigo" com o "novo", trazendo as mais variadas influências( Suicide, Eno, Can, Talking Heads) do que resultou algo verdadeiramente original. E claro, a intuição deste homem para singles de sucesso é impressionante. Trata-se de um album consistente, destacando-se tribulations que é para mim a faixa mais bem conseguida.De destacar ainda Daft punk is playing in my house em que Murphy mostra todo o entusiasmo e humildade pela música, tal como denota a excitação "juvenil" do próprio titulo da canção. Disco Infiltrator faz abanar os corpitos.
Kanye West- Late Registration- Estão muito enganados aqueles que pensam que Kanye( para os amigos K-boy, na brinca pessoal) é mais um rapper rodeado de gajas boas e de bling bling. O homem também não é nenhum salvador do hip hop, no entanto o seu último album é muito bem produzido, de onde sobressai a personalidade combativa e a consciência crítica de kanye( críticas à administração bush). Destacam-se Gold Digger e Touch the Sky (a minha favorita) que ao transformar o Move on up de Curtis Mayfield, o torna absolutamente perfeito. Bring me Down é uma das excepções deste album muito por culpa da voz pouco melodiosa de Adam Levine (Maroon 5).
M.I.A- Arular- Esta menina nascida no Sri Lanka é um excepção ao destino das mulheres daquele país que acabam na indústria do sexo ou nas indústrias da Nike. O seu album foi um estrondo na música electrónica, tratando-se de um mix de ragga-ragga com música de electrodance. Dispõe de letras profundas que falam sobre assuntos pesados e realidades que enfrentou( prostituição infantil, pobreza). No entanto, Maya não o expressa de forma agressiva, mas sim de forma divertida e para fazer dançar. As referências sexuais fluem livremente neste disco, o que o torna particularmente irresistível. Destacam-se Galang, Pull up the People e Sunshowers.
Sufjan Stevens- Illinois- Este cd é simplesmente magnífico. Sufjan ainda vai longe do seu objectivo que é nada mais nada menos do que compor um album para cada estado dos EUA. Lançou este ano o segundo album dessa colecção que à primeira vista parece suar perigosamente similar ao album anterior Michigan. Falso Alarme. Trata-se de música muito trabalhada e tecnicamente precisa. O seu Folk mostra-se ainda melhor neste album, criando interessantes narrativas para cada canção. Sufjan pede apenas um pouco de paciência para ouvir este album de 74 minutos, mas Illnois é ainda maior em qualidade.
Existem muitos outros que me agradaram tal como I´m Wide Awake, It´s Morning dos Bright Eyes ou Takk dos Sigur Rós.

Kaiser Chiefs

Em termos musicais, os albuns dos ultimos anos dividem-se em dois tipos: aqueles que pegam de estaca e cujo som é imediato, mas que, mais tarde ou mais cedo, nos cansam (BlocParty) e aqueles que demoram a entrar, mas custam ainda mais a sair (Arcade Fire). Employment, o album de estreia dos britânicos Kaiser Chiefs, consegue a proeza de condensar um pouco de ambos. É fácil de ouvir e não cansa. Apesar do nome à bafana-bafana, estes rapazes de Leeds têm muito pouco de zulus africanos, demonstrando um background musical consistente, não deixando escapar influências claras da cena brit-pop, onde, em parte, se encaixam.
Assim sendo, é possível ouvir nestes Kaiser Chiefs, um pouco de Blur, um pouco de Morrissey e dos seus Smiths, a mesma toada dos também recentes Franz Ferdinand, a fluência das musicas dos Beach Boys ou dos também velhinhos Kinks, ou ainda, a inovação estampada dos Clash.
É neste pote de influências próprio da cena britânica que se mexem os Kaiser Chiefs, conseguindo à partida algo que se afigura difícil com apenas um trabalho, e que poucas bandas têm alcançado: definir um som próprio. Sem os artefactos do mundo Pop, de onde se souberam destacar, conseguiram ainda assim alcançar um público mainstream, aliado ao culto próprio da cena alternativa.
Com guitarras agressivas, um piano que se perde no ritmo das musicas e uns backvocals que por vezes lhes conferem um tom after-eighties, os Kaiser Chiefs são também uma banda de singles. A confirmá-lo estão um rítmico Modern Way, um eléctrico Na na na na naa, um épico I predict a riot ou os primeiros singles Oh my god e Everyday I love you less and less.
Numa altura do ano onde, por excelência, se procuram prendas e se oferecem prémios, aqui fica um dos mais sérios candidatos a album do ano. Sem dramatismos, com pragmatismo e muitos pulos. Preparando o cenário musical do rock alternativo eléctrico, e depois de uma estreia auspiciosa, I predict a riot.

NOTA: 9/10

Homework


Quase a completar uma década de existência, Homework dos Daft Punk é um dos álbuns mais importantes da década de 90. O duo francês composto por Thomas Bangalter e Guy-Manuel De Homem-Christo tiveram uma capacidade imensa de construir uma cena nova e original dentro do género em que se centram, a música electrónica. Numa primeira impressão fica-se com a sensação de que o álbum nasce de uma fusão brilhante entre estilos como house, techno e disco. Mas não se fica por aqui. Os Daft Punk revelam-se inovadores quando entregam rock, punk e funk ao techno, assumindo o estatuto de pioneiros. Faixas como Burnin', Teachers, Da Funk ou mesmo o hit Around The World são ensaios de mistura nunca antes vistos. As suas influências provenientes dos mais variados estilos são utilizados aqui de forma absolutamente genial. A admiração de ambos pela beleza das composições de Brian Wilson é evidente na forma como desenham Fresh. Green Velvet é determinante em Rollin' & Scratchin'. Grandes nomes do disco levaram à composição de Indo Silver Club, que contém um sample do grande êxito disco, Hot Shot de Karen Young. Incrível é que todo o álbum consiste em melodias bastante simples mas ao mesmo tempo capazes de despertar grandes emoções com as suas faixas dançáveis e com o próprio fim que Thomas Bangalter desejava, fazer os seus ouvintes felizes. Após o lançamento do álbum foi notório o seu importante registo inovador e a influência que despertou em variados campos do panorama musical. O conceito é apreciado por muitos e Homework é ainda hoje contemporâneo como o demonstra Vitalic no seu Ok Cowboy, músico que já declarou ser fã do álbum.

Guerolito


Beck. Beck Hansen. Afirmo-o, introdutoriamente, como um dos mais luminosos faróis do mar tormentoso e revolto que foi a música da década de 90. Sobre este decénio se abateram 30 anos (60's, 70's e 80's) de evolução hedonista e cavalgante da inovação musical. No entanto, nesta era de indefinição, vários artistas souberam libertar-se de um certo sentimento de fim da originalidade, de ausência de novas perspectivas, e criar sonoridades para influenciar o futuro. O frágil Beck, o Guero do bairro, despontou em 1993 com o subestimado Golden Feelings, uma mistura timidamente psicadélica de rock, blues, sampling, vocoder e muito, muito experimentalismo. Em 1994 teria o seu próprio Annu Mirabilis, editando 4 álbuns e atingindo a difusão radiofónica mainstream, com o ultra-espremido Loser que, ouvido hoje, soa a grunge em conflito consigo próprio. Embora parte significativa dos ouvintes ocasionais, se hoje questionados, continue a colocá-lo no imaginário de Loser, a verdade é que Beck fez por superar a herança asfixiante do pós-grunge (um trauma que se arrasta desde meados da década de 90 até hoje, estando felizmente enfraquecendo, por força da vitalidade da cena brit-rock, de algum novo rock americano e do excitante meio canadiano), tendo lançado verdadeiras pérolas como Odelay e Midnite Vultures, movendo-se de um modo imprevísivel entre estilos, de tal maneira que apenas é enquadrável num super-género: a música indie (se notarem, é definir muito pouco).

Neste ano que se apressa em terminar, libertou o aguardado Guero, onde regressa aos tempos iluminados de Odelay, confeccionando uma saborosa miscelânea de guitarras encardidas, refrões orelhudos, sonoridades hispânicas (sempre perigosas) e alguma electrónica na sublimação do Beck-rock.

Estabelecido o planeta Beck, chegamos a Guerolito, o seu primeiro disco de remisturas. Tal como os Bloc Party e os DFA 1979, também Beck cedeu à tentação (e ao risco) de revelar um trabalho desta natureza, sempre sujeito a rigoroso controlo crítico. A única diferença para os exemplos supra-citados é a de que, em Guerolito, todas as faixas de Guero têm direito a remix e surgem na ordem do original. Isto faz com que Guerolito ganhe um novo alcance, impossível para uma mera colecção avulsa de novas versões, tornando-se uma visão alternativa do mundo de Guero.

Assim que se termina a audição ininterrupta de Guerolito, somos atingidos por esta constatação paradoxal: embora as 13 remisturas sejam da autoria de 13 músicos ou conjuntos distintos, há uma inegável harmonia e equilíbrio ao longo dos 54 minutos de escuta. Ora, como o acaso tem pouco que ver com a produção de álbuns, salta à evidência que aqui houve um aturado cuidado estético na selecção dos autores. Beck agremiou um punhado de músicos que partilham uma mesma tendência: a eletrónica e, muitos deles, o ambientalismo. No meio das variadas sensibilidades, destaque para mais uma colaboração com os franceses Air, que aqui assinam uma das mais conseguidas remisturas (Heaven Hammer), dotando o original Missing de uma batida sincopada e de ecos despidos, suficiente para a transportarem do tropicalismo para o espacialismo; Broken Drum, trabalhada pelos canadianos Boards Of Canada, eleva-se devido à sua extrema acalmia, digna de uma imersão controlada; Diplo, autor do consistente Florida (2004), submete Go It Alone a um suculento baixo eletrónico e faz todo um sóbrio enquadramento melódico que torna a recém-denominada Wish Coin um dos pontos altos do disco; sublinhem-se também as boas colaborações de Adrock (Beastie Boys), de El-P ( embora vagamente enquadrada no álbum), de Mario C, dos 8-Bit, dos Octet e de John King dos Dust Brothers (responsável pelo momento 80's sci-fi do álbum). As participações dos Homelife e dos Islands são apenas medianas e há mesmo espaço para alguns desacertos, como as composições dos Th' Corn Gangg e de Subtle, desprovidas de qualquer ideia plenamente cativante. Quanto à inevitável introdução de uma nova faixa (quiçá por imperativos comerciais), está longe de nos poder gerar um sentimento súbito de êxtase ou mesmo, quem sabe, de nos levar ao nirvana auditivo. É um fim dispensável para um projecto globalmente bom. Guero, take 2.
Nota: 6 / 10

domingo, dezembro 18, 2005

The Magic Numbers

Ouvi-los e vê-los é ficar confuso. Começando pelo single Love's just a game, onde o tema repetido e rebatido do amor se mistura com letras fáceis e com uma Pop muito muito pura. E ao ouvir a pureza do vocalista Romeo (que outro nome poderia ter?), tentando imaginá-lo, surgem apenas imagens de um adolescente bem parecido, fruto de um casting Pop, para um mercado Pop, onde a imagem que vendia era correspondente às vendas do seu album de estreia.
É aqui que tudo começa a cheirar a esturro. Romeo é feio, gordo (como aliás, todo o resto da banda, em especial a irmã...), e usa uma barba muito pouco fashionable, mais condizente com um dissidente indie dos velhos tempos de Woodstock. E deste aspecto retro, muito 60´s que parece aparecer esta tendência generalizada das letras deste cd debut dos londrinos Magic Numbers. Tudo muito inlove, tudo demasiado primaveril, a descair para o kitsch.
Mas não a despropósito do seu look alternativo, os Magic Numbers não são só o seu lado marcadamente Pop, como se virá a descobrir ao longo do cd homónimo, em musicas como Forever Lost, Hymn For Her ou Love me Like You. Se bem que sempre sobre um cunho muito estricto da pureza e transparência, e colada à sua vertente muito a descair para um MTV Unplugged, os Magic Numbers conseguem nos seu album de estreia procurar caminhos e sons que não destoam no melhor que o ano que agora passa nos trouxe. Assim, não será de estranhar que, no meio daquele oceano muito claro que é a sua Pop, se vislumbrem passagens efémeras de sons que recordem o sentimento de uns Arcade Fire ou o Pop-Rock Dançável de uns Franz Ferdinand.
Não obstante, e sem cair nos extremismos Pop de um ano onde ressuscitam os seus deuses (Confessions on a dancefloor e Intensive Care), The Magic Numbers não deixam de ser isso mesmo. Pop.

"Love's juste a lie. Happens all the time." Também a musica, Romeo.

Mar Adentro



Nesta época festiva em que os canais televisivos se esforçam pela exibição de filmes de bom nível e em estreia no pequeno ecrã( salvo as excepções dos mitos sozinho em casa e beethoven de I a XVIII), a RTP exibiu esta semana um filme recentemente oscarizado Mar Adentro. O director Alejandro Aménabar conseguiu fazer um filme extremamente leve e comovente sobre um assunto pesado: a eutanásia. Este filme conta a história verídica de Ramón Sampedro (interpretado magnificamente por Javier Bardem) que luta pelo direito de morrer com dignidade. Mais do que a temática tabu da eutanásia, Mar Adentro retrata a história de um homem completamente lúcido que precisa de outra pessoa que lhe ajude a morrer. A cena mais bem conseguida deste filme surge no confronto entre Ramón e um padre, em que este último parece ficar a perder na discussão moral. Esta história convida o espectador a uma longa reflexão, no entanto torna-se difícil dizer se ele estava certo, pois não dá para imaginar, de nenhuma forma, o que é passar 28 anos presos a uma cama. Os prémios europeus e o óscar de melhor filme estrangeiro que este filme recebeu, foram na minha opinião totalmente merecidos.

"Nasceu para fazer rir"


Hitchhiker classificou Bruno Nogueira de uma forma sucinta e clara: "Nasceu para fazer rir". Muitas pessoas traduziriam estas quatro palavras por apenas duas e um ponto de exclamação: "É parvo!". No entanto, se há alguém desta nova "fornada de humoristas", que se tanto aplaude e critíca, que não é parvo é o Bruno Nogueira.
Bruno Nogueira mostra-se a conhecer ao grande público no início do programa "Levanta-te e Ri" da SIC. Surge com um humor facilmente perceptível, corrosivo e pioneiro. Foi, provavelmente, o primeiro a ridicularizar o agora gasto Zé Castelo Branco mas, sobretudo, fascinou milhares de portugueses a gozar com cenas disparatadas do nosso quotidiano - recordo-me do relato na Aula Magna sobre o amigo que vai ter com ele e pergunta: "Estás cá?" - Rapidamente a girafa de Madagáscar passou a ser a figura de proa do programa das noites de segunda-feira, destituindo o repetitivo Fernando Rocha. Entretanto, começara a apresentar o Curto Circuito na Sic Radical, programa este que, após a saída do genial Rui Unas, tinha perdido energia e humor.
Como stand-up comediant Bruno Nogueira atinge o seu auge na festa de aniversário da SIC onde, num rasgo de improviso acerca do seu big boss Pinto Balsemão, atinge uma audiência para além do Levanta-te e Ri. É nesta altura que Bruno Nogueira mostra que não é parvo, ao contrário de muitos humoristas nacionais, desaparecendo do grande público. Para o ver, havia que pertencer a dois publicos restritos: o da SIC Radical e o do Teatro.
Bruno Nogueira mostra que, para além do dom com que nasceu, sabe gerir a sua imagem. Deixou de ser ele a procurar o público passando a ser o público a ir ao encontro dele. E ele corresponde com qualidade: um Curto-Circuito apresentado por ele arranca-nos gargalhadas com relativa facilidade; e como actor é visivel a sua evolução, principalmente na expressão e definição do gesto.
Por isto tudo, Bruno Nogueira vai acompanhar Francisco Penim na migração da Radical para a SIC generalista. Por isto tudo, estou ansioso para ver como é que ele vai reagir à pressão das audiências que mandam no mundo televiso português e que chutaram as Manobras de Diversão para a prateleira (e, provavelmente, para a SIC Comédia).
Bruno Nogueira (para além de ter nascido) trabalha para fazer rir!

Já cá faltava...

Rui Veloso finalmente edita um novo CD de originais, rompendo assim com a era de colectâneas. Pois é, foi em 1998 que Rui Veloso nos presenteou com o seu último disco de originais, de seu nome “Avenidas”. Não é de estranhar portanto que o acarinhado pai do rock português volte com ideias e estilos que fogem ao tradicional. Em compensação, as habituais letras de Carlos Tê continuam aliadas à característica voz já com 25 anos de carreira. “A espuma das canções” promete juntar-se a todas aquelas que já todos sabemos de cor. Não pode ser por acaso que um nome, uma voz tenham tanto sucesso durante 25 anos (e quantos mais nos esperam pela frente?) e continuando a encher auditórios com vozes desafinadas acompanhando sem erros as letras de êxitos tão conhecidos como “Chico fininho”, “Paixão”, “Não há estrelas no céu” e, se me permitem, a minha predilecta, “Cavaleiro andante”. É portanto, de braços abertos que recebemos esta prenda de natal.

“A espuma das canções”, produzido pela EMI, conta com a colaboração de Luís Jardim, Manuel Moura dos Santos, Sara Tavares, Nancy Vieira e Zé Nabo.

365 os primeiros anos


Os pacientes acertam no alvo porque só atiram quando o alvo está perto, a um metro. Não se trata de boa pontaria, é pura e simplesmente paciência. Esperar que a presa se aproxime.
Se ela está lá ao fundo não corras atrás, porque ela ouve os teus passos e vê o teu ar apressado, a tua ânsia. Nenhuma presa é estúpida, tudo o que tem medo percebe; ter medo acelera o processo de entender, e se a presa tem medo compreende, percebe tudo. Se corres atrás dela, ela foge: já ouviste falar dese fenómeno, não?
Espera, sim, no teu canto, se não correres atrás a presa não foge. Se não correres atrás a presa não tem medo, e se não tem medo não percebe, se não tem medo fica estúpida, não trabalha, não se esforça, não se esconde, entedia, senta-se, tenta uma sesta, adormece. Aí, disparas.

Gonçalo M. Tavares, in "365 os primeiros anos"

Assim se processa este livro em forma de revista, esta revista em corpo de livro. Um rol de nomes que impressionam de citar, esperam no silêncio das palavras que estejamos desprotegidos, desatentos. Aí, disparam. Disparam poemas, contos, pequenas histórias, fogachos de literatura, opiniões, aqui e ali uma entrevista. A editora COOLBOOKS (www.coolbooks.com.pt) publica assim um livro com selecção de textos de Fernando Alvim, José Luis Peixoto, Nuno Casimiro e Vasco Barreto, onde se tenta compilar um pouco do que foram as várias edições daquela revista ao longo dos anos. Tenta-se mostrar um pouco do que foi feito a quem não conhece, relembrar um pouco do melhor que tem lido a quem leu mas não guardou, e confrontar quem lê e guarda assiduamente com as escolhas que foram feitas face às de quem leu. Consegue-se a prova de que a Literatura em forma de revista (movimento que nomes como 'Orpheu' ou 'Presença' mostram ser pordemais profícuos) continua actual, viva e recomenda-se. Consegue-se cativar quem não conhecia. Consegue-se mostrar alguns nomes a muita gente desconhecidos. Entre outros, podemos ler neste livro Adília Lopes, Adolfo Luxúria Canibal, Adriana Lisboa, Clara Ferreira Alves, Jorge Reis-Sá, José Luis Peixoto, Mário Cesariny, Pedro Paixão, Rui Reininho, Rui Zink ou Valter Hugo Mãe.

Um último pormenor, não de somenos importância. Diz-se 'três seis cinco' e não 'trezentos e sessenta e cinco'...

sábado, dezembro 17, 2005

Chega de Saudade


Este título podia ser o título de um livro, de uma peça de teatro, de um artigo de um jornalista conceituado ou simplesmente ser um cliché de um português sabedor da chave para o sucesso lusitano. Chega de Saudade é uma das mais recentes provas de qualidade do novo panorama da música portuguesa. Panorama que começa a olhar para as grandes industrias musicais e, embora limitado, mostra-se uma alternativa ao obsuleto conjunto de bandas/artistas do século XX. Delfins, Rui Veloso, Xutos&Pontapés, Jorge Palma começam a ver esfumar-se a exclusividade dos seus fans. Surgem alternativas! Desde os Toranja (tantas vezes apelidados de novos J.Palma) até os Bangguru (banda candidata a um futuro post). E no meio destas alternativas aparece Melo D com o seu novo disco: Chega de Saudade. Portugal, Brasil e África conhecem um novo ponto de encontro. Um disco que para além de misturar culturas, mistura estilos de música com o destaque da minha parte para a vertente jazz do projecto. Vertente esta que provoca nos ouvintes de Urbanalidades, dos Les Éléphants Terribles, uma sensação gratificante de déjà vu. Melo D não só me surpreendeu pela diversidade e qualidade da sua música como pela inovação do disco. Inovação que se caracteriza pelos interlúdios presentes entres as músicas, pequenos takes de 5 horas de improsivo com uma série de nomes do novo panorama.
O single do CD intitula-se de Música, já passa nas rádios portuguesas com frequência, e é uma excelente porta de entrada a este universo que acabo de descrever.
"Música boa, não necessariamente que está no top"

Aconselhado


Um Verdadeiro mimo para os apreciadores de teatro em geral, e de teatro da máscara em particular. Nuno Pinto Custódio encena simples e brilhantemente esta variante de J. Sanchis Sinisterra onde o espectador e levado a entrar num mundo onde a máscara e a expressão corporal combinam tornando-se indispensável para qualquer estudante de teatro.

“O Grande Teatro de Oklahoma” de J. Sanchis Sinisterra a partir de Kafka encontra-se no Espaço da Mitra, em Lisboa; uma produção do Teatro Meridional encenado por Nuno Pinto Custódio, com Carla Maciel, Pedro Diogo, Rita Calçada, Romeu Costa e Wagner Borges.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

O Crime de Vera Sacramento


Pobre coitado do Eça de Queiroz. Não chegava em 2002, sobre a direcção de um tal de Carlos Carrera, surgir outro tal de El Crimen del Padre Amaro, como agora isto. Mas quando surgiu o filme mexicano (onde entrava, como Padre Amaro, um tal de Gabriel Garcia Bernal), uma pessoa pensou de si para si: Olha, que se dane, o mal está feito, já ninguém consegue piorar a obra imortal do nosso Eça! E não é que esta gente não pára de nos surpreender? Pensava seriamente, que depois de ver o livro adaptado com sotaque de novela mal dobrada, nada, por muito esforço que nisso se pusesse, podia piorar. É aqui que entra Vera Sacramento. A senhora, que queira-se ou não, conseguiu o feito já acima mencionado de surpreender, é a responsável pelo guião. Como quem diz, se alguém quiser ter um nome para usar nos insultos sobre o esquartejamento do livro, por favor diriga-se a ela.
Mas o pior nem é a adaptação (mal conseguida) da obra para a realidade actual, onde apesar de tudo se capta alguma da essência do livro, por exemplo ao nível da caracterização da igreja. O pior continua a não ser a falta de uma ideia generalizada, um fio condutor, como se todos fossem fazendo algumas cenas sem noção de conjunto. O pior nem é, imagine-se, um fraquinho Jorge Corrula a fazer do pobre Amaro. O pior é que o filme não é um filme. É um telefilme da SIC, de 180 minutos, a ser transmitido em 4 episódios brevemente, numa televisão perto de si.
É esta subversão da lógica cinematográfica, onde a televisão se torna mais importante e o cinema serve para publicitar a televisão, que leva ao descalabro do filme. Personagens que aparecem e desaparecem sem dizer "água vai", histórias que não se percebem (pudera, o filme não está completo!) e a estranha sensação de não estar a ver um filme, mas praticamente um trailler.
Sobram alguns bons pormenores, como o sejam Nicolau Breyner, Rui Unas e o incontornável corpo de Soraia Chaves. Tudo isto pincelado com o que sobrou do já morto e esquartejado Eça.

"O Crime do Padre Amaro" é um filme de Carlos Coelho da Silva, com Jorge Corrula, Soraia Chaves, Nicolau Breyner, Rogério Samora, Nuno Melo, Rui Unas, Ricardo Pereira e Cristóvão Campos.

Antes uma peça a sério


O que é, no fundo uma peça de teatro? Um conjunto de situações que formam um todo ou uma maneira encontrada de dizer algo? Ou ambos? A questão ganha especial relevo quando falamos de um género como a comédia, onde o texto, se bom, pode fazer esquecer a inexistência de um fio condutor. A verdade é que Bruno Nogueira nasceu para fazer rir, que o corpo de Manuel Marques é, de si, cómico, e que Maria Rueff tem, no mínimo, muita escola. Mas isso não basta. Toda a história aparece colada com muito esforço e cuspo num papel de fundo que parece falhar. E se algumas cenas são realmente muito boas e vão bem para além da mera gargalhada de conveniência, esta esbate-se na falta de consistência. Restam pequeno momentos preciosos como a sequência sobre Maria Madalena ou a Criação do Português. Quanto ao resto, e apesar do muito riso, fica a sensação que se podia ter ousado muito mais.

Antes eles que nós encontra-se nos Jardins de Inverno do Teatro Municipal São Luiz e conta com a representação de Maria Rueff, Bruno Nogueira e Manuel Marques.