sábado, janeiro 28, 2006

Green Street Hooligans


Para quem vive o futebol durante o ano com enorme paixão apresento-vos um filme obrigatório. Para os restantes leitores, apresento-vos um bom filme. Isto porque, apesar de pensar que este filme é mais fascinante para quem ama o desporto-rei, o filme vai muito para além disso, encontrando-se um equilíbrio entre duas paixões, a do futebol e da vida.
Os segredos para o sucesso do filme são vários e passo a descrevê-los pela forma que os percepcionei:
  • A descrição de uma realidade tão intensa (Hooliganismo) com certos pormenores verídicos que aperfeiçoam a história enquanto ficção (nomes dos clubes e das claques verdadeiros);
  • A interpretação de Elijah Wood. Se é verdade que a personagem está muito bem definida nas suas características, o (finalmente) ex-Frodo desempenha-a com consistência e seguido uma linha de coerência perfeitamente adequada às exigências do protagonismo;
  • Charlie Hunnam, se este actor garante imediatamente aprovação no público feminino pela constituição física, a sua prestação não fica nada atrás, revelando-se um actor pronto a responder a novos desafios;
  • O facto de não se ter escolhido claques de equipas famosas;
  • A realização. A palavra equilíbrio volta a ser perfeita para classificar mais um aspecto do filme: o filme está longe da realização estereótipada do continente americano, aproveitando o melhor da América e da Europa e, as cenas de conflito entre claques são perfeitamente violentas sem serem chocantes; e
  • O fim do filme. (por razões óbvias não vou desenvolver)

Título: Green Street Hooligans Realização: Lexi Alexander Elenco: Elijah Wood, Charlie Hunnam, Claire Forlani, Marc Warren, Leo Gregory, Henry Goodman, Geoff Bell, Rafe Spall, Kieran Bew, Ross McCall, Francis Pope, Christopher Hehir

sexta-feira, janeiro 27, 2006

O bem contra o mal, mais uma vez.

Paulo Coelho cria uma história num vilarejo esquecido no tempo e no espaço, de seu nome Viscos, palco de uma batalha divida pela cobardia, pela cobiça e pelo medo. O aparecimento de um estrangeiro à pequena cidade, vem perturbar as caras de sempre, as ruas de sempre, as conversas de sempre, através de uma proposta que tem tanto de tentadora como de imoral. Muito simples: se dentro de 7 dias aparecesse um morto em viscos, viscos receberia por parte do estrangeiro 10 barras de ouro maciço. Ouro suficiente para que nenhum dos 281 habitantes de Viscos voltasse a pegar na enxada. O forasteiro tinha a intenção de um tira-teimas, uma resposta a uma pergunta que o atormenta: o Homem é, na sua essência bom ou mau?

Foi a curiosidade que me levou a este livro, “falam tanto deste Paulo Coelho, deixa lá experimentar.” Anunciei eu aos meus botões. Desde então deixei-me levar pela imaginação de um lugar tão diferente ao meu. A curiosidade inicial deu lugar a um certo desinteresse, desinteresse esse que facilmente evoluiu para uma pressa de acabar. É certo que a historia nos prende, é verdade que as descrições físicas e geográficas nos alimentam a imaginação, mas é certo também que o tema principal está mais que visto, sendo assim apenas mais uma maneira de ver a questão, é verdade também que a história se esgota logo nos primeiros capítulos, ficando assim a sensação de que os restantes capítulos resultam meramente de compromissos editoriais, e é também verdade que a escrita deixa um pouco a desejar.
Enfim, pode dizer-se que é apenas mais um livro, no meio de tantos outros. Nada de relevo.

Titulo: O demónio e a senhorita Prym
Autor: Paulo Coelho
Editora: Pergaminho, Outubro 2000

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Jim Carrey


Quando eu era uma criança e assistia a um filme protagonizado por Jim Carrey ria a bandeiras despregadas e achava-o um dos melhores actores do mundo(!). Tal inocente convicção tinha como origem esse filme que encanta qualquer criança de oito anos, The Mask.
Agora que já passaram doze anos continuo a acreditar que Jim Carrey é um fora de série da produção em série de actores, própria de Hollywood. A diferença dos doze está na razão da afirmação. Obviamente que não é um filme que retrata um empregado bancário com a cara verde atrás do protótipo de beleza ocidental que me faz acreditar que Jim Carrey é realmente bom. Sucintamente, é a facilidade (e diversidade) de expressão corporal que me leva a salas de cinema assistir filmes protagonizados pelo mesmo.
Correcção: o que me leva a salas de cinema para assistir filmes protagonizados por Jim Carrey é a esperança que é desta que eu vou ver um grande filme de comédia protagonizado por este.
Jim Carrey começa a revelar um certo fracasso na gestão de carreira. Ao me deslocar a um famoso centro comercial lisboeta com o propósito de ver uma comédia e escolho o novo filme do actor em questão, Fun with Dick and Jane, fico com a clara sensação de que já vi isto em qualquer lado. A personagem tem características diferentes, tem uma história distinta, mas tudo o que é construído a partir disto sabe a pouco e não acrescenta nada de novo ao currículo do actor. É verdade que nos arranca algumas boas gargalhadas mas depois de um noite de sono não resta nada.
Eu acredito que Jim Carrey é capaz de, em comédia, fazer melhor que um Dick ou um Bruce com poderes divinos.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Há vida neste clã

Não são as musicas, pedaço brilhante de uma história já longa. Não são Adolfo Luxúria Canibal, Nuno Rafael, Maria João, Arnaldo Antunes e Manel Cruz, convidados de luxo num Cd do mesmo tom. Não é Manuela Azevedo, rainha dos palcos, senhora capaz de transformar uma boa musica de estudio num hino de multidões. Não é Helder Gonçalves, homem de arranjos magistrais. Não são os Clã, ilusionistas de palco, capazes de hipnotizar uma plateia inteira e depois fazê-los cantar eternamente um refrão. Não é GTI (quando uma musica "nasce" em palco, é em palco que ela vive), Fahreneit, Cauboi Solidário ou Consumado. Não é a força, a garra, a voz, a alma. Não é o publico, ávido, sedento, pessoas normais a quererem fazer parte de um clã. Não é isto tudo junto. É mais.

Pois é. (Não é?)

Título: Vivo (Cd duplo)
Autor: Clã

Nota: 7/10

sábado, janeiro 21, 2006

Prateleira #1 - Ten

Inicia-se assim uma rúbrica cuja função é resgatar, para o leitor e para a memória, albúns que marcaram a história da música. Saídos da prateleira, limpa-se o pó ao ritmo dos clássicos. Como Ten, dos Pearl Jam. Pelos 15 anos do primeiro cd da banda de Eddie Vedder, relembra-se aquele que seria um dos fundadores do Grunge.

No final dos anos 80, a cidade americana de Seattle é isso mesmo. Apenas mais uma cidade americana. A juventude, geração que mais tarde ficaria conhecida como a Geração X, não encontra apelo em nada e o desentusiasmo é reinante, face às não perspectivas de futuro. É nesta ciclização entediante de gerações que surge o Grunge.

Em termos musicais, o Grunge é muito simples. Buscam-se os sons dos anos 60-70 e vestem-se-lhes novas roupas. Neil Young, Beach Boys, Otis Reading, Led Zeppelin ou Bob Dylan com guitarras agressivas e um pano de fundo mais caótico. Em termos sociais, o grunge é o grito de uma geração que quer mais. Uma geração que não se revê no que ficou para trás, no conservadorismo, e que, para a frente, não vê nada de interesse. Para o lado, fica a garagem.

Território musical de muito experimentalismo, muita guitarrada Hendrixiana, muitos rifs, muitos solos eléctricos, o grunge é um movimento de garagem, um conceito que nasce nesse espaço e cuja música, suja e desarrumada, se reflecte disso mesmo. Vozes agressivas, vocalistas marcantes e incontornáveis e um ambiente pesadão são imagens de marca. Apesar dos surtos e fases, por cima dos vários nomes, quatro bandas marcam inconfundivelmente o nascimento do Grunge em Seattle: Alice in Chains, Soundgarden, Nirvana e Pearl Jam. Dentro destes nomes, dois albúns servem de catálogo turístico aos visitantes à descoberta. Nevermind, dos Nirvana e Ten, dos Pearl Jam.

E se Nevermind, um pouco à semelhança dos Nirvana, não foge à ribalta mediática, Ten é o perfeito exemplo do espírito Grunge. Combativo, alternativo e rebelde. Todos os mitos têm uma lenda. No caso dos Pearl Jam, reza a lenda que o guitarrista Stone Gossard envia a um desconhecido Edward Severson III três rascunhos. Stone Gossard, a par do baixo Jeff Ament, procurava um vocalista para a sua banda. Edward Severson III, daqui em diante conhecido por Eddie Vedder, num isolamento de três dias de surf exaustivo, compôs "Alive", Black" e "Even Flow". Nasciam os Pearl Jam.

Lendas à parte, do que falamos é do primeiro cd de Pearl Jam, Ten, de 1991, que seria editado e produzido pouco depois da banda se completar. Ten viria revolucionar a música. Não por dentro, corroendo o mainstream, mas por fora, dando picadas em forma de gritos na Pop plástica e dançável dos anos 80. Eddie Vedder, um pouco a par de Kurt Cobain e de Billy Corgan, personificava a adolescência. Kurt Cobain mais explosivo, Billy Corgan mais místico, Eddie Vedder mais intimista. Eddie Vedder que não contendo uma voz melódica, continha aquilo que se pedia. Uma voz forte, demarcável e que acentuasse a indisposição que a banda pretendia.

Ten é um albúm de adolescentes para o mundo. Um abrir do armário e gritar tudo de uma vez. Os amores, a política, a desilusão, a pressão, a emoção, a força, o desprendimento e a dor. E depois, voltar a fechar o armário. Um pouco à semelhança do que tinham feito os Joy Division, em Ten, mostrava-se uma juventude que queriam esconder. Só que esta juventude está cheia de dor, amargura e melancolia. Mas tem força.

Ten é também um primeiro cd de uma banda. Voz a mais e guitarra a menos, a produção do cd revelou-se incaracterística e talvez inexperiente, mas conceptualizou um som onde o principal instrumento é a voz de Vedder, que sobressaí de tudo o resto. Um baixo, uma bateria e uma guitarra compõem o pano de fundo. O curioso é que, embora neste cd se encontrem gritos explosivos de revolta, nele se encontram também inesquecíveis baladas. Aliás, salvo raras excepçóes, o percurso dos Pearl Jam é um percurso de envelhecimento (físico e mental) notório, que culmina de momento no baladesco e ternurento Riot Act.

Aquilo que verdadeiramente impressiona no cd é a sua notória influência. Visto à luz de 15 anos, confirma-se o que então apenas se adivinhava. Em Ten, ouve-se: Folk, Hard-Rock, Grunge, Metal, Altern-Rock e um imensidade de nomes que ou se seguiram ou estiveram por trás. Otis Reding, The Wailers, Dave Matthews, Pixies, Neil Young, Nirvana, Soudgarden, Silver Jews, The Smashing Pumpkins, Foo Fighters, The Doors, Jimmi Hendrix, Eric Clapton, Beach Boys, Mudhoney, The Sonics ou Mother Love Bone.

Ten que, ao contrário do que o nome indica, possui onze faixas no seu alinhamento original. Começando numa toada relativamente calma com "Once", nada nos prepara para a avalancha de sobreposições de guitarras e voz, com uma maéstrica bateria a comandar o ritmo. Melodiosa, mas agressivamente, vai surgindo o baixo. Depois de "Once", começa o recital de clássicos que o se adivinhavam. Segue-se "Even Flow", para muitos a melhor música de sempre da banda, "Alive", um grito estóico de uma geração sufocada e "Why Go", a eterna compreensão pais-filhos. De seguida, o hino deste cd. A música que cataboliza a transformação do albúm na penumbra melancólica que o recobre, desde logo pelo título: "Black". Seguem-se na mesma toada, numa manutenção histórica de força ao longo do cd, "Jeremy", "Oceans", "Porch", "Garden", Deep" e, por último, "Release".

Estavam lançados os Pearl Jam (nome da compota da avó de Eddie Vedder, Pearl.) Pelos 15 anos do cd, sabe recordar um cd que influenciou como poucos os 15 anos seguintes. Quantos mais por vir sobre a alçada de Ten?

Título: Ten
Autor: Pearl Jam

Nota: 10/10

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Conjugação de mudança

Sempre fui a favor de conjugações. Mesmo as que correm mal, que são úteis para sabermos que no futuro saibamos que não devemos conjugá-las de novo. Neste caso conjugam-se dois elementos que eu aprecio (principalmente quando conjugados). Falo do moderno com o antigo.

Neste CD encontramos os poetas de antigamente, e a música feita nos dias de hoje em Portugal. Na coluna dos poetas encontramos nomes como Álvaro de Campos, António Gedeão, Almeida Garret, Alexandre O´Neill, Bernardo Pinto de Almeida, José Carlos Ary dos Santos, Manuel Alegre, Eugénio de Andrade, Florbela Espanca e Luís de Camões interpretados por Melo D, Sofia Morais, Marta Dias, Margarida Pinto Correia, Kalaf, kika, Pacman, André Gago, Marta Hugon e Marco Delgado respectivamente.

Voltando ás conjugações, aqui está um bom exemplo de uma que une o melhor de Portugal, a poesia e a criatividade musical. Embora pecando por um exagero devido à vontade de romper com já visto (ou ouvido), caindo assim no erro de por vezes renegar o que já de bom existe, ninguém pode afirmar que Portugal esgotou a sua veia artística. Portugal ainda tem muitas cartas para dar e grande parte são trunfo.

Titulo: Composto de Mundança
Produção e arranjo: Elvis Veiguinha e José M. Afonso

Linda Martini

No experimental e vasto mundo da música portuguesa, surgem de tempos a tempos nomes que se percebem serem maiores do que o projecto actual. Sucedeu-o com Ornatos Violeta, banda de um tamanho que Cão fazia prever, mas não consiga preencher. Sucedeu-se O Monstro precisa de amigos e, apartir daí, Manuel Cruz não parou. Em 2005, sucedeu o mesmo com The Vicious Five. Em 2006, entram em cena os Linda Martini.

Revelar-se-á ao longo deste post com o intuito de promover (se tal for necessário) os Linda Martini, que os nomes de The Vicious Five e, em especial, Ornatos Violeta não foram invocados em vão. Pegue o leitor numa grande panela (sim, leu bem, uma panela...). De seguida, coloque no recipiente os já citados The Vicious Five e os Toranja. Misture bem. Se a receita saiu mal, temos experimentalismo a mais com lamúria por demasia. Se a receita saiu bem, temos os Linda Martini. A meio caminho entre as guitarras pungentes dos eléctricos The Vicious Five e a força trovadora dos Toranja, aparecem os portugueses Linda Martini (nome de uma amiga italiana de Geraldes, um dos membros da formação.)

Com um cd programado para sair em Abril de 2006, o que se ouve de Linda Martini é o seu cd promocional. E este cd, promete. Numa corrida contra o silêncio, a linha de partida da banda é o hardcore, terreno que, estando sempre lá, nunca lá está e rótulo do qual eles, e bem, se sabem distanciar. Também não é só Hard-Rock de que falamos. Mas também não é uma descendência (se tal já pode haver) dos The Vicious Five. Nem se esgota numa corrente pós The Strokes (ou melhor dizendo pós Is This It?). A grande sensação que se cria é que os Linda Martini criaram um som próprio. Um som que veio para ficar.

Com referências, mas sem repetições, voltamos ao segundo parágrafo, onde, um leitor atento se recordará, se prometeu revelar a não coincidência da invocação dos Ornatos Violeta. De facto, tendo conseguido criar esse ambiente já muito seu, os Linda Martini, quer pela voz, quer pela força, quer pela originalidade, não conseguem fugir às comparações com a banda que lançou Manuel Cruz. Em especial, com o já citado Cão. Promessas à parte, espera-se que Linda Martini, no mínimo, cumpra o mesmo percurso.

Para já, antes do sucesso mediático, para melhor conhecer a banda, para além dos concertos, temos, inevitavelmente, a Antena 3. O tema Amor Combate é já um habitué da mesma.

Título: Linda Martini (Cd promo 05)
Autor: Linda Martini

Nota: 7/10

A minha referência


Raúl Solnado quando interrogado sobre a qualidade do humor português actual respondeu peremptoriamente que era elevada. Desde sempre, nas mais diversas áreas, os velhos mestres tendem a desvalorizar as gerações jovens emergentes. Raúl Solnado, como velho mestre, teve a sensibilidade de confiar nos humoristas que vingam, actualmente, nos palcos portugueses.
A minha geração (sub-21) não tem o previlégio de ver, com frequência, Raul Solnado a fazer textos humorísticos. Mas temos o previlégio de conhecer outros comediantes com tanto valor como o Raúl Solnado ou o Vasco Santana.
Neste contexto, o nome de Miguel Guilherme assalta-me repetinamente o pensamento. Este futuro-velho-mestre alia qualidade e imaginação à exposição mediática necessária para ser reconhecido. Herman Enciclopédia e Fura-Vidas são os responsáveis pela exposição. O teatro é responsável pela qualidade e imaginação.
A minha atracção por teatro de comédia leva-me aos auditórios portugueses com regulariedade nos últimos três anos. Das várias peças de teatro que me fizeram rir destacaram-se duas: o Arte, pelo texto, pelos três actores ( Miguel Guilherme, José Pedro Gomes e António Feio), pela encenação, pela disposição; e o Jantar de Idiotas, pelo Miguel Guilherme a interpretar Francisco Pinho. Este é a minha referência de personagem para comédia. Francisco Pinho era perfeitamente expressivo sem faltar um único gesto ou entoação e sem os exageros que vulgarizam qualquer comédia.
Miguel Guilherme, actualmente, não está a deslumbrar nos palcos portugueses, mas pode ser visto na RTP1, todas as sexta-feiras à noite, com mais uma interpretação potencialmente aclamada pela crítica: "Bocage"

terça-feira, janeiro 17, 2006

The Strokes: novo álbum


2006 arrancou forte. Voltaram os The Strokes com First Impressions of the Earth, o terceiro álbum de originais dos nova-iorquinos. Passaram 5 anos desde que Is this it se deu a conhecer ao mundo e desde então transformaram-se na banda estandarte do post-punk contemporâneo. Constituíram a grande referência das múltiplas bandas Indie que se encontram agora em cena. Nos dois primeiros álbums, os The Strokes conseguiram seduzir a crítica e o público. A revista Rolling Stones classificou-os como os novos reis do rock. Contudo, Julian Casablanca e os restantes membros precisavam de produzir mais para fazer jus a esse título.
First Impressions of the Earth apresenta-nos um conjunto de canções que não vão muito ao encontro dos trabalhos anteriores. Pouco sobra da frescura e do efeito espontâneo e imediato do seu álbum de estreia e do seu clone Room on Fire. Desapareceu um pouco a espontaneidade e a raiva para dar lugar a canções mais maduras e duradouras. Canções onde a melancolia e a lamúria se sentem na voz de Casablanca. O novo disco dos The Strokes ganha em acessibilidade, força, arranjos mas principalmente no protagonismo da voz. Trata-se de uma amostra de talento desta banda, que sem perder a sua identidade, é detentor de grandes hits e nos oferece um conjunto de grandes momentos presentes na primeira parte do cd. É a altura ideal para referir que para mim este disco pode ser dividido em duas partes: a primeira parte constituída por 7 músicas de grande nível e que irão ser destacadas individualmente; e uma segunda parte (as últimas 7 músicas) com faixas péssimas.
A faixa de abertura You Only Live Once revelou-se uma agradável surpresa. Grande tema Rock, dotado de uma força notável fazendo lembrar o disco de estreia. Segue-se o single Juice Box em que o baixo toma controlo das operações e onde a voz de Casablanca é apresentada de maneira diferente e para melhor. Seguem-se os riffs portentosos de Heart in a Cage e os tons melodiosos de Razorblade. Isto sem esquecer On the Other side e Vision of Division que incluem uma série de pormenores que tocam no virtuosismo. Nesta última, a banda segue os rumos do rock progressivo. Aparece depois Ask Me Anything, em que Casablanca admite que não tem nada para dizer num autêntico melodrama repetitivo, mas que é sem sombras para dúvidas a melhor canção do álbum e talvez a única genuinamente afectiva. Os ecos dos Television, Stooges e Velvet continuam intactos, pelo que também são detectáveis novas influências como Blondie ou os The Cars. Nestes 52 minutos (o dobro da duração do Is this it) não podemos deixar de pensar em quantas músicas podiam ser eliminadas (Evening Sun e Electricityscape eram as primeiras a ir ao ar, digo mesmo noutros termos que esta última faixa referida é uma boa merdoca). Mesmo assim, a banda que a crítica não esperava evolução, conseguiu elaborar suficiente material para ficarmos extasiados e para ouvirmos até que nos doam os ouvidos. Nos Strokes mora hoje então a sofisticação de uma redescoberta. São temas para serem ouvidos, deglutidos e digeridos por não serem singles óbvios e porque numa primeira fase nos possam suar estranhos. Depois de ouvirmos mais umas vezes, ficamos completamente arrasados. Eis o exemplo de uma reacção progressiva de um ouvinte de Ask Me Anything:
- primeira vez que ouve: Mas está tudo parvo!? O que é isto?
- Numa segunda vez: É pá.. mas não é que...isto está a soar bem
- Numa terceira vez: Mas que Espectáculo!! ( carregando a partir daí no repeat do seu discman)
Em suma, a primeira parte do disco pode muito bem figurar entre as melhores metades de cds de 2006 ( justifico assim a imagem do cd cortada pela metade).

sábado, janeiro 14, 2006

Anos 90 e agora


Uma antologia da nova poesia portuguesa, com selecção e organização de Jorge Reis-Sá, da editora quasi, que recolhe vários poemas de vários trabalhos de vários poetas portugueses, divididos entre os que se destacaram nos anos 90 e os que despontam neste nova década. É bom entrar numa livraria e poder ver a poesia portuguesa tratada com algum destaque, como repetidamente comprova que merece, e apanhar uma estante onde encontramos uma antologia de novos poetas portugueses em vez de toda a possível sequência de livros sobre a linhagem de Cristo (livros com uma tira laranja que diz 'O livro que inspirou o sucesso de Dan Brown' começam a merecer ter sido escritos por altura da inquisição para melhor utilização como achas).

Sim, sabe sempre a pouco, porque há sempre tanto e tanto e tanto para descobrir sobre a poesia de todos eles que ver uma obra reduzida a meia dúzia de poemas pode parecer escasso. E de facto, haverá sempre alguém que ache que José Luis Peixoto tem um ou outro poema muito melhor em criança em ruínas, ou que haveria muito mais para ser dito sobre José Tolentino Mendonça, mas a verdade é que o trabalho de Jorge Reis-Sá é não só ingrato, como extremamente exigente e bem conseguido. Como trabalho poético e como compilação.

Reúnem-se, assim, poetas de variados quadrantes, que apresentam notórias diferenças, notórias influências, e aí reside a verdadeira riqueza deste trabalho. A diferença. Desde nomes mais consagrados, casos de Daniel Faria, José Luis Peixoto ou Gonçalo M. Tavares, até ao mais novato, mas tão experiente no manusear da palavra, Vasco Gato, que mostra no BI 1978 como data de nascimento. No meio de tantas descobertas e certezas no campo do verso, a certeza também que quem lê este livro, lê muitos mais. Impossível ler certas coisas e não sair para comprar alguns livros citados.

Título: Anos 90 e agora
Autor: Vários (antologia de Jorge Reis-Sá)

Nota: 6/10

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Muda uma coisa, muda tudo.

E se de repente, fosse possível voltar atrás? Não só no tempo, não só no espaço, mas principalmente na nossa vida? Quem é capaz de afirmar que tal questão nunca lhe passou pela cabeça? Ninguém controla a tentação de alterar o que de pior aconteceu. A vontade natural que nós temos de rectificar um ponto ou outro da nossa vida…
Mas, que consequências viriam aliadas a esse “retocar” da história? Aquilo que nós somos hoje, aquilo que nós alcançámos, é o resultado de um percurso. Percurso esse que, por mais curvas e contra-curvas, mais altos e baixos, deu origem à nossa posição. Só por isso tem o seu valor.
A Personagem principal (Ashton Kutcher), tinha o poder de, ao ler os seus diários de infância, ser capaz de voltar ao momento responsável por tal apontamento. Começa então por resolver as suas memórias mais perturbadoras. Tudo corre na perfeição, afinal, ele tem a capacidade de fazer tudo de novo. Só falta um pequenino pormenor, cada mudança que ele opera, transforma a sua vida e de todos os envolvidos, a maior parte das vezes imprevisíveis e funestas. E no fim, após várias versões das suas vidas, somos surpreendidos com um final que, para além de nos baralhar, somos obrigados a pensar na nossa origem e presença. Impossível ficar indiferente.

Erick Bress’ “The butterfly effect” com Asthon Kutcher e Amy Smart nos principais papeis.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Daniel Faria

Nos escassos 28 anos em que a poesia se personificou nele, muito foi deixando. Poesia, um livro das edições quasi, reúne, num só livro, os seis livros por ele publicados mais alguns poemas inéditos. Em Poesia, estão contidos, Uma cidade com muralha, Oxálida, A casa dos ceifeiros, Explicação das àrvores e de outros animais, Homens que são como lugares mal situados e Dos líquidos.

"Sei bem que não mereço um dia entrar no céu
Mas nem por isso escrevo a minha casa sobre a terra"

Notório. Toda a poesia de Daniel Faria é assim mesmo. Celestial mas manifestamente terrena. Reporta à essência da poesia, trazendo de volta os valores básicos que lhe dão nome. A beleza, a estética, a pureza das palavras. Daniel Faria não trabalha com as palavras nem sequer brinca com elas. Elas são a natural expressão do que vê e sente. Não há pretensiosismo, maneirismos, expressões que soem forçadas.

Maria do Rosário Pedreia escreveu um dia : "Tudo o que vem de ti é um poema". Desconheço a quem se dedicava o verso. Assim, à distância de uma folha de papel, decerto descreve a vida de Daniel Faria. Sem qualquer tributo post-mortem, a homenagem parte do próprio escritor. À vida, aos sentidos, mas acima de tudo, à poesia. Nunca um título de um livro esteve tão bem entregue.

"Porque a morte tem o seu tempo
A ruína soma ruína, à cabeça
Equilibra a existência desmoronada e inteira.
Tu és o que edifica
Tu constróis mil vezes.
Porque o raio tem o seu tempo.
És o clarão ,a lâmpada, a estrela
Somas luz à luz.
Não és luz, és mais que a luz
Porque a noite tem o seu tempo."

Daniel Faria

Título: Poesia
Autor: Daniel Faria

Nota: 7/10

domingo, janeiro 08, 2006

Swimming Pool

No mesmo ano em que lhe dá um papel menor no filme 8 Mulheres, François Ozon pega em Ludivine Sagnier e oferece-lhe a oportunidade de representar uma femme-fatale em Swimming Pool. O realizador de Sob a Areia tem aliás um gosto bastante interessante em matéria de actrizes, tendo recolhido um espólio de participações nos seus filmes bem significativo.

Charlotte Rampling é Sarah Morton, uma escritora de meia-idade, estereotipada no género do policial, que enfrenta as crises próprias da sua faixa etária face ao seu stiff upper lip britânico. A convite do seu editor viaja para a sua casa de campo francesa, onde irá travar conhecimentos com Julie (Ludivine Sagnier). Esta irá transformar a sua vida por completo, relembrando-lhe a sua juventude, e far-lhe-à, ao invés de escrevê-la, viver a vida.

Em Swimming Pool, Ozon consegue uma vez mais trazer-nos um universo muito feminino e pleno de sensualidade. Poucos para além dele conseguiriam tornar uma cena do género, entre um velho e uma quarentona, apetecível. Ozon fala-nos da juventude, do seu ímpeto face ao conservadorismo recalcado de alguém que anseia, no fundo, por se entregar também. Ao mesmo tempo, Ozon mostra-nos ao que pode levar o labirinto indecifrável da inconsequência.

Para além do voyeurismo literário de Sarah Morton e da inexistência moral de Julie, ambas aprendem a coabitar num universo misto de desejo e diversão. Até que um homem, pondo-se entre elas, as une ainda mais. É este o ponto de partida para uma escalada imparável de complicações psicológicas no enredo que nos apresenta o realizador francês.

Realce para a fotografia e para as excelentes representações da dupla de actrizes. Por último, bem ao jeito de David Lynch, Ozon deixa-nos um travo amargo de incompreensão num final surpreendente e desarmante onde se desconstroí qualquer possível construção na nossa mente.

Título: Swimming Pool
Realização: François Ozon
Elenco: Charlotte Rampling, Ludivine Sagnier, Charles Dance, Jean-Marie Lamour, Marc Fayolle.
França, 2002.

Nota: 7/10

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Sloppy Joe


Verificam-se a nível mundial dois fenómenos que, aparentemente, seriam contraditórios. Se, por um lado, a famosa Aldeia Global ataca como ponta da lança que dá pelo nome de Globalização, por outro lado é visível a crescente oportunidade e importância dadas a fenómenos regionais e localizados. A Arte é um reflexo do seu tempo. E parte desta Arte, é a Música. E, dentro desta, vêm os Sloppy Joe.

Se também a música segue o padrão generalista da Globalização e percorre um rumo onde se procuram sons que atraiam o máximo de ouvidos possíveis, esta mesma música tem-se caracterizado pelo aparecer de ritmos alternativos a largas escalas. Rostos exemplificativos disso são Patrice, Gentleman, Sublime, Melo D, Blasted Mechanism ou, neste caso que se apresenta, Sloppy Joe.

Flic Flac Circus é um trabalho de 2004 onde esta banda portuense nos traz um navio a arder (referência à música Burnin' Ship). "We´re gonna burn this Ship", canta Marta Ren. E assim é. Tem-se a sensação de estar a ouvir a combustão conjunta de um navio onde viajam lado a lado o Ska, o Dub e, à proa, o Reggae. Inegáveis são semelhanças com projectos como os Terrakota e com todas as referências do género, bem patentes em todos os Ohohoh's presentes ao longo do cd.

Com inegável talento e muita maturidade para um primeiro trabalho, este "circo" tem na sua canção mais mediática 6 Little Monsters a versão mais Pop de todo este grande navio multi-étnico. Como exemplar máximo do aroma que se mistura entre Brasil, África e Jamaica, saltita O Calor. Cd que se ouve bem, despreocupadamente, com muito das agora tão em voga good-vibes e que faz ansear por mais destes Sloppy Joe.

Título: Flic Flac Circus
Autor: Sloppy Joe

Nota: 7/10

XS

Um conceito arquitectónico diz que, menos é mais. Este conceito veio revolucionar a arquitectura, rompendo com uma máxima que surgiu sensivelmente a meados do Séc. XVI, em que, mais ornamentação e fausticidade, resultavam em bom gosto e, essencialmente, muito dinheiro.
Com esta ruptura, surgem espaços amplos, onde a luz natural é uma prioridade a ter em conta pelo arquitecto.
E se a tudo isto juntarmos um espaço pequeno, como é o caso de postos de nadadores salvadores nas praias, quiosques, paragens de auto-carros, casas de jardim, entre outros, aumenta o desafio de aplicar este conceito.
Para provar que nem o pouco espaço é impeditivo de criar maravilhas, este livro apresenta mais de 38 exemplos internacionais de pequenas arquitecturas que condensam o melhor da produção contemporânea.
Uma coisa é certa, o livro está repleto de imagens que só por si mereciam um registo. Fica um tributo à imaginação, e originalidade dos arquitectos e à capacidade de tornar realidade a imaginação por parte dos engenheiros que têm também um papel fundamental.
Só tem uma falha, ainda não existe nenhuma edição portuguesa, por isso somos obrigados a dominar a língua dos “nuestros hermanos”. Mas, aqui para nós, que ninguém nos ouve, o mais importante mesmo são as imagens, o (pouco) texto serve como complemento, se bem que precioso. E, quem sabe, juntar o útil ao agradável de aproveitar aprender uma língua estrangeira que nunca ocupa espaço.

Autores: Phyllis Richardson e Lucas Dietrich.
Editora: Gustavo Gili
1ª edição: 2001

Jerusalém


“Mas, de certo modo, Theodor receava aquilo que mais o excitava: como se veria a si próprio se chegasse ao ponto de perceber o raciocínio - e assim o considerar normal - que está na base de um campo de concentração, do extermínio de milhares de pessoas: crianças, velhos, homens, mulheres? Receava a sua invulgar capacidade - tantas vezes elogiada - de perceber os loucos. Essa capacidade para entrar nas cabeças estranhas, como alguns colegas diziam. Era dessa empatia com o não normal que poderia nascer algo de inaceitável. Se chegar a perceber a parte louca da História, se conseguir entrar na cabeça do Horror e com esta conseguir dialogar, o que farei a seguir?”

Nascido em 1970, estreou-se no mundo das publicações em Dezembro de 2001, através do Livro da Dança, editado pela Assírio e Alvim. De então para cá o panorama literário português têm assistido ao célere desdobramento da sua obra estética, espelhada em diversos géneros (quase todos a que os escritores modernos recorrem), chegando à impressionante marca de 16 publicações em 4 anos. Desde então, a crítica tratou de lhe conferir o estatuto de grande ficcionista do futuro literário por vir, enquanto antecipa uma suposta rivalidade entre ele e o também aclamado José Luis Peixoto.

Se porventura acompanha o meio literário português, já terá certamente apontado um de entre os demais suspeitos: Gonçalo M. Tavares. O seu nome já se tornou uma espécie de símbolo para aqueles que, de tempos a tempos, contrariam o vaticínio do fim da originalidade literária portuguesa. Espera-se pacientemente que os fatalistas o leiam.

Gonçalo M. Tavares cultiva o (bom) hábito do conceptualismo e do rendilhado erigir de uma obra (tão novo e tão consciente da exigência da História, que obstrui a entrada de novos membros), enquadrando os livros em lógicas superiores, como terras em reinos. E é na série de livros negros O Reino que o multi-premiado Jerusalém se encaixa, dando um novo entendimento a um dos lados obscuros da natureza humana: a loucura.

Mas se o retrato da loucura é, de certo modo, comum na literatura moderna, o tratamento que os desvios mentais merecem pela maioria, os homens normais, não é assim tanto. É nesta normalização da loucura que se apoia Jerusalém, apontando uma interpretação da sua essência (loucura como quebra persistente da moralidade imbuída num humano adulto) que, não sendo inédita, serve para introduzir as ideias ensaísticas que orientam Theodor Busbeck, médico e marido de Mylia (esquizofrénica): a loucura, isto é, a doença mental, afecta as pessoas na sua valência social, criando a doença civilizacional, que Theodor acredita ser responsável pelos horrores que a História efectivamente contém (Jerusalém é um romance que conhece a história do século XX, e o seu título não será casual, certamente). O autor desenvolve sagazmente esta ideia base, e outras subalternas, à medida que faz avançar a trama que, apetece dizer, não é trama – a verdadeira intriga parece residir no evoluir da teoria para os eventos macabros do mundo.

Sem me contradizer, afianço: a intriga, apesar de curta, é retalhada, surpreendente e veloz. Tem o seu próprio corpo e espaço, sobrevivendo sem o ensaio (mas trabalhando para ele). A loucura de algumas das personagens faz-nos criar uma empatia com elas, pela desresponsabilização dos seus actos: Hinnerk, o violento, conquista-nos pelo terror interno em que vive, pelo medo que exala em cada sudação e pela exibição do pânico de um soldado constantemente em guerra; Mylia, a esquizofrénica, tenta-nos com lampejos de ingénua eloquência e com um repentismo de infância; Kaas, o deficiente físico, enternece-nos através da sua aguda consciência do seu estado e do estado dos outros; Hanna, a prostituta, consegue conviver com Hinnerk e é de uma extrema amabilidade para com a loucura dele. Ironicamente, será Theodor, o médico, quem inspira menor confiança, pois nada tem que desculpe a sua insensibilidade no momento da morte do pai, e mesmo no tratamento a Mylia.

A loucura só estará realmente intacta nas páginas que nos reportam para o quotidiano comum do hospício, onde Gonçalo Tavares faz desfilar toda a demência passível de existir numa tal instituição, todas as extravagâncias insensatas que são o código de normalidade social entre os internados, em contacto nas zonas partilhadas onde se recreiam habitualmente. Mediante estas observações, o doutor Gomperz e Theodor renovam e substanciam a teoria que poderá prever, estatisticamente, os genocídios e massacres vindouros.

Em suma, tudo avança (intriga e ensaio) a um ritmo meticulosamente trabalhado, empolgante e cinemático. Nunca o autor se deixa seduzir pelas forças da inspiração e do desalinho, sabendo de antemão como gerir a escrita para o bem do leitor (se não impaciente). Lido e relido, Jerusalém suscita no leitor (neste caso, eu) a seguinte pergunta: Que devo eu pensar para não ser tido como louco?

Jerusalém. Um livro de Gonçalo M. Tavares.
Editorial Caminho, Abril de 2005.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Tanglewood Numbers


Pegue no pior de Pearl Jam, a sua parte baladesca, bem ao jeito de Rioct Act. Retire-lhe um pouco de força e revolta, mas junte-lhe um pózinho de misticismo e country. Eis o novo cd dos Silver Jews. A voz de Dave Berman continua a soar muito à de Eddie Vedder, com um pouco de Dylan, mas este mesmo Berman, personagem omnipresente nos Silver Jews, parece estar ausente ao longo do trabalho, não se notando tanto a sua força.

O grande problema de Tanglewood Numbers, cd último da banda, são os seus antecessores. Se Bright Flight, de 2001, se revelou um bom cd, o antecessor de Tanglewood Numbers, American Water, foi um cd bastante aclamado pela crítica e revelou-se de consistente qualidade. Como é hábito nestas alturas, Tanglewood Numbers não esteve à altura.

De resto, o som de Berman continua semelhante. Muito country, muita folk, aqui e ali uma tendência para o rock e para o pós-grunge. Tudo com uma aura muito southern-USA-ouvintes-de-Otis-Reding. Boas músicas em Sometimes a pony gets depressed, K-hole e uma muito boa There is a place. Num ano de não muita música do género, Tanglewood Numbers pode bem ser a resposta para os ouvintes de 2005.

Título: Tanglewood Numbers
Autor: Silver Jews

Nota: 6/10

terça-feira, janeiro 03, 2006

Versatilidade

Se há alguém, a quem o título de surpreendente serve que nem uma luva, esse alguém é Leonardo da Vinci.
Embora eu não tenha a ambiciosa ideia de conhecer por completo a vida e obra de Leonardo, considero-me alguém que o conhece minimamente o artista em causa, ainda assim, dei por mim boquiaberto, e a exclamar “não é possível!” ao ler este livro.
Foi numa feira do livro, em Lagos, Algarve, que descobri o livro em questão. Foi o título que mais me chamou a atenção, e rapidamente me deixei levar por um lado de Leonardo delicioso (literalmente).
Quem diria que o mesmo homem que pintou a famosa Mona Lisa, inventou o guardanapo? E o esparguete? Conta-nos este livro que, Leonardo antes de se tornar O artista de referência do Renascimento, tinha um grande interesse na culinária, e foi por aí que começou a experimentar a sua vocação para inventar, criar e surpreender. Foi também neste campo que demonstrou o seu feitio desastrado e algo irrequieto.
Devido ao seu feitio, não funcionou muito bem a sua introdução ao meio culinário, foi logo no seu primeiro projecto, juntamente com Botticelli, que o sucesso lhe foi negado. Parece que a Nouvelle Cuisine, não era do interesse dos Homens da renascença, habituados a comer pratos cheios de carne bem guarnecidos. Digo Nouvelle Cuisine pois o tipo de experiências de Leonardo consistiam em pratos com enfeites feitos com verduras requintadamente esculpidos. Felizmente, alguém pegou nele e abriu os olhos para a arte.
Um livro repleto de curiosidades, abrindo as portas a um Leonardo da Vinci diferente do que nos habituámos. A par dos apontamentos escritos, somos presenteados por ilustrações originais de Leonardo.

Titulo: Notas de cozinha de Leonardo da Vinci
Edição: Arte Mágica editores
Apontamentos reunidos por: Shelag & Jonathan Routh

O Olhar Fauve

"A Dança, Henri Matisse, 1909-1910"

Chega a Lisboa a primeira grande apresentação do movimento fauve – corrente de vanguarda do modernismo – trazendo assim a Lisboa obras de alguns dos mais importantes artistas da referida corrente artística como Henri Matisse, Oskar Kokosha, Jean Puy, Albert Marquet, André Lhote e Pierre August Renoir. Obras que fazem parte de uma colecção do museu de belas artes de Bordéus, itinerante na comemoração do centenário do Salão de Outono de 1905, onde, foram introduzidos no meio artístico, gerando assim fortes reacções, chegando a ser chamados (embora não se reconhecessem como por si um grupo) como uma “Cage de Fauves” (jaula de feras), dado ao arrojo que apresentavam, especialmente nas cores utilizadas e na clara ruptura com os conceitos artísticos utilizados ate então.
Fica assim então a minha proposta. Não percam a oportunidade de visitar um dos museus mais sui generis de Lisboa, tal como de conhecerem um estilo artístico que impulsionou a arte até aos nossos dias.

O Olhar Fauve, no Museu do Chiado de 13 de Janeiro a 19 de Março.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Non, ou A vã glória de mandar


Terrível palavra é um Non.

Pe. António Vieira

Bem vincada como obra de autor, com o cunho muito próprio de Manoel de Oliveira, Non, ou A vã Glória de mandar é um filme de 1990, filmado entre Portugal e Senegal, apresentado em França, por altura do festival de Cannes. E se a crítica europeia, fascinada com a perspectiva de uma visão portuguesa por um português apartir das suas derrotas, acolheu bem o filme (Prémio Especial da Crítica Internacional desse ano, tendo Manoel de Oliveira sido alvo de uma homenagem especial por parte do juri), a verdade é que o público português continuou fugido da obra do seu realizador mais conceituado.

Non, ou a vã glória de mandar é um filme cuja intriga remonta a 1974. Em África, um batalhão português combate na Guerra Colonial e, quer para animar e distrair as suas tropas, quer para se entreter a si próprio, o tenente Cabrita vai contando pormenores da história de Portugal aos seus soldados. Correm-se assim, através de saltos espaço-temporais, pormenores interessantes como a história de Viriato, as tentativas de unir Portugal e Espanha, a batalha de Alcácer-Quibir ou uma recriação da Ilha dos Amores de Camões.

Por entre todo este Drama/Documentário, vai-se percebendo o tom moralista com que Manoel Oliveira embebe o filme e a analogia entre toda a história de sede de conquista e a Guerra Colonial que aqueles próprios soldados vivem. Esta última faceta do filme é bem expressa na batalha de Álcacer-Quibir (seguramente, uma das maiores e mais bem caracterizadas cenas de todo o cinema português) onde se antecipa o fim inglório da luta que se vive enquanto aquela história se conta. Todo o filme é envolto por esta mística pessimista, onde Portugal sempre acaba penalizado por uma sede irracional de poder.

Apesar do seu cunho pessoal em matéria de pormenores de qualidade, Non, ou a vã glória de mandar conta também com o pior de Manoel de Oliveira. Perdida qualquer noção de realismo, Oliveira envereda por um caminho sem retorno desde o princípio do filme onde prefere a teatralidade. Ao ver o filme tem-se a clara impressão de se estar a assistir a uma peça de teatro filmada. E se esta característica lhe favorece em alguns planos, retira-lhe todo o interesse que uma peça de vasto interesse poderia ter. Expoente máximo de tudo isto, é a cena do cavaleiro suicída protagonizada por Ruy de Carvalho. Especial atenção para o brilhante trabalho de Luis Miguel Cintra no papel principal, ele que foi galardoado neste 2005 que acaba de findar com o Prémio Pessoa.

Título: Non, ou A vã glória de mandar
Realizador: Manoel de Oliveira
Elenco: Luis Miguel Cintra, Diogo Dória, António Sequeira Lopes, Miguel Guilherme, Luis Lopes, Carlos Gomes, Ruy de Carvalho, Mateus Lorena, Luis Mascarenhas e Catarina Furtado.
Portugal, 1990

Nota: 5/10