sexta-feira, julho 14, 2006

Miss Daisy no Teatro


O meu (ainda) pequeno curriculum de espectador de teatro tem muitas falhas. Ontem, quando pensava que ia apagar uma dessas falhas, fiquei com a clara sensação que foram três. A que eu sabia que ia ser ultrapassada chamava-se Eunice Muñoz. As outras duas falhas desconhecidas para mim chamavam-se Guilherme Filipe e Thiago Justino.
Estes são os três actores que, até amanhã, interpretam as personagens da peça de teatro Miss Daisy. A peça está em cena no Auditório Municipal Eunice Muñoz, em Oeiras.
A personagem principal, Miss Daisy, é obviamente, interpretada por Eunice Muñoz. E se eu não sou pessoa de apreciar clichés, percebo que é por figuras como Eunice Muñoz que muitos deles são criados. Eunice Muñoz é um dinossauro de palco. A interpretação de Miss Daisy é autêntica. Mas mais do que a sua interpretação sublime é a sua presença elevada num palco que a distancia de nós. Somos completamente dominados por mais de cinquenta anos de experiência. Exemplo claro é a maneira como ela ultrapassa as brancas (próprias de uma actriz quase na casa dos oitenta): ou a brincar com a última palavra que disse, ou a prolongar um silêncio de expressão vincada na personagem, ou com um sorriso de fácil contracena,... É um domínio perfeito da sua actuação. Como corolário, ela está finalmente a actuar na sala com seu nome.
Guilerme Filipe interpreta o filho de Miss Daisy. É a personagem menos atractiva, mais de contracena, menos evolutiva, mas muito presente. E o actor aposta, e bem, nesta sua projecção de presença para todas as cenas em que não está em cima do palco. Consequentemente, sempre que pisa o palco surge eficazmente. Guilherme Filipe não era um actor desconhecido para mim, ele é presença assídua em telenovelas, mas nunca o tinha visto em teatro. E assim se apaga mais uma falha no meu curriculum.
Thiago Justino interpreta o motorista contratado para Miss Daisy. Thiago Justino é um actor brasileiro com uma vasta experiência de representação mas pouco visível em Portugal. Apenas hoje olhei para este seu curriculum, porque depois de o ter visto ontem em palco, percebi facilmente que o actor tinha muita escola. O ponto essencial da sua interpretação figura-se na contracena com a Eunice Muñoz e como a deixa brilhar conseguindo o próprio os seus momentos valorização individual.
Miss Daisy é uma peça de teatro conhecida (dada a sua adaptação para o cinema) e conceituada (foi premiada com o prémio Pullitzer nos EUA). Realmente é um texto que não tendo uma acção genial é atractivo, com momentos de humor surpreendente intercalados com cenas de reflexão sobre a grande problemática vivida na época nos EUA, o racismo. E a evolução das personagens tem como bengala a forma de abordagem das mesmas ao preconceito em questão. No entanto, a peça teve ontem certos defeitos que prejudicam-na como espectáculo. O principal é o tempo da mesma. A entrada para a sala está prevista as 21h30 e o espectáculo acaba as 0h30 com 15minutos de intervalo. A encenação também não é das mais brilhantes. Celso Cleto pretende e bem dar espaço aos artistas mas nos pormenores de sua autoria fracassa: a música é sempre a mesma e cansativa; numa peça tão longa os momentos de transição de cenas deveriam ser mais curtos; e a escolha cénica parece por vezes incorente, numas situações segue uma encenação minimalista, noutras deparamo-nos com elementos cénicos a mais.

quarta-feira, julho 12, 2006

Galileu


Como foi divulgado por Colibree, o Teatro Aberto apresenta na sua (fantástica) sala azul uma adaptação da peça Galileu do dramaturgo Bertolt Brecht. Esta semana é a última oportunidade para assistirem a uma peça que os amantes de teatro não devem perder. Esta crítica tem como base cinco argumentos que constituem o espectáculo:
O Texto. Bertolt Brecht não teve a felicidade de ver a sua companhia de teatro levar à cena esta peça que é considerada como o seu testamento. Passados 50 anos temos o privilégio de receber este testamento e admirá-lo. E ao longo do tempo em que viajamos nos séculos XVI e XVII apercebemo-nos da importância da História. Pessoalmente, eu apercebo-me mais de como ela me foi mal contada. O dramaturgo alemão, feliz na sua escrita, dá-nos uma breve lição sobre a confrontação da descoberta da verdade e os valores enraizados numa sociedade.
A encenação. É da responsabilidade de João Lourenço. Sendo o sucesso do mesmo. Seguindo o seu estilo de potencializar recursos (palco rotativo, projecção de videos gravados e filmados em directo, roupas e cenários de época, aproveitamento do enorme tamanho do palco,...) o encenador português cria todas as condições para que o testamento se torne na referida lição. De salientar ainda, a brilhante escolha do elenco.
O Rui Mendes. Interpreta a personagem principal, Galileu Galilei. Rui Mendes é um dos melhores actores dos nossos palcos. A aliança entre a capacidade de se tornar numa personagem histórica e a marca na mesma de um cunho pessoal do actor é perfeita. Digna do melhor discípulo do mestre Constantin Stanislavsky.
O Afonso Pimentel. Interpreta a personagem secundária, Andrea. Este actor é conhecido do grande público pela sua frequente presença em séries televisivas e filmes. Onde demonstra que tem valor. Mas para mim, o verdadeiro teste é o teatro. E Afonso Pimentel supera todas as expectativas. Destaque para o crescimento evidente que a sua personagem sofre e que o actor acompanha com distinção.
O restante elenco. Com nomes sonantes como Irene Cruz, António Cordeiro ou Pedro Giestas. Com nomes emergentes como Carla Chambel, Rui Melo. Este elenco gera no espectáculo uma consistência fundamental para ser admirado.