terça-feira, janeiro 30, 2007

The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known

Depois de Rush, o prolifero músico sueco (8 álbuns desde 1996) chega a 2007 com o álbum The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known. No mundo dos ambientes e dos sintetizadores, Jay Jay Johanson é rei e senhor e é, mais uma vez, essa faceta que descobrimos, num percurso que caminha cada vez menos pela Pop e cada vez mais pela emoção do som do Synth-pop.

The Long Term… é banda sonora do princípio ao fim. Boa banda sonora. O seu defeito é não ser de um só filme. Há um épico, há tragédia, há jorrar de emoções em filme de Sofia Coppola. Mas também há musica de fim de baile de finalista dos anos 80, há o final de um romance hollywoodesco que tarda em passar.

Johanson consegue a melhor e a pior melancolia. A pensativa e soturna mas que emerge em pulsares emotivos e épicos; e a lânguida e arrastada, não frutífera. Curiosamente tudo isto está espelhado no próprio trabalho que parece dividir-se ele mesmo numa primeira metade de qualidade superior e numa recta final onde nada de novo é dito, tudo parece ter-se esgotado no principio.

Ainda assim, salvaguarde-se que, com Johanson, o que é bom é mesmo bom. É pena é o que sobre, o mais ou menos. Falemos então do retrato doloroso de “She doesn’t live here anymore”, do arrebatamento quieto de “Time Will Show me” ou da perseguição Pop de “Rocks in Pockets”. Ou falemos de cenas de amor de um filme clássico em “Only For You”. Ou falemos de “As Good As It Gets”, onde o Jazz encontra a canção, onde Saint-Germain se torna cantor de salão, onde o cinema se materializa numa pauta.

Jay Jay Johanson assina um bom trabalho em The Long Term…, ainda que pareça prolongar-se em demasia. Sabemos que o permanecerá será a sua melhor parte e é dessa que desfrutamos quando o ouvimos. Há calor no Inverno mais profundo da Suécia.

Título: The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known
Autor: Jay Jay Johanson
Nota: 7/10

segunda-feira, janeiro 29, 2007

Poesia do Eu

“António de Oliveira Salazar.
Três nomes em sequência regular…
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está bem.
O que não faz sentido
É o sentido que tudo isto tem.”

Falar de Fernando Pessoa é uma obra tanto perigosa quanto problemática. Quer pela vastidão da obra escrita, quer pela vastidão da mente do poeta, quer ainda pela vastidão de ensaios e comentários que têm vindo a ser desenvolvidos nos últimos anos. Mas, apesar do perigo, existe algo que permanece essencial. Conhecer, a fundo, a obra de Fernando Pessoa, quer para estudo, quer simplesmente para deleite. E se, a este ponto, temos acesso à obra praticamente total do autor, editado até em várias edições, tal deve-se a vários editores e estudiosos que transformaram Pessoa, do previamente editado ao manuscrito, em compilações de elevada qualidade, maioritatiamente via Assírio e Alvim.

Como diz Richard Zenith no prefácio, “Surgirão ainda eventuais inéditos (incluindo na presente edição) e a fixação dos textos irá sendo melhorada, mas o grosso do trabalho já foi feito”. Para além deste trabalho, há ainda o trabalho da compreensão do autor, que devemos a Adolfo Casais Monteio, Teresa Rita Lopes, Fernando Cabral Martins, João Alves das Neves ou ao próprio Pessoa, por interposto das suas cartas explicativas. O que se apresenta aqui é mais uma hipótese de descobrir, rever ou aumentar a relação com a obra ortónima em português da figura máxima da literatura portuguesa do século XX, quiçá a figura máxima da literatura portuguesa em si.

Sê-lo-á não só pela inegável qualidade poética, pela intrincada mente que em tudo reflecte a personagem portuguesa ou pelo vanguardismo com que liderou a busca de um novo movimento literário que culminou no modernismo português, mas também pela complexidade e alcance de todas as áreas que abrangeu. Da heteronomia às quadras, do épico desmedido à contenção politica face a Salazar, do português ao inglês, da prosa à poesia, do ensaio ao lírico. Pessoa é um poeta, um tratador da palavra, que consegue tanto alcançar o mais profundo da problemática que aborda, como simplesmente jogar com as palavras, baralhar e voltar a dar.

Parte da Colecção Obra Essencial de Fernando Pessoa, mais do que incluir alguns poemas inéditos, esta Poesia do Eu, com edição de Richard Zenith, é um composto de qualidade elevada no que toca à documentação e à referência, complementando os poemas com indicações importantes e nunca excessivas, salvaguardando os leitores que as dispensarem. Engloba Poemas de 1908-1935, Mensagem, Canções da Derrota, Fausto, Ruba’iyat, Quadras e Juvenília.

Como se vê, apesar da ausência da heteronomia, Freudianamente apenas a ponta de um iceberg muito mais complexo que será a mente do poeta, Poesia do Eu é uma obra vasta e intrincada. Do Pessoa descobridor de novas possibilidades literárias, com o pauismo ou o interseccionismo, ao Pessoa politico, passando por versões amorosas, angustiadas, populares ou existencialistas. A obra está, neste momento, ao nosso dispor. Resta-nos descobrir.

Título: Poesia do Eu
Autor: Fernando Pessoa

domingo, janeiro 28, 2007

Scoop


Depois do badalado Match Point, Woody Allen regressa às salas de cinema com a sua mais recente película, que, à semelhança do seu último filme, foi totalmente produzida e realizada em Londres. Os amantes do realizador nova-iorquino já não estranham a ausência das árvores de Brooklyn e a substituição de Manhattan pela metrópole inglesa. Na verdade, Allen viu-se quase obrigado a filmar no Reino Unido, país que lhe financia uma tela com os actores que ele escolhe e com o guião que ele escreve. Ainda a propósito do guião, recorde-se que Scoop foi escrito propositadamente para integrar Scarlett Johannson numa personagem cómica, muito ao jeito da fantasia neurótica que, em tempos, Allen deixava a cargo de Diane Keaton.

Apesar de tudo o que se possa dizer, Woody Allen abraça a cultura e a sociedade londrinas de um modo genial, conseguindo em Scoop a sua melhor comédia em muitos anos enquanto realizador e argumentista. A história obedece ao criterioso humor rocambolesco de Allen: conta como uma estudante de jornalismo se envolve numa busca pela verdade, depois de ter sido visitada por um jornalista recentemente falecido. Este jornalista é Joe Strombel, que se lança do barco da Morte para partilhar a sua última notícia bombástica (“scoop”). Aí tudo se complica: enquanto o mágico Splendini (Woody Allen) agita as moléculas da estudante universitária Sondra Pransky (Scarlett Johannson) no seu desmaterializador chinês, o falecido Strombel relata, de um modo vago e sem entrar em detalhes, como o aristocrata Peter Lyman (Hugh Jackman) é o assassino das Cartas de Tarot.

Segue-se, então, uma aventura surreal pelas ruas de Londres, envolvendo personalidades falsas, truques de magia, conspirações e perseguições, muitos mal-entendidos, e sobretudo o brilhante sentido de humor de Woody Allen tão bem impresso na sua personagem! Splendini, cujo verdadeiro nome é Sidney, acaba por se fazer passar por pai de Sondra, numa tentativa de conseguirem desvendar o mistério dos homicídios em Londres. Tudo se desenrola aos tropeções, com muita ironia e nonsense pelo meio, até Sondra se apaixonar pelo seu objecto de investigação. Aí, Woody Allen consegue delinear de uma forma perfeita os contornos sinuosos do guião.

O mais apaixonante neste filme acaba por ser a forma como todos os actores apresentam interpretações fabulosas em papéis que não poderiam ter sido entregues a mais ninguém. Assim, Woody Allen prova ao público como ainda consegue surpreender e arrancar piadas inteligentes e de inspiração genial, enquanto move uma câmara perfeita e sem hesitações.

De um modo geral, e apesar de ser qualquer coisa de extraordinário, Scoop mostra-nos uma Scarlett Johannson num papel diferente do habitual, com óculos e aparelho nos dentes, e uma relação fantástica entre o génio de Allen e a jovialidade de Johannson. Ainda que este filme não esteja ao nível de outras obras de Allen, como Annie Hall, por exemplo, é uma película que, pela boa dose de comédia e de drama, vale mesmo a pena, sobretudo se se é um fã.

"If you put our heads together, you'll hear a hollow noise!" Ninguém diria...


Título/Ano: Scoop (2006)

Escrito & Realizado por: Woody Allen

Elenco: Woody Allen, Scarlett Johansson, Ian McShane e Hugh Jackman.

sábado, janeiro 27, 2007

Some Loud Thunder

Há muito tempo que o mundo da música não acordava tão sobressaltado. Findo o ano de 2006, com as habituais listas de melhores e piores, o mundo acordou, ressacado, na manhã de dia 1, pronto a conferir o que esperar de 2007. Originais de Bloc Party, Árcade Fire, LCD Soundsystem, Damon Albarn, Air, Bight Eyes ou Kaiser Chiefs fazem do ano que se apresenta um pulsar ansioso de novidades prometedoras. Uns dos primeiros a chegar foram os Clap Your Hands Say Yeah!

Depois do álbum homónimo de 2005, a banda traz agora Some Loud Thunder. A mesma perspectiva indie, Pop dançante com estilhaços Rock em fundo electrónica a apoiar a enigmática e quebradiça voz de Alec Ounsworth. Nada de novo, portanto. Contudo, Some Loud Thunder traz uma versão mais suavizada, menos pungente, que, em abono da verdade, nada favorece a banda. Maturidade nem sempre se recomenda.

Ainda assim, os Clap Your Hands Say Yeah! conseguem um punhado de boas canções, algumas com a energia que se lhes reconhece, mas conseguem também mostrar por vezes uma mediocridade que não só não agrada como descompõe o bouquet final. Some Loud Thunder é um processo indefinido que caminha inseguramente nos ouvidos de quem se aventura. Como o confirma o paradigma do single óbvio e homónimo ao álbum. Não é claro o sentimento perante o efeito de distorção-dessintonização.

Ficam alguns bons momentos. Fica uma boa parte de “Emily Jean Stock”, o refrescante “Satan Said Dance” a preparar-se para as pistas de dança ou o lado mais Rock de “Yankee Go Home”. Mas fica também a esperança de que a ansiedade musical se repercuta em melhores momentos. A procissão ainda vai no adro.
Título: Some Loud Thunder
Autor: Clap Your Hands Say Yeah!
Nota: 6/10

segunda-feira, janeiro 22, 2007

James Holden - The Idiots Are Winning

O ainda jovem James Holden é já um elemento fundamental no mundo da música electrónica, posição consubstanciada pela sua intensa actividade enquanto DJ e editor musical (é sua a Border Community). Nasceu para a música dançante em 1999, com apenas 19 anos, quando lançou “Horizons”, e desde então tem desenvolvido uma frenética carreira, conquistando reconhecimento mais alargado através das remisturas de “Get Together” para Madonna e “The Darkest Star” para os Depeche Mode. Balance e James Holden – At The Controls, como bons sets que indubitavelmente são, também lhe garantiram novos fãs.

Faltava então um primeiro disco de originais. Uma forte expectativa acumulara-se em certos meios e, ainda em 2006, chegaria aos escaparates The Idiots Are Winning. Logo se percebeu, pelas primeiras reacções, que James Holden respondera às expectativas com ambição, e que o novo álbum seria uma competente visita às linguagens musicais com que o inglês sempre se exprimira, em maior ou menor abundância, nas suas actuações. Ele vinha cheio de méritos e de boa vontade, numa época em que a oferta musical é, para todos os efeitos, enorme em quantidade. Escuta-se finalmente o disco e o que nos invade é a indisfarçável sensação de que estavam todos certos e, por isso mesmo, errados. A música não é euclidiana.

Em The Idiots Are Winning as músicas não nos chegam como blocos sonoros consistentes; ouve-se e sente-se, a cada momento, os loops, os esboços de melodias, os efeitos e os decaimentos numa tentativa desesperada de relacionamento entre si, como se cada faixa se tratasse de um exercício específico desenhado para se compreender as potencialidades dos programas de sequenciação musical. Quase todas as músicas pretendem ser, simultaneamente, rítmicas, minimais, épicas, dançantes e ambientais, e é nesta confusão de prioridades que o álbum se perde. James Holden quer (e quer tanto) que nos deitemos nas suas texturas, que nos deixemos levar pelas suas progressões, que nos agitemos ou dancemos ao som das suas tímidas linhas melódicas que se esquece completamente que é difícil fazer tudo isto num curto espaço de tempo. Que para atingir tal feito importa ser um pouco mais imprevisível ou talentoso. The Idiots Are Winning é tão regrado que faz da monotonia um sentimento realmente aborrecido, sendo incapaz de levar a nossa consciência a um afastamento que nos permita dizer, pelo menos, que a previsibilidade do álbum é uma encantadora ode à monotonia.

Os pontos altos não são verdadeiramente altos, não passando de pequenos planaltos de mediana satisfação: “Lump” podia ter sido feita por um Vitalic desinspirado, “10101” soa a resultado de um dia menos bom na vida de Isolée e há um objecto estranho pelo meio (“Intentionally Left Blank”) – uma faixa de dois minutos, uma benção, que nos deixa reflectir sobre o tempo perdido na audição do álbum no mais calmo e absoluto silêncio.

Nota: 5/10

segunda-feira, janeiro 15, 2007

Grey's Anatomy (Volume 2)

É do conhecimento geral que a série Grey’s Anatomy (A Anatomia de Grey), um original da gigante americana ABC, é um sucesso em termos de audiências, quer nos Estados Unidos, quer em Portugal. Apesar da indecisão da televisão portuguesa relativamente a um horário estável, a série passa a horas certas no canal FoxLife, disponível apenas para quem queira desembolsar uma avultada quantia por meia dúzia de canais. Independentemente de guerras televisivas, de telenovelas e de importações brasileiras, A Anatomia de Grey obedece à fórmula série, prendendo o espectador num vício do qual é quase impossível sair. Razão mais do que suficiente para a Hollywood Records lançar no mercado, aquando do final da temporada, o segundo volume da banda sonora da série.

Para quem conhece, há que reconhecer a excelente escolha das músicas, mesmo se, ao escutá-las de novo, não venha à memória o momento exacto em que estas tocam na série… É de realçar também que a série prima por vários motivos, embora garanta uma banda sonora que nunca é desadequada, em que a música consegue levar a melhor e fazer o espectador sentir exactamente o que se pretende. E não é fácil brincar com sentimentos. Por todos estes motivos, destaco este disco como uma das grandes colectâneas do universo televisivo, o que não implica que se tenha de ser um fã incondicional da série ou mesmo possuir um exacerbado conhecimento da pop culture. Um único senão, que não atingiu as terras lusitanas, foi o atraso com que este disco saiu relativamente ao final da temporada.

O álbum tem How to Save a Life dos The Fray como um excelente início. A música foi usada cerca de dez minutos, com especial enfoque no refrão. Apesar de não se escutar quase nada na série, fica a carga emocional da própria música: o piano começa com uma melodia simples, que fica no ouvido, a linha cantada assenta numa voz fantástica, tudo isto sem se ter uma música complexa e demasiado arranjada. Flúi bastante ao escutar, decora-se facilmente e, melhor do que tudo, mexe com qualquer coisa.

Moonbabies trazem War on Sound, a segunda faixa, muito ao estilo dos The Cranberries, sem os floreados célticos. O baixo faz uma segunda linha melódica muito interessante e a voz masculina realça o que se sente. O refrão é um exemplo muito bom para compreender como funciona a lógica desta banda sonora, como a música consegue estar ao serviço da emoção. Do mesmo modo, temos a crescente harmonia no órgão e na guitarra por parte de Jim Noir em I Me You, numa música onde as segundas vozes trazem uma reminiscência de como se transporta qualquer coisa de muito humano para a partitura, sem se ser aborrecido e sem cansar… afinal, não se pode dar ao luxo de perder o espectador numa cena crucial.

Kaboom! de Ursula 1000, Monster Hospital dos Metric e Sexy Mistake dos The Chalets trazem o bambolear sexy das reviravoltas sentimentais da série. Escuta-se em Kaboom! o beijo de fugida na sala de operações deserta, ouvem-se as correrias dos boatos de quem dormiu com quem por entre as notas de Monster Hospital, e as trocas de olhares dançam em Sexy Mistake.

Anya Marina traz a calma em Miss Halfway, com poucos recursos, mas com uma guitarra alinhada e uma percussão ajustada à sua voz doce e sensual. Universe & U insurge-se como uma desconhecida versão acústica por parte dos britânicos KT Tunstall, conseguindo arrancar ao dedilhado na guitarra um momento de rara beleza: a modulação da melodia da voz é fantástica quando conjugada com os acordes espalhados na tenuidade das cordas.

I Hate Everyone, da responsabilidade dos Get Set Go, tem a letra mais interessante de todo o álbum, cheia de um sentido de humor próprio da cena que a acompanhou. O ritmo é adequado à vertente curiosa da voz, a oscilação da guitarra é brilhante e o refrão consegue mesmo surpreender. Um pequeno e bonito embrulho cheio de ódio.

Jamie Lidell arranca com Multiply, num estilo mais funk e aconchegável, e Kate Havnevik canta Grace na sua voz etérea e cheia de significado. Em Multiply assiste-se a um reboliço que bebe muito da harmonia, ao passo que Grace assenta sobretudo no violoncelo a realçar a linha melódica orientada pelo serpentear da voz de Havnevik. O contraste bipolar entre a euforia e a melancolia é um dos deliciosos desequilíbrios intencionais oferecidos pelas destacadas interpretações dos actores do Seattle Grace Hospital.

How We Operate destaca-se do resto do álbum sobretudo pela ideia, de contornos exóticos, e pelo uso da cítara. O início desta música de Gomez parece um tanto-quanto esotérico, mas à medida que se progride na audição, encontramos vestígios mais ocidentais, como uma guitarra eléctrica bem temperada e uns quantos efeitos electrónicos. Para fechar o disco, os populares Snow Patrol cantam Chasing Cars, uma faixa poderosa e cheia de sentido: a progressão até ao avassalador refrão é notável. Mais uma vez, não só é possível converter em música o sentimento, mas também as imagens de uma série que, felizmente, parece ecoar em terras de Portugal.

O mais notável neste CD é talvez o facto de se esquecer o fenómeno de audiências para haver efectivamente uma concentração no poder da partitura enquanto enquadrada no televisor. Combinando artistas independentes, bandas populares, vozes a descobrir e versões acústicas de músicas já conhecidas, Grey’s Anatomy Volume 2 consegue o que poucos conseguem: trazer ao público o sentimento que não se serve apenas de palavras, de cenários e de alucinantes cenas em salas de operações. Música independente de actores, mas dependente de sentimentos, como se supõe que seja.


Título: Grey's Anatomy Volume 2

Artista/Compositor: The Fray et al.

Ano: 2006

Voz Própria #3 - The Weatherman

Alexandre Monteiro, gaiense, é o nome por trás de The Weatherman, músico que trilha os caminhos da Pop com uma integridade estética e qualidade invejável. É sobre o cd de estreia, Cruisin'Alaska, de 2006, e a sua participação no projecto Acorda! que incide a entrevista que se segue.

1.O teu cd de estreia, Cruisin’Alaska, tem vindo a ser alvo de críticas muito positivas, quer a nível nacional (Y, por exemplo), quer internacionais (PopMatters ou HybridMagazine). Como lês tudo isto e que peso tem a imprensa do género para ti?
Acima de tudo, foi importante a imprensa ter falado no disco porque de outra forma teria passado completamente despercebido, embora o trabalho da editora de início tenha sido bastante incisivo. Isso fez com que o disco passasse uma imagem de si mesmo como um objecto de culto, para minorias, o que não deixa de ser interessante, mas impediu que tivesse uma visibilidade exterior ao meio musical. As críticas são sempre bem vindas, sejam positivas ou não, mas tento sempre distanciar-me e nunca as levar demasiado a sério. Não faço música para agradar a críticos, nem para agradar ninguém em particular, faço-o sobretudo para mim.
2.A crítica internacional faz-te sonhar com novos públicos? Ou antes, a internacionalização da tua música é um objectivo claro para ti?
Infelizmente a perspectiva de ter novos público não depende só das críticas internacionais. Depende muito mais de trabalho editorial ou de distribuição. Mas sim, gosto de pensar que a minha música tem condições para ser bem acolhida um pouco por toda a parte. O meu objectivo é dar um passo de cada vez e tentar sempre fazer o melhor possível o meu trabalho, que se for realmente bom, vai acabar por dar frutos. E a internacionalização poderá ser um deles.
3.E a nível do público, quer na venda do cd quer no feedback dos concertos, como tem sido a aceitação ao álbum?
A avaliar pelos concertos recentes, o público fiel acaba sempre por aparecer. Pelo menos, a avaliar pelo último concerto, no Maus Hábitos, a casa estava praticamente cheia e toda a gente saiu de lá com ar satisfeito. Foi uma boa festa. Em relação a vendas, não faço a menor ideia. É um mistério até hoje.
4.A tua música é uma revisitação clara, mas completamente salutar, do universo dos Beatles e dos Beach Boys. Incomoda-te que as referências ao teu trabalho passem constantemente por aí? Não temes uma rotulação excessiva da tua música?
Bom, se existe uma rotulação excessiva, talvez o maior responsável por isso seja eu. Acho saudável que as raízes do meu trabalho sejam assumidas, caso contrário cairia no risco de ser comparado a artistas com os quais não sinto afinidade, e isso causa-me desconforto.. Na verdade ser influenciado por essas bandas tão basilares da música popular pode significar um mundo de possibilidades, mas de facto aprendi tanto ao ouvir os seus discos que sinto que lhes devo alguma coisa. Possivelmente com os meus discos futuros isso se irá dissolver um pouco, mas sinceramente não me incomoda nada assumir essas influências.
5.Numa entrevista à Rua de Baixo, disseste que também chegaste a fazer músicas num universo mais punk, ao mesmo tempo que ias descobrindo os Beatles. O que te levou a escolher um som em detrimento do outro?
Hmm, julgo que não foi bem isso que disse ou que queria dizer. De facto foram os Beatles que me fizeram escolher ser músico e compositor porque desde muito novo eu sonhava ardentemente eu ser como eles, no aspecto artístico. Foram eles que me cravaram a noção de que o músico pop perfeito é aquele que consegue ser muito popular mas ao mesmo tempo manter intacta a integridade artística. Penso que isso é o mais difícil de atingir. Nunca senti que alguma vez escolhesse uma orientação musical em detrimento de outra. Nunca fui pessoa de gostar da banda da moda, mas por outro lado nunca fui muito de analisar discos a frio. Cedo cheguei à conclusão que o meu lado punk tinha mais a ver com o lado sociológico da coisa do que propriamente com a música.
6.Vais, em parte, buscar o nome do teu alter-ego, se lhe posso chamar assim, a uma frase de uma música de Dylan, “you don't need a weatherman to know which way the wind blows”. Apesar disso, surges com uma música direccionada num sentido completamene diferente da Pop usualmente feita em Portugal. Por que caminhos gostavas que a música nacional enveredasse e qual é o teu papel nesse processo?
Chateia-me profundamente quando alguém chega com a conversa tão velha e gasta da identidade perdida da música portuguesa. Por essas e por outras é que países como a Suécia vão-se tornando relevantes no panorama internacional e nós andamos afundados neste nosso quintal a dizer mal do nosso próprio umbigo. Eu só distingo a música boa da musica má. Estou-me total e absolutamente a borrifar para uma noção de identidade cultural portuguesa a nível da música popular. Como tal, o caminho que gostava que a música portuguesa seguisse é o de ter a melhor música possível, e que tenha o máximo de visibilidade e o meu papel é dar esse contributo que é o meu trabalho.
7.Entretanto, participaste na excelente iniciativa Acorda! Nova música portuguesa em mp3. Como é que surgiu a tua participação neste projecto?
Por convite das pessoas envolvidas.
8.Na mesma entrevista que já citei, li ainda que classificaste a música portuguesa de “aborrecida e sem chama”. Como vês a nova produção musical portuguesa, nomeadamente aquela que participou contigo em Acorda! Nova música portuguesa em mp3?
Eu não me estava a referir à música propriamente dita, estava-me a referir mais a tudo o que gira à sua volta. Falo do desinteresse generalizado pelo público em relação à música nova, às novidades. Falo da falta de canais de divulgação. Ás vezes tenho a sensação de os músicos fazem música para músicos e pouco mais. Para a maior parte dos mortais, a música portuguesa é só fado, Rui Veloso, Xutos, Dulce Pontes e Madredeus. É isso que torna o panorama português aborrecido. O desinteresse e falta de meios para que as coisas realmente excitantes, actuais e relevantes sejam devidamente apreciadas.
9.Esse projecto reporta também para a importância cada vez maior de instrumentos de divulgação como o MySpace e até para a questão do download de mp3. Como vês todas essas questões?
Vejo que a indústria discográfica tal como a conhecíamos está a chegar ao fim. Instrumentos como o myspace são apenas o início de uma revolução que já está a acontecer. Acho que é a própria indústria discográfica que está a dar tiros nos pés, consequentemente. Ter os preços dos discos tão altos, por exemplo, só faz com que a pirataria e o negócio ilegal dos discos ganhe cada vez mais força.
10.Outro dos meios, felizmente cada vez mais em voga, para a divulgação da nova música portuguesa é a rádio. Julgas existir um apoio suficiente da parte das emissoras nacionais? E como vês a inexistência dos mesmos apoios por parte da televisão, mesmo a estatal?
Acho totalmente vergonhoso o papel das rádios. Talvez a honrosa excepção seja a antena 3, porque dá a conhecer novos lançamentos, com uma selecção mais ou menos saudável em termos de qualidade. De resto temos um panorama radiofónico que me envergonha profundamente. Qualquer rádio (privada ou estatal) que passe os êxitos de há 20 anos, todos os dias, e se recusa a passar bons discos recentes de música feita em Portugal (como é o caso do último do Sérgio Godinho), não deixa de ser uma rádio profundamente medíocre.
11.Nos últimos tempos surgiu uma polémica sobre a música portuguesa cantada em inglês. Revês-te nessas críticas? Sentes alguma necessidade de te exprimires em português?
Não, não me revejo. Sempre achei isso uma falsa questão. É um facto que muitas bandas recorrem ao inglês para disfarçarem um vazio de ideias, mas cada caso é um caso, não se pode generalizar. Atente-se ao trabalho de artistas como o Old Jerusalém, por exemplo. É bem visível que aquilo é feito de forma genuína. No meu caso, é a mesma coisa. Tento ser genuíno. Gosto do inglês porque se adequa melhor que outras línguas ao tipo de melodias que eu faço. Mais uma vez, o que me interessa é a música boa, são os bons discos, os bons trabalhos. Dou exactamente o mesmo apreço a quem o faça bem em português, em inglês ou noutra língua qualquer.
12.“If you only have one wish, better make it big.” Por ultimo, qual é o teu desejo para 2007? Gostava de tocar em Vilar de Mouros no mesmo dia em que toca esse grande génio da música pop: Brian Wilson

sábado, janeiro 13, 2007

Acorda!


Dá pelo nome de Acorda! Nova música portuguesa em mp3 a concretização da ideia de Henrique Amaro em colaboração com a Cobra Discos. Pelo sugestivo título se percebe a rica ideia do radialista da Antena3. São 120 músicas de 60 autores portugueses que tem em comum o facto de serem novos nomes das mais variadas cenas musicais portuguesas. Por cerca de oito euros, onde cinco revertem para o serviço de pediatria do I.P.O., adquire-se esta compilação de mp3, forma atraente, económica e qualitativa de estar por dentro da actualidade musical nacional.

Acorda! é ainda uma espécie de abertura de debate à importância das novas tecnologias na música moderna. Do MySpace como meio de divulgação ao mp3 como formato musical vigente. É ainda a prova da vitalidade e do futuro da produção musical. Mais ainda, Acorda! mostra que um dos piores flagelos do Portugal citadino (a falta de integração das segundas gerações emigrantes), tem na música um óptimo exemplo de resolução: A lusofonia vive na música.

Mal geral entre as compilações é a falta de coerência entre as faixas. Num projecto com 120 músicas, nem entre por aí. Prepare-se para descobrir, apontar os nomes de que mais gostou e ir à procura. Isto não é um cd. É o princípio de uma discografia. Não é fácil agradar a gregos e troianos. Mas é possível.

Abre com os Ovo, que trazem Pop cantada em português com apelação ao universo Mesa. The Weatherman, já criticado neste Espaço pelo excelente trabalho de apresentação em Cruisin’Alaska, mostra o seu universo Beatleano de simplicidades e harmonias sonoras. Electrónica dançável é a sugestão de Spartak!, que têm em “Spartak! One” o seu single mais conhecido. Conhecidos e dançados são também os Buraka Som Sistema, kuduro progressivo onde Luanda e a Electrónica se fundem na perfeição de corpos a dançar numa pista de dança inprovisada. Tempo de sair da pista de dança, com os Nigga Poison, sugestão bastante agradável de salada mista de Hip-Hop e Reggae.

Já descansámos e é tempo de voltar à pista. Mudamos de discoteca e quem nos tira o pé do chão agora são os irreverentes The Vicious Five, colectivo de um força imensa onde a guitarra é rainha e senhora do nosso ritmo. Força é também a palavra de ordem de “Amor Combate”, música dos Linda Martini, também já revistos aqui, e que lançam agora o cd Olhos de Mongol. O espírito pede reflexão depois de tanto movimento e nada melhor que os Dead Combo: Alma e sentimento é a oferta do duo que segue as pisadas sonoras de Rodrigo Leão. Old Jerusalém é o nome que se segue, numa opção que segue a toada mais calma e introspectiva.

Cacique 97 trazem ambientes mais Jazz, a par de Tora Tora Big Band que lhes junta uma especiaria oriental. Sativa são os representantes da Jamaica neste festival internacional, e antecedem os descendentes de Kusturica, Kompanhia Algazarra. Freddy Locks são membros Reggaes numa praia solarenga e segue-lhes Coca o FSM de elctrónica suave. Pores do sol do oeste americano com Mazgani antecedem outra grande participação, também ela já revista neste Espaço pelo trabalho Todos os dias fossem estes outros. É Nuno Prata com a sua boémia jazzística de recortes Pop-Rock. Coincidência ou não, segue-se 2008, com influência dos Ornatos Violeta. Rock Group Tiger faz jus ao nome e, na mesma toada mas toada mas com mais sal, juntam-se-lhes os Sizo. No meio da confusão, não perca de vista o nome Fat Freddy. Em frente há o mundo dos cantautores com The Partisan Seed, o mundo falado dos Houdini Blues e a pista de dança de Rocky Marsiano.

Sagas retoma o contexto Hip-Hop, mas Camarão e DK reintroduzem o tema Dança. A Pop cantada em português volta pela mão de O Projecto é grave antes dos beats melódicos de SP/Wilson. O Rap de Sir Scratch e a melodia de Soma abrem alas para a revisitação dos Mler Ife Dada que são os Micro Áudio Waves. A canção francesa de Nicorette, o Chillout de 1 Uik Project, as mensagens de Cartell70, o Reggae de One Sun Tribe, o Hip-Hop de Samp, a House dos Gaia Beat, ou o universo muito próprio dos The Ultimate Architects são o paradigma da diversidade. Ou ainda a canção dos Novembro e dos Frequency, o Rock dos Electric Willow, os Blues dos The Soaked Lamb, o ritmo mágico dos Munchen, a indecifrabilidade dos A Boy with the broken leg ou o som Guano-Apes-like dos Genius Loki.

Se ainda nos está a acompanhar, saiba que há ainda o universo mais pesado com Hiena, Green Machine e Tatsumaki, bem como os rockeiros Orangotang e os rítmicos Monstro Mau. Interessante alternativa Hip-Hop é L-Hyo, como sucede a Woman in panic nas atmosferas electro, bem apoiados por Alex Fx e Erro!. Sons de Kusturica também em Gnu, tal como os Pearl Jam estão em At Freddy’s House. Mais agressivos são os Veados com Fome, seguidos das guitarras de Intermission e dos melancólicos Oddawn. Para terminar, a electrónica com referências de videojogo nipónico de StereoBoy.

São cerca de sete horas, sim leu bem, sete horas de música que aqui sucintamente, sim também leu bem, sucintamente se reviu. Não deixa que lhe digam o que ouvir. Siga o que lhe diz o seu ouvido, como diria Susanna Tamaro. A música portuguesa agradece.

Título: Acorda! Nova música portuguesa em mp3
Autor: Vários

Nota: 6/10

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Fedra


O Teatro Municipal Maria Matos abre o ano de 2007 com a representação teatral do clássico Fedra, traduzido do francês por Vasco Graça Moura. A peça de Jean Racine, um marco do neoclassicismo francês, assinala um novo rumo na programação no renovado teatro. Depois de peças como Laramie, The Pillow Man e Alter-Ego, cujos temas e encenações se inserem nos parâmetros comuns do teatro contemporâneo, Fedra reintroduz o vasto campo dos textos clássicos num ano que se prevê rico na revisitação do género mais específico que é a tragédia. Escrita no século XVII, numa época proveitosa no que toca à recuperação dos modelos e estruturas formais do período helénico, Fedra é um monumento literário consagrado ao desespero amoroso.

Embora o amor desvairado de Fedra (Beatriz Batarda) por Hipólito (Pedro Carmo) seja em parte provocado pela distância que a relação familiar impõe, Racine, recorrendo à vergonha do incesto, pretende na verdade construir um relato do declínio que o amor não correspondido pode provocar. Teseu (Alexandre de Sousa), um dos maiores heróis da Grécia, pai de Hipólito e marido de Fedra, encontra-se ausente enquanto o amor de Fedra se torna insuportável. Hipólito, por sua vez, nutre uma paixão também irrealizável por Arícia (Sara Carinhas), irmã dos Palântidas que Teseu mandara matar. À medida que estes amores se vão desenhando, o desconhecimento do paradeiro de Teseu é o factor de bloqueio à consumação das acções. O sentimento que se apodera das figuras principais (e, por dever, das figuras menores) desta tragédia é de tal maneira tremendo que culminará numa série de eventos trágicos.

Para reforçar o carácter cósmico e mitológico da história, Ana Tamen criou uma encenação onde todos os elementos acentuam de alguma forma esse contraste para com o mundo actual. O cenário consiste em três planos em confluência para uma porta corrida: a lateral esquerda é uma parede em vermelho rubro (invocando as chamas associadas ao inferno), cortada por uma entrada e uma janela donde emana a luz que encadeia Fedra, quando da entrada desta, sugerindo o seu fatídico destino; ao invés, a lateral direita, em tons de azul, apela ao bem e aos princípios morais que as personagens tentam seguir, pelo que o contraste entre as duas paredes vinca o dilema moral que se abate sobre as personagens; o chão preto toma a forma invulgar de uma rampa que, nas palavras de Ana Tamen, é um obstáculo a superar pelos actores de forma a elevá-los a figuras mitológicas, forçando-os a uma gestualidade pouco natural e exagerada mas coerente. Também a música, proporcionada por uma série de instrumentos de percussão tocados ao vivo, serve o intuito da encenadora ao acentuar o lado primitivo do amor, expresso de um modo incomparavelmente mais intenso do que o sentido nos dias de hoje.

Para os actores, a exigência do desempenho prende-se não só com as particularidades já descritas mas igualmente com a dificuldade em dominar completamente o verso alexandrino, a unidade básica da estrutura formal de Fedra. No campo das interpretações, destaque para as de Beatriz Batarda (notável na expressão do desespero e angústia) e Pedro Carmo (apropriando-se de Hipólito e dando-lhe vida própria), bem secundados por Sara Carinhas e Cristina Bizarro, esta no papel de Enone.

A rigidez do texto original e a distância que a encenação guarda para com os costumes modernos são os riscos que a equipa que montou Fedra corre, mas é com peças deste calibre que o espectador comum tem oportunidade de espremer o que há de melhor nos autores clássicos: a profundidade e textura dada aos temas essenciais que compõem a experiência humana.

Título: Fedra
Autor: Jean Racine
Tradução: Vasco Graça Moura
Encenação: Ana Tamen
Elenco: Adelina Oliveira, Alexandre de Sousa, Beatriz Betarda, Cândido Ferreira, Cristina Bizarro, Kjersti Kaasa, Pedro Carmo e Sara Carinhas.

Em cena na Sala Principal do Teatro Maria Matos de 11-01-2007 a 18-02-2007

Post da autoria de Exit1 e Ensaio

segunda-feira, janeiro 08, 2007

LCD Soundsystem - 45:33


O gigante da indumentária desportiva Nike associou-se ao líder ocidental da eletrónica de consumo estilizada, a Apple. Juntos desenvolveram um sistema que permite ao utilizador comum do iPod Nano monitorizar o seu desempenho nas suas corridas de manutenção e, portanto, a sua performance física. Um sensor/emissor colocado em compartimento próprio nas sapatilhas da Nike e um receptor acoplado ao iPod Nano calculam o número de passos, a distância percorrida, o ritmo e as calorias queimadas, informando o utilizador enquanto ele ouve música. Há depois que efectuar o registo no sítio da Nikeplus para que o utilizador possa acumular os dados estatísticos e compreender melhor o seu progresso, ao mesmo tempo que é estimulado pela integração numa comunidade mundial de atletas amadores amantes do jogging e, quem sabe, de música.

Para compôr o ramalhete, precisava-se de um segundo capítulo para as (agora) séries Nike+ Original Run, de um set de 45 minutos que propulsionasse o corredor durante as fatigantes corridas, após a contribuição menos notada dos The Crystal Method, também em 2006. Viraram-se para os LCD Soundsystem, numa escolha que tem tanto que ver com os méritos e tendências musicais da banda (algumas das remisturas de James Murphy tinham, talvez inadvertidamente, uma cadência que se ajusta à passada) como com a notoriedade da mesma junto de um certo público, cada vez mais indefinido, habitualmente fiel aos leitores da Apple.

É provável que o grupo, perdão, James Murphy tenha dado uma resposta rápida. O melhor dos nova-iorquinos vem ao de cima nas suas faixas com mais de seis minutos, como a obrigatória "Losing My Edge" e as essenciais versões de "Yeah", onde podem espraiar confortavelmente os elementos disco, punk e funk ao longo de camadas sucessivas e sincronizadas, brincando com as pistas e gerindo sabiamente a escalada até ao clímax, e a posterior descida. Nas faixas curtas, apesar de boas, não há tempo para tudo isto. Nos quase 46 minutos minutos de 45:33 há tempo para quase tudo.

Escalpelizando rapidamente 45:33: Tudo começa com uma linha melódica sintetizada em aceleração, surgindo de seguida a melodia do piano, simplicíssima, mas que marcará o ritmo para a entrada da bateria e da voz, que nos diz: “Hey! Your love away from me… You can’t hide… But shame on you!” – é mesmo Murphy a falar com o corredor, embora shame on you talvez não seja o que se pretende ouvir quando se começa um esforço. A partir daqui o set flui naturalmente, na linguagem que já está indelevelmente associada aos LCD Soundsystem. O 9º minuto assinala a primeira passagem séria do set, do piano comum no estilo house para o crescendo disco-electro decorado com uma suave melodia de sinos digna dos Hot Chip. São 8 minutos fortíssimos que exigiam edição em 12’’, e isto era tão óbvio que no próximo álbum de originais da banda (Sound Of Silver), prestes a sair, a este segmento de 45:33 é acrescentada uma letra e é dado um nome e uma posição – "Someone Great", a 4ª pista do disco. Do 18º minuto ao 27º, sensivelmente, há espaço para uma deriva funk com tiques de odisseia espacial em busca do prazer. Do 28º ao 38º há vozes robóticas e um electro-funk frenético e futurista, sendo que a partir do 34º minuto o ritmo começa a baixar, no que deverá marcar o começo do declínio físico do corredor. Eles estimaram a resistência de corrida do indivíduo médio em 38 minutos, e o que resta serve para alongar ou descomprimir do esforço realizado, em 7 minutos que Brian Eno não desdenharia.

45:33 é, enfim: Peça fundamental para a compreensão desse fenómeno recente que são os LCD Soundsystem; um exercício essencial na música electrónica moderna, apesar de aquém do já lendário E2-E4 de Manuel Göttsching; e uma motivação para os preguiçosos começarem a cuidar do seu físico. Com este set, não há desculpas para não suar.

Nota: 8/10

quinta-feira, janeiro 04, 2007

Prateleira #9 - Little Earthquakes

Little Earthquakes foi o álbum de estreia de Tori Amos enquanto cantora a solo. Antes do lançamento deste disco, já ela tinha tentado lançar-se no mundo da música, em conjunto com a sua banda, num álbum que a Rolling Stone classificou de "piroso". Por isso, pode dizer-se que Little Earthquakes foi o seu primeiro grande trabalho, fazendo com que o mundo lançasse os olhos para o seu talento. Antes disto, Tori fazia pequenas actuações ao piano, alguns covers e alguns originais, num bar em Los Angeles.

Contudo, e apesar do aspecto promissor da cantora e compositora, a editora Atlantic rejeitou o seu projecto para este CD, temendo que ninguém estivesse minimamente interessado numa pobre rapariga ao piano, ainda por cima já chamada de pirosa por uma autoridade músico-social. Talvez isto tenha impulsionado mais a dedicação de Amos, uma vez que acabou por conseguir lançar no mercado o seu disco, em 1992. O público escolhido foi o britânico, que, segundo se dizia na década, estava enjoado da norma vigente e ansiava por excentricidade. Tori Amos provou ao Reino Unido que conseguia fazer muito mais do que escrever meia dúzia de canções fáceis de ouvir, com um arranjo de piano pegajoso. Em poucas palavras, criou um álbum que apaixonou fãs, que criou um estilo, que marcou a década pela sua qualidade.

A primeira faixa deste disco apresenta logo a sua bonita voz, bastante maleável, num tema chamado Crucify. Esta não é, de longe, a melhor faixa do disco, ainda que ilustre um pouco do que se há-de seguir no resto do CD. E não falo só das letras poderosas e intensas, cheias de intenções e de refúgios, mas da música plena de sofrimento e intensidade. "Looking for a savior in these dirty streets Looking for a savior beneath these dirty sheets I’ve been raising up my hands drive another nail in Where are those angels when you need them."

Girl insurge-se como um poderoso exercício musical. O piano não é melodicamente disciplinado, e Tori mostra-se perfeitamente à vontade quer no delinear da melodia cantada, quer na execução do instrumento. As cordas acompanham essa execução em que Amos consegue mostrar o mais íntimo de si, o mais doloroso, arrancando ao piano trilhos muito fora do normal. A faixa corre muito bem, o refrão conta com uma delirante sobreposição de vozes, a percussão acompanha sem aborrecer, e tudo acaba com um final imponente por parte das cordas.

Em Silent All These Years temos mais um exemplo da paleta de Tori Amos ao piano, enquanto canta palavras aguçadas. As cordas vão embalando a melodia num crescendo até que o refrão se assume como um momento desarmante, para de novo cair nas notas alternadas sobre as teclas. Desta vez, as cordas tornam a sombrear a voz e o piano, mas o refrão repete-se ainda com mais força: Tori canta idilicamente bem e as vozes de fundo misturam-se maravilhosamente sobre o piano. É o momento mais perfeito de uma faixa perfeita, pelo que, apesar de não ter sido o single, foi a canção deste álbum mais passada na rádio britânica.

Precious Things começa com um fundo grave e intenso até o piano começar com um ritmo perturbador. A sucessão harmónica é assustadora! Uma nota grave no piano suscita o início e Tori canta pouco depois. No refrão juntam-se vozes e a bateria, tornando a música uma corrente muito fluida e também muito gelada, até que uma nota se esboça num grito adolescente e dissonante sobre os instrumentos. Mais tarde, surgem outros instrumentos numa sucessão bem desenvolvida e igualmente emocional. No fundo, esta é a música menos normal deste CD, o que, aliado a uma letra cheia de dor, a torna na melhor faixa. “Holding on to his picture Dressing up every day I wanna smash the faces Of those beautiful boys Those christian boys So you can make me cum That doesn't make you jesus.

Sucede-se Winter, a faixa mais bem disciplinada do disco, mas que não peca por isso, uma vez que atinge um nível de melancolia tal que se torna quase surreal ouvi-la. É também uma das mais conhecidas músicas de Tori Amos, talvez pelo facto de conseguir mostrar ao público uma letra diferente, uma variedade mais normativa sobre o piano, um excelente e intenso refrão. O tema melódico é simples e bonito, pelo que fica a tocar algum tempo na nossa imaginação. O mesmo acontece com o sentimento de profunda tristeza que se apodera no ouvinte.

Happy Phantom é um excelente contraste para acordar quem pensava que Amos só desenhava músicas deprimentes. Com uma excelente arquitectura dos acompanhamentos instrumentais, Happy Phantom exprime-se sobretudo numa sucessão rítmica ao piano. É humorística, destaca-se particularmente pela luminosidade, pela variação harmónica, pela modulação da voz de Amos. Um fantástico exemplo de como tentar algo de novo e consegui-lo na perfeição.

China tem um jeito mais comercial (sem nunca chegar a sê-lo!), mas ainda assim consegue surpreender nalguns momentos. Apesar de não ser um momento de composição particularmente brilhante, põe à prova as mãos e a voz de Tori Amos. Em contrapartida, Leather é absolutamente fascinante: a letra grita sem ser necessário recorrer à música, se bem que o piano ilustre muitíssimo bem o génio de Tori. As guitarras eléctricas emolduram uma evolução fantástica das notas em staccato até ao desenvolver do tema numa sucessão de notas sem qualquer voz. "Look Im standing naked before you Don't you want more than my sex I can scream as loud as your last one But I can't claim innocence."

Mother evoca um sentimento edipiano de busca pelo conforto no calor materno, alienando momentos com um excelente acompanhamento ao piano. Do mesmo modo que a letra preenche, as notas secas nas teclas englobam a ânsia ao cantar, ao tornear um tema bonito em algo de ainda mais superior. Os últimos dois minutos são de uma qualidade suprema na interpretação e na composição… e são um conter de respiração ao fim de quase sete minutos.

Tear in Your Hand consegue estragar um pouco o clima geral do álbum. Tem muito de vulgar, mesmo para quem ouve Tori Amos pela primeira vez. Isto é bastante perceptível a partir do momento em que algumas partes da faixa se estranham pela diferença.

Me and a Gun foi o single no Reino Unido, mas não pegou. Parece evidente, uma vez que esta música tem uma carga emocional absolutamente petrificante, mesmo cantada a capella. Aqui, Tori Amos fala de uma violação, remetendo para a sua história pessoal que inspirou muitos dos sentimentos vividos neste disco. Destaque para a fabulosa intensidade da melodia, perfeitamente independente da letra (que também está muito bem conseguida). Esta faixa perturbará quem ainda não está perturbado com a melancolia que se transpira ao longo do CD. "Me and a gun and a man On my back But I haven't seen Barbados So I must get out of this (…) And do you know Carolina Where the biscuits are soft and sweet These things go through you head When there's a man on your back And you're pushed flat on your stomach It's not a classic Cadillac."

Por último, Little Earthquakes traz algumas novidades a nível de harmonia de vozes e da sua conjugação com o piano e com alguma percussão. Funciona muito bem como resumo musical do que ficou para trás e mexe com uma letra que sintetiza um sentimento geral dissecado em todas as suas formas. Para os mais cépticos, os últimos minutos da música provam como aconteceu algo de tão bom na forma de fazer música. Tudo isto faz de Tori Amos uma voz, um reinventar de poesia, uma expressão na composição, um marco na interpretação, um exercício de renovação. Este álbum consegue condensar faixas memoráveis, momentos musicais intensos e sentimentos profundos. Nas palavras de Amos, “doesn’t take much to rip us into pieces.


Título: Little Earthquakes

Artista/Compositor: Tori Amos

Ano: 1992

Journals

“I like to calmly and rationally discuss my views in a conformist manor even though I consider myself to the extreme left.
I like to infiltrate the mechanisms of a system by posing as one of them, then slowly start the rot from the inside of the empire.
I like to impeach God.
I like to abort Christ.
I like to fuck sheep.
I like the comfort in knowing that women are generally superior and naturally less violent than men.
I like the comfort in knowing that women are the only future in Rock and Roll
I like the comfort in knowing that the Afro American invented Rock and Roll yet has only been rewarded or awarded for their accomplishments when conforming to the white mans standards.
I like the comfort in knowing that the Afro American has once again been the only race that has brought a new form of original music to this decade. (Hip Hop / Rap)

Censorship is VERY American. “

Nascido a 20 de Fevereiro de 1967 e, oficialmente, dado como morto por suicídio a 5 de Abril de 1994, poucos músicos terão sido tão marcantes e influentes como Kurt Cobain nos últimos 20 anos. Mais que vocalista, líder dos Nirvana, está para além da marca do Grunge em termos musicais o cunho pesado que a sua pessoa fez sentir na geração que acompanhou o seu aparecimento e queda.

Há, obviamente, que ler estes diários de Kurt Cobain à luz da sua música e do percurso dos Nirvana. Para começar, porque é impossível fugir-lhe. As letras de músicas que povoam os diários, as indicações sobre editoras, os apontamentos sobre concertos ou a ruptura com membros da banda, são temas que atravessam constantemente estas páginas pessoais. É o caminho de uma banda que se acompanha pelo olhar do seu sofredor líder. Da época do liceu em que enviavam cassetes até à opressão megalómana da imprensa.

Há, ainda, que ler estes recortes de intimidade, plenos de desabafos, desenhos, rabiscos, opiniões soltas, rascunhos de documentos e outros, como as páginas do mito em se tornou Kobain. A relação com as drogas, a relação com a música, a relação com Courtney Love e a relação com a imprensa. Uma cabeça psicótica e com traços de incompreensão para com todos, notoriamente desligado de quase tudo. Ao mesmo tempo, uma consciência artística atroz, uma noção estética altamente empreendedora e perturbada, como se deseja em qualquer génio fugaz.

Há, finalmente, que ler tudo isto apenas como a parte mais pessoal e inacessível de um homem. Cobain escreve mesmo: “This is not to be taken seriously. This is to be read as poetry”. Tão somente isso, a sua vida pessoal. A explicação do seu consumo de drogas (um problema gástrico que o atormentava), os seus problemas de infância, os seus gostos musicais (parte extremamente interessante e merecedora de análise face à sua produção musical) ou os seus pensamentos políticos e sociais.

Quem se apresenta é um escritor constantemente revoltado e crítico, dono de um sentido irónico aguçado e sem preocupações e com uma cultura musical impressionante. Se para mais nada servir, estes diários são ao menos lenha para a fogueira que alimenta o mito e as eternas suposições à sua volta. O génio de Cobain está vivo.

“If you read, you’ll judge.”

Título: Journals
Autor: Kurt Cobain