terça-feira, outubro 31, 2006

Vivo #1 - Daft Punk no Festival do Sudoeste (II)


Adiante com o que importa aqui: a digressão. As datas e locais foram sendo anunciadas, a conta-gotas, no myspace da banda. O americano Coachella, o espanhol Summercase e o britânico Global Gathering foram dos primeiros, seguindo-se outros festivais como o belga Pukkelpop, de forma previsível. Entretanto dera-se a estreia em Coachella e clarificou-se o género de espectáculo a apresentar, saltando à vista a exigência logística do mesmo. Seria, portanto, uma actuação apenas passível de ser montada num Festival com suficientes recursos técnicos e financeiros. Foi com um certo espanto que algum público português recebeu a notícia, pois sabia-se de antemão que a nunca se ultrapassaria a vintena de concertos, a nível mundial, e duas dessas performances seriam levadas a cabo em Madrid e Barcelona, suficientemente perto de Lisboa. Se um cálculo fosse feito à densidade de actuações dos Daft Punk por metro quadrado, a península ibérica levaria certamente vantagem.

Publicitado o cartaz definitivo da edição de 2006 do Festival do Sudoeste, saltou à vista a heterogeneidade do mesmo. Para tal basta ler o alinhamento do dia 5 de Agosto, por ordem de entrada em palco: Boss AC, Marcelo D2, Skin, Madness e Daft Punk. Diga-se, em abono da verdade, que a Música No Coração foi bastante inteligente na sempre difícil tarefa de agradar à maior variedade de públicos possível mas convenhamos que, em abono da coerência, o Festival do Sudoeste foi um tremendo disparate, em oposição à consistência estética do Festival de Paredes de Coura, a conquistar gradualmente um papel de relevo no panorama internacional.

Como consequência directa do duvidoso alinhamento observaram-se grandes movimentações de pessoas junto ao palco principal, só estabilizando com a entrada em cena dos Madness, sendo que a partir desse momento a maioria do público que se encontrava em esmagamento próximo das barreiras constituía já o núcleo indefectível de fãs dos franceses. Mais para trás, as entrópicas franjas iam cedendo à ordem e criando um semi-círculo à volta do palco, largo e bem definido. Segundo a organização, a maior afluência registou-se neste dia, tendo provavelmente ultrapassado as 35 mil pessoas.

Terminado o oscilante concerto dos Madness, os mais desprevenidos esperavam uma transição rápida para os ex-Darlin’. Mais de trinta minutos se contaram, e os mais impacientes progressivamente compreendiam que algo diferente se construía por detrás das cortinas negras entretanto corridas. Volvidos outros 10 minutos, os panos descerraram a arquitectura: uma pirâmide cortada no topo, com a pequena pirâmide formada com o corte elevada acima desta, criando o espaço para os robôs em fatos de cabedal ou, metaforicamente, o cockpit da nave espacial com que iniciariam a viagem; no lugar das faces das pirâmides encontravam-se ecrãs LCD e, num triângulo envolvente, uma estrutura de potentes projectores guarnecia o dispositivo; a rodear tudo isto, uma grelha de luzes néon em pequenos triângulos e, na rectaguarda última, um ecrã rectangular ocupava a parede do fundo do palco. O cenário, bem entendido, avisava para a existência de um qualquer conceito superior a ter em conta, e aconselhava à maxima atenção, nomeadamente a visual. Na esteira dos alemães Kraftwerk (na elaboração de um contexto), bebendo do compatriota Jean-Michel Jarre a necessidade de uma grandiloquência visual e teatral e revisitando a ficção científica de George Lucas, Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem Christo estabeleciam um universo próprio pejado de referenciais.

Vivo #1 - Daft Punk no Festival do Sudoeste (I)


Perdoem-me a demora e a consequente falta de actualidade, mas por motivos absolutamente ponderados não me foi possível atender ao meu próprio desejo de aqui destrinçar a exibição da banda francesa. Motivos esses que se prenderam com a falta de tempo útil para convenientemente analisar a actuação em virtude da excelência da mesma. Era necessário visionar novamente o concerto para capturar completamente o sentido global do set, o seu virtuosismo técnico e os seus tiques e detalhes fundamentais. Perante um cenário tão eloquente e assombroso, uma verdadeira ópera de luzes e formas, um relato no sentido estrito saberia a pouco. Seria intelectualmente desonesto e uma profunda desconsideração somente descrever os picos de excitação do público, as melhores passagens musicais, o ambiente instalado durante esse final de noite e a aparência geral da parafernália de néons e écrãs. Convinha aguardar por uma mais que apropriada edição em DVD para fazer o proposto. A internet, no entanto, encarregou-se de nos facilitar a tarefa, e a comunidade cibernáutica pode agora rapidamente deitar mão a vários vídeos do concerto (ilicitamente filmados e frequentemente de fraca qualidade) e a uma gravação áudio de boa qualidade, completa, levada a cabo ou pela dupla ou por outros com o consentimento de alguém da produção do espectáculo. Sabendo-se que os Daft Punk construíram o set previamente, introduzindo apenas ligeiras alterações de actuação para actuação, a versão agora difundida é uma boa aproximação ao que se passou na Herdade da Casa Branca.

O interregno prolongou-se por cerca e sete anos. Sete anos sem uma única actuação ao vivo serviram para criar a incógnita (porque será que não dão concertos?); muitas suspeitas e um rumor (a falta de paciência, a preguiça, a solidificação estética do lado não humano do duo e até o suposto dano auditivo irreversível de Thomas Bangalter); e um juízo presunçoso (seriam, afinal, estrelas desconhecidas cuja suprema arrogância arrancava do contacto com a gente comum, mesmo que na forma de robôs. Dos álbuns editados apenas o primeiro, Homework, merecera tradução directa. Discovery, essa viagem fantástico-emocional anda incompreendida e ostensivo fenómeno de vendas, carecia de transposição para o palco ou cabine. Human After All, por seu turno, prenunciava a continuação do silêncio, potenciada pela recepção mista do público e da crítica. Após a edição deste último, em Março de 2005, seguiu-se um período de relativa acalmia, cimentando-se na comunidade musical um sentimento de indiferença face à morte progressiva do duo francês.

Augurava-se o fim de um ciclo e a decadência criativa da banda, aparentemente incapaz de se libertar da ligação com o lirismo tecnológico num mundo onde o fascínio pelo artificialismo musical já fora mais evidente. Com efeito, a mensagem, a forma e a própria música como que denunciavam um certo esgotamento e avisavam para um possível ocaso. A frescura dançável de Homework e o delírio ornamental de Discovery embatiam na muralha sonora de Human After All. Ironias e significados excluídos, o último álbum é uma intrigante manifestação de frieza, repetição e aspereza, num registo claustrofóbico quanto baste no panorama da música electrónica. O disco assenta num combinado de influências que vão da frieza maquinal dos Kraftwerk à rudeza dos Black Sabbath, do funk dos Breakwater à sobreposição de camadas de Juan Atkins (vide Model 500), mas resulta numa sonoridade fechada sobre si própria e repetida até à exaustão, excepto na faixa “Make Love”, onde um terno e encantador loop aumenta progressivamente de volume, marcando uma pausa na audição do disco (à imagem de “Nightvision” em Discovery) . Compreende-se o defraudar das expectativas de muitos dos admiradores de Homework e Discovery, talvez não tão sedentos de manifestos conceptuais quanto de sofisticação meramente musical. No entanto, o humor e os significados são realmente indisfarçáveis em Human After All. Desde o contraste entre o seu disco mais despudoradamente tecnológico e o título do mesmo, passando pela melodia murmurada através do vocoder na pista que lhe dá o nome e pela substituição da ordem “Harder Better Faster Stronger” pelo novo comando “Technologic”, Human After All é mesmo um condensado de pequenas provocações e mensagens subliminares, mais nitidamente que Homework ou mesmo que Discovery.

Digerido tudo isto, pairava sobre os Daft Punk aquele distinto perigo da desilusão por parte do público leal, do esquecimento pela crítica e da relativa indiferença pelo resto. Entretanto chega 2006, e três novidades foram sendo anunciadas, aos soluços: a edição de uma compilação (Musique Vol. 1 1993-2005), a apresentação em Cannes de um road-movie musical acerca de um casal de robôs (Electroma) e, finalmente, uma tournée mundial marcando presença apenas em grandes festivais, num total de 16 concertos, a finalizar este mês em Santiago do Chile, Buenos Aires e Miami.

sábado, outubro 28, 2006

O Diabo veste Prada

Andrea é uma indie formada em direito que sonha com jornalismo e por isso se muda para Nova Iorque. Concorre e é aceite como assistente da almigthy Miranda Priestly, editora de moda da Runaway Magazine, uma das mais conceituadas revistas de moda. Andrea é absorvida por um mundo que desconhecia e sobre o qual tinha a sua opinião estereotipada e preconceituosa. Para além do inferno em que se torna a sua profissão, Andrea aprende a perceber e aproveitar o mundo onde se inseriu. Tudo isto até a sua vida pessoal começar a desaparecer.

Esta é a sinopse de O Diabo veste Prada. Sem muito mais a acrescentar, para já, como se quer numa sinopse. É mais fácil fazer um grande filme sobre o racismo, do que um filme sobre o mundo da moda que chegue a roçar o mediano. É mais difícil fazer uma sátira ao mundo da moda, credível e não estereotipada, do que pegar num tema a priori oscarizável e concretizá-lo. Esta é a obra de David Frenkel. Para os mais desatentos, este é o homem por trás de uma série que criou laços ao longo das suas temporadas com uma legião de fãs compulsivas. Obviamente, David Frenkel realizou Sexo e a Cidade.

A isso não será alheio a sua muito agradável realização neste filme. Com um ritmo acertadíssimo, planos que conseguem aproveitar o que de melhor tem (a interpretação das suas grandes actrizes, futuramente a rever neste mesmo post) e a experiência e calo que a série acima referida lhe proporcionou, Frenkel consegue o impensável. O Diabo veste Prada não é um grande filme, não é o melhor filme do ano, não conta uma história imperdível, muito sinceramente não traz nada de novo à história do cinema (isto se considerarmos, e justamente, que Meryl Streep já faz parte dela), mas não era isso que se pedia, encarecidamente acrescente-se, ao realizador.

Pedia-se que, finalmente, se pudesse fazer um filme sobre moda que não fosse, à partida preconceituoso, de piada fácil e demasiado imbecil para ser mordaz. Frenkel mostra um mundo em jeito de o tentar perceber. E é apartir daí, quando o preconceito acabou, que a sátira, subtil como se deseja, começa. Para além disso, e exactamente por se abstrair que está a fazer um filme sobre moda, Frenkel consegue ainda provar que é possível haver entretenimento de qualidade. Que o cinema não se divide entre o de autor e o de pipoca. O Diabo veste Prada é um filme sem morais fáceis, sem falsas lições de vida, puro entretenimento, com as inevitáveis emoções e problemas amorosos, mas, ponto fundamental, tem qualidade.

E é agora, quando se menciona a qualidade, que se refere Streep. Meryl Streep, dita por muitos a melhor actriz viva, dispensa apresentações. Ainda assim, para alguém mesmo muito distraído, refere-se aqui passageiramente A Casa dos Espirirtos, Kramer Vs Kramer, As Horas, As pontes de Madison County ou Africa Minha. Óscar de melhor actriz secundária em 1979 por Kramer Vs Kramer e de melhor acriz em 1982 por As escolhas de Sofia, detém o recorde de nomeações para melhor actriz secundária (13). A caminho dos 58 anos, tem já 5 filmes anunciados para 2007. É esta a mulher de quem se fala. No papel de Miranda, a super-editora-workaholic que usa e abusa de todas as wannabe’s que a rodeiam com aspiração de assistente.

Streep é simplesmente genial. A expressão, o olhar, a humanidade na cena do quarto em roupão. Streep consegue fazer o que todos os actores pretendem. Ser outro. A postura, a voz, a colocação, o olhar, a intenção. A forma como consegue conceder um toque genuinamente humano a uma mulher cuja única noção de vida é a revista que dirige; a forma como tudo é uma analogia, os óculos por detrás dos quais se esconde, o sorriso que forçadamente planta, as provas a que submete Andrea como comparação à sua vida. Isto é Meryl Streep no seu melhor, mostrando, como diz muito acertadamente o Y (isto começa a tornar-se um hábito) que não há maus papéis. Há más actrizes. Não é de todo o caso.

Passada esta obrigatória referência, convém reafirmar que O Diabo veste Prada vale sobretudo pelas interpretações que apresenta. Streep é o paradigma, mas não se esgota nela. Anne Hathaway é Andrea, a mulher pela vida de quem somos confrontados com esse mundo novo. Apesar de clichezado, não deixa de ser relevante que seja a miúda independente, com traços de intelectualidade snob quanto à moda, manifestamente de fora desse mundo como atitude que venha a descobrir (e a integrar-se) tudo o que existe para além do preconceito.

Ainda assim, e não borrando a pintura, Hathaway não é do melhor que o filme tem. Emily Blunt (convenientemente no papel de Emily) é um bom contraponto para Hathaway, Adrian Grenier e Simon Baker nos papeis de namorado descontente mas apaixonado e galã irresistível mas desadequado, respectivamente, também convencem, mas O Diabo veste Prada possui um dos melhores actores secundários da actualidade, Stanley Tucci. Tucci tem-se revelado em filmes menores, alguns inomináveis, como um actor de bagagem expressiva e emocional interessantes, com uma qualidade impressionante para o uso da ironia. Mais um Philip Seymour Hoffman escondido?

Se não consegue conceber cinema de qualidade para além da intelectualidade da profundidade, se entretenimento é o que se faz nas salas de espera de uma consulta, se Hollywood é exclusivo sinónimo de pipocas e risadas alarves ou acção desmedida, não veja este filme. Se gosta de cinema, se a representação é a base desta arte, se acredita que o ligeiro não significa o vazio, perca o seu tempo. Saiba à partida que esta adaptação do best-seller de Lauren Weisberger não é o filme da vida de ninguém. Mas alguns destes actores são.

Título: O Diabo veste Prada
Realizador: David Frenkel
Elenco: Meryl Streep, Anne Hathaway, Stanley Tucci, Emily Blunt, Gisele Bundchen, Adrien Grenier, Simon Baker, Tracie Thoms, Rich Sommer, Daniel Sunjata e Rebecca Mader.
E.U.A., 2006

Nota: 6/10

quinta-feira, outubro 26, 2006

Boys & Girls in America


“There are nights when i think that sal paradise was right. boys and girls in america have such a sad time together.
sucking off each other at the demonstrations.
making sure their makeup's straight.
crushing one another with collossal expectations
.dependent, undisciplined, sleeping late.”

Com estas palavras começa o novo cd dos muito norte-americanos The Hold Steady. Boys & Girls in America é o trabalho que 2006 nos traz desta banda. E este é, sem mais demoras, um cd sobre isso mesmo, sobre uma juventude vista pelos olhos de Craig Finns, vocalista da banda, e antigo membro dos Lifter Puller. Em Boys & Girls fala-se da América do cinema adolescente. Das festas académicas, das bebedeiras, deles, delas, essencialmente da noite dos mesmos.

A maior obra de Finn terá sido conseguir reunir todas estas músicas num cd que não soasse a banda-sonora de filme de domingo à tarde. Boys & Girls é um cd bastante maduro para os temas que apresenta. Sem pretensões algumas de pseudo-snobismos, recheia este cd, de um Rock muito clássico, de influências picelantes. Springsteen é o nome que vem imediatamente à baila. Algumas das bandas que fizeram o panorama adolescente nos últimos anos da América (Blink 182) relembram-nos que este cd não é Punk-Rock, mas percebe-se de onde veio.

Tudo começa com “Stuck Between Stations”, uma das músicas mais Springsteenianas, onde se promete logo à partida o que se irá dar. Muita guitarra. Muito piano. E bateria. “Chips Ahoy!” conta-nos como ele não consegue perceber a namorada em “How am i supposed to know that you're high, if you wont even dance?”. Abertura com contornos mais Punk traz “Hot Soft Light”, antes da semelhante “Same Kooks”. “First Night” acalma as coisas num tom mais baladeiro sobre os desencantos. “Party pit” é o retomar da festa constante em “I'm pretty sure we kissed./ gonna walk around and drink some more / gonna walk around and drink.”. Segue-se por entre “You can make him like you” até à boa música que é “Massive Nights”, resumo bastante sintético do que, afinal, se pretende com tudo isto: “everyone was funny and everyone was pretty. / everyone was coming towards the center of the city. / the dancefloor was crowded. the bathrooms were worse. / we kissed in your car and we drank from your purse.” “Citrus”, “Chillout tent” e “Southtown girls” compôem o ramalhete até à final, e muito boa, “Arms & Hearts”.

The Hold Steady a motrarem o prometido, Boys and girls in America.

Título: Boys & Girls in America
Autor: The Hold Steady

Nota: 6/10

terça-feira, outubro 24, 2006

The Eraser

“We think the same things at the same time
There are too many of us
So you can't count

I feel me slipping in and out of consciousness”

Vencedor do prémio de melhor artista nos Digital Musica Awards, The Eraser é o primeiro trabalho a solo de Thom Yorke, vocalista e principal figura dos britânicos Radiohead. Não tenhamos ilusões. Thom Yorke é o vocalista dos Radiohead. Não o renega, não o tenta disfarçar, não se descola de uma obra que é maioritariamente sua. E não só sua, é verdade. É também muito de Nigel Goodrich, o produtor que OKComputarizou os Radiohead. Mas não seja por isso. Nigel Goodrich também produz The Eraser.

Produz. The Eraser não é uma obra épica, um manifesto de bom gosto de Rock-progressivo e Electrónica como OK Computer. Estará, porventura, mais ligado a Hail to the Thief. Trata-se de um cd à imagem de Yorke. Discreto, como ele confessou desejá-lo. O primeiro trabalho desde Kid A em que Yorke parece conseguir desprender-se de algo que canta em “Atoms for Peace”: “No more talk about the old days / It's time for something great”. The Eraser não é o álbum de alguém conformado. É o álbum de alguém que já não precisa de gritar.

De facto, os Radiohead são um dos (senão a caminho de O) marcos mais respeitados da música contemporânea. Fruto da sua inegável criatividade e qualidade musical (Kid A, Ok Computer, Hail to the Thief) e da sua vertente intervencionista politica, ambiental e social. Assim, e não tendo uma personalidade exuberante e desmedida como grande parte do panorama musical britânico, Yorke oferece-nos o que muitos não esperariam. A sua intimidade. The Eraser é um disco intimista, um conjunto de canções e de melodias. Electrónicas, bem entendido.

Também ao contrário do que já aconteceu com os Radiohead, especialmente no inicio, guitarras são algo que é difícil ouvir neste cd. Mesmo um piano só será distinguível mais para o cair do pano da sequência de musicas. Um pouco de beatboxing, backvocals aqui e ali, e muito, muito trabalho de computador, de samples e trabalho à volta da Electrónica. Quanto às letras, o Thom Yorke de sempre. Irreverente, meio perdido. Entre o compreensível e o mundo dele, fica uma luta constante com a sociedade.

Tudo começa com "The Eraser", onde canta na sua voz cristalina: “The more you try to erase me, The more that I appear”. Sempre em torno da sua voz, que se torna o principal instrumento, segue-se “Analyse”, uma das melhores faixas, onde a nasalidade da sua voz remete a melodia para os tempos de músicas como “Lucky”. “The Clock”, “Black Swan” e ”Skip Divided” serão os temas menos conseguidos, ainda que o último contenha o que de melhor a voz de Yorke tem para oferecer, em arrancadas a ritmo imprevisível. “Atoms for Peace” é exercício melancólico onde se fala de grandeza e “And it rained all night” é rainha da assonância como confessa Yorke ao cantar: "So I give in to the rhythm“. Em "Harrowdown Hill" canta-se um exercício politico em que se diz ”Don't ask me, Ask the ministry”, na melhor faixa, com pormenores finais do melhor Radiohead. Tudo acaba com “Cymbal Rush”, despertar maquinal, onde a pureza da voz contrasta com a agressividade da modernidade.
Como diria o Y sobre Sérgio Godinho, “Irrepreensível, mas não memorável”.
Título: The Eraser
Autor: Thom Yorke
Nota: 7/10

sábado, outubro 21, 2006

Filme da Treta


Estranha sensação a de sair deste filme. Estranho, pela positiva, poder ver no cinema António Feio e José Pedro Gomes. Estranho, pela positiva, poder revê-los juntos. Estranho, de novo pela positiva, poder juntar a isto as presenças de Marco Horácio, Maria Rueff e José Raposo. Estranho, mas será talvez o aspecto mais positivo de todos, ver uma sala de cinema completamente repleta para ver cinema português. Estranho ainda, apesar disto tudo, a sensação de desilusão face a tudo isto.

Filme da Treta, realizado por José Sacramento (Autor da curta-metragem de 2000, Olhó passarinho) foi visto por mais de 51 mil pessoas no primeiro fim-de-semana de exibição. Tal facto é, por si só, louvável. Como tive oportunidade de referir aquando da análise a Transe, o cinema português torna-se (ou será que sempre assim o foi?) um compadrio de autores, cuja meritoriedade estética e histórica não está posta em causa, mas cuja aptência para perceber e se empatizar com o público escasseia.

Vão valendo, para que o cinema visto em Portugal não se limite ao box-office ditatorial de Hollywood, casos raros como o surgimento de um Marco Martins e a sua Alice, um ou outro Imortais e, infelizmente, estas megas produções apoiadas pela SIC. Contudo, é de louvar quer n’O crime do Padre Amaro quer neste Filme da Treta, a percepção das necessidades de um público (sem) alvo, que originam uma maior afluência. Esperemos que estas boas atitudes possam ser utilizadas com um pouco mais de conteúdo e exigência cinematográfica, para bem do cinema português.

Posto tudo isto, resta Filme da Treta. Com argumento de Filipe Homem Fonseca e Eduardo Madeira, o filme não é mais que uma projecção da conhecida rábula de José Pedro Gomes e António Feio para a tela. Se é verdade que em rádio funcionava maravilhosamente e que em palco era hilariante, numa passagem para o cinema esperava-se que se tivesse em conta isso mesmo, que se estava a fazer um filme, que um filme não é uma peça de teatro. Exige por norma uma história melhor delineada (já que o improviso, uma das grandes armas em palco, morre com os vários takes do cinema), uma maior cuidado na fotografia e algumas diferenças em termos de guião.

Filme da Treta mantém o mesmo tipo de humor, mantém a química entre os dois grandes actores, mantém alguns skectches e gags bem conseguidos, mas esgota-se nisso mesmo. Um filme sem história, onde tudo parece ser uma oportunidade para encaixar uma nova piada. Ainda assim, apesar do muito que o filme fica a dever à categoria de filme, mais uma oportunidade para ver dois dos melhores actores de humor da sua geração (a par de Miguel Guilherme). Para quem recentemente viu 2 Amores, no Teatro Villaret (revisto neste blog por Ensaio), Filme da Treta só pode ter um ensonso sabor a muito pouco.

Título: Filme da Treta
Realizador: José Sacramento
Elenco: António Feio, José Pedro Gomes, Maria Rueff, Marco Horácio, José Raposo, António Melo, Joaquim Nicolau e Rui Paulo.
Portugal, 2006

Nota: 5/10

sexta-feira, outubro 20, 2006

Rafael

"É um livro sobre o exílio, onde encontramos uma transposição do que é vivido para o que é escrito, em que não é possível distinguir o que é real do que é ficção. Verdadeiros poemas em prosa, contam um sonho de liberdade e de regresso à pátria, vivido e escrito com sangue"
José Augusto Seabra

Duas ideias a reter desta descrição de José Augusto Seabra do livro Rafael do seu amigo Manuel Alegre. Remonta a 2004 esta frase, altura da apresentação do livro no Porto, onde foi propósito de um reunião de antigos lutadores contra a opressão fascista. Primeiro, a impossibilidade de distinguir o real da ficção. Segundo, a ideia do poema em prosa.

Assim é, de facto, Rafael, livro memorialista, meio ficção, meio documento histórico a reter. Rafael em homenagem à Utopia de Thomas More, onde um marinheiro português do mesmo nome apresenta a ideia de uma ilha utópica. É desta ilha que se fala no livro, directa ou indirectamente. Da construção de um sonho em volta da possibilidade de um país que, à altura, o não era. Da desconstrução de um ideal face aos desenvolvimentos políticos do mundo.

Um livro passado na segunda metade do século XX e que, como tal, é um bom meio de apresentação à época. Bom no registo histórico, bom no debate ideológico que se viva na altura, especialmente entre a comunidade portuguesa exilada. Bom também nisso mesmo, no retrato dos exilados, os de dentro do lado de fora, o lado da luta em Paris, Praga, Argel.

Voltando a José Augusto Seabra, torna-se difícil, face à biografia de Manuel Alegre, não confundir o Rafael, exilado em Argel, lutador, sonhador, resistente ao regime e a qualquer tipo de ditatorialismo, com o Manuel, exilado em Argel, lutador, sonhador, resistente ao regime e a qualquer tipo de ditatorialismo. Mesmo Manuel Alegre, ao longo do livro, voluntariamente, parece ter essa dificuldade. Nada que cause estranheza nem que minimize o valor desta ficção autobiograficamente histórica.

Quanto aos poemas em prosa, como lhes chama Augusto Seabra, o contrário não seria de esperar de um escritor que se destacou, maioritariamente, pela poesia. Dividido em vários trechos de pequenas dimensões, o livro avança com a sua história por entre confissões pessoais, problemas amorosos, lutas partidárias e referências geográficas. Para além da estrutura, também a escrita de Manuel Alegre não dispensa a melodia e a dedicação do poema. Um livro com excelentes referências históricas que reconta os eventos da luta anti-fascista pelos olhos de um lado ainda mal explorado pela literatura portuguesa, os exilados.
Título: Rafael
Autor: Manuel Alegre
Nota: 6/10

quarta-feira, outubro 18, 2006

You Should Go Ahead


Sem ponta de parcialidade, fechando os olhos e esquecendo que os You Should Go Ahead (YSGA) são do meu país e coabitam comigo na capital, apetece dizer que o álbum homónimo da banda, lançado em Maio deste ano, é apenas razoável. Não me interpretem mal: dá prazer escutá-lo. Para quem gosta de rock e faz frequentemente uma certa refinação do gosto, este disco tem as suas particularidades – a introdução de elementos típicos do punk, a domesticação desses mesmos atributos pela ambiência pop, uma ou outra disrupção sónica, aqui e ali os Franz Ferdinand e em quase toda a parte os Sonic Youth -, mas provavelmente peca por falta de uma sonoridade global que conquiste e convença que se está a ouvir algo pela primeira vez.

Toda a gente anda às voltas com alguma coisa, mas alguns não sabem o que hão-de fazer com esse Cérbero que é a originalidade. Uns dizem que a criatura já morreu e portanto nada guarda. No entanto, desenganem-se, pois o monstro está cada vez mais inteligente. Os YSGA sabem ao que vêm e brandem com naturalidade as suas influências via myspace (The Chameleons, Duran Duran, Sonic Youth, The Cure, Killing Joke e Talking Heads), sem pejo algum. E fazem bem. Assim haverá um público leal disposto a descobrir essas subtilezas só deles.

Entretanto lembrei-me que nesta terra parece existir rock com sangue novo, ligando os Loosers, os Vicious Five, os Green Machine e os Frango, entre outros. Ouvindo algum deste rock percebe-se que os YSGA têm o seu lugar e se uma compilação saísse imortalizando estes grupos, temas como Alien Discotheque, Like When I Was Seventeen e Wake Up Song não estragariam o alinhamento, embora 2 Dias e Seventy One fossem faixas a evitar.

Num ano de boa colheita, os YSGA são banda a não esquecer. Espera-se pelo próximo álbum e por algo de novo a juntar ao que já têm de bom.

www.myspace.com/ysga

Nota: 6/10

terça-feira, outubro 17, 2006

Primeiro as Senhoras

“Arrasa. O que posso dizer da pergunta do senhor Inspector é apenas isso: arrasa. Com efeito, abadonei o meu carro a cem metros da Igreja dos Prazeres, aonde me desloquei para o velório do Gaspar Olívio Ripas, que afinal era outro Gaspar Olívio Ripas, e consolar a Marilinha Misse, se fosse o caso. Ao dito carro não voltei porque me raptaram com sequestro de nove dias. Realmente, como se explica que a viatura fosse vista três madrugadas depois, vazia e sossegada, à porta do Bar Afunda?
Respondo: daquele carro tudo se pode esperar.”


Vem dar pelo nome de Primeiro as Senhoras – Relato do último bom malandro o mais recente livro de Mário Zambujal. Mais conhecido nas lides jornalísticas, onde conta com participações em vários jornais, desde A bola ao Diário de Notícias, passando pelo Tal & Qual, Mário Zambujal entra de rompante no mundo editorial literário com o bem-disposto Crónica dos Bons Malandros, no início da década de 80. Pelo meio, até 2006, três obras até chegarmos a este Primeiro as Senhoras.

Como diz a sinopse do próprio livro, “Primeiro as Senhoras não é uma continuação da obra Crónica dos Bons Malandros”. De facto, a história que compõe este exercício de humor não é uma sequência desse livro. Contudo, será uma sequência quanto ao tipo de leitor visado e tipo de texto. Apesar de uns furos abaixo do seu primeiro best-seller, Zambujal insiste no bom-humor e na capacidade de síntese de personagens populares.

Edgar é a personagem central desta história, senão mesmo a única. Narrador exclusivo do enredo, é pela sua boca que vamos tendo conhecimento das aventuras e desventuras do próprio, dos que o rodeiam e, sem espanto, dos que não o rodeiam também, num prolongar de gags e contos que desnorteiam qualquer um. Desnorteado ficará o Inpector a quem todo este diálogo se dirige, que, apesar de sempre presente, nunca fala. Muitas das vezes porque a fluência de Edgar não lho permite.

São história de juventude cruzadas com memórias de conquistas cruzadas com o policial base, o “rapto, alegado rapto, digamos” de Edgar, que chega à Polícia após nove dias de cativeiro, alegado cativeiro, digamos. É por entre estas histórias, e ainda outras, que Zambujal descreve o último dos bons malandros. Com humor, neologismos e uma fiel descrição dos traços gerais de muitas personagens da vida popular portuguesa.

Um livro com sentido de humor, mas que mesmo assim não escapa à sombra de Crónica dos Bons Malandros. Para além disso, um livro eminentemente escasso, onde a história por vezes não convence e parece ser apenas mais um pretexto para um gag. Não fosse isto encaixar relativamente bem na personagem principal e as falhas fariam mais estragos ao (pequeno) livro. Umas (poucas) horas de boa-disposição e uma possível fonte de monólogos teatrais.

Título: Primeiro as Senhoras
Autor: Mário Zambujal

Nota: 6/10

domingo, outubro 15, 2006

Comida no Maria Matos


Hoje é o dia que marca o fim da rentrée, depois do Verão, do Teatro Municipal Maria Matos. The Pillow Man e Comida foram as apostas de qualidade para o sucesso dos meses de Setembro e Outubro. Sobre a primeira peça de teatro já escrevi duas críticas onde procurei expressar a minha admiração pelo espectáculo. Aproveito a oportunidade para escrever sobre Comida (podia fazer agora um gracejo com um prato de culinária, mas não é esse o meu propósito).
Comida é um monólogo que gira em torno de pequenos trocadilhos bastante subtis que se tornam mais presentes à medida que caminham para o fim. Esses trocadilhos provocam-nos risos pela consciência que nos impõem das inúmeras interpretações que pode ter uma única frase. Miguel Castro Caldas parte de alguns bons exemplos e cria um monólogo divertido e simultaneamente denso. Aliás, a palavra que melhor descreve o estado de espírito do espectador é: concentrado. Torna-se mentalmente cansativo acompanhar o estonteante ritmo de Gonçalo Waddington, o intérprete e encenador. Impressionante a forma como Gonçalo se apresenta no andar de cima do teatro meia hora depois de protagonizar uma peça de teatro tão exigente com The Pillow Man. Extremamente relaxado, Gonçalo demonstra mais uma vez que é um actor de eleição e um notável contador de histórias.
Esta representação teve lugar no mm Café que é um espaço aberto ao público em geral (não é preciso assistir a um espectáculo para o frequentar) e impõe-nos a vontade de regressar muitas vezes. Na sexta-feira passada, estava sentado ao meu lado o Diogo Infante (Director Artístico) e foi notório o seu entusiasmo com a elevada afluência de público no Teatro, ou a assistir a peça The Pillow Man ou a frequentar o mm Café. E como eu não me canso de aplaudir os profissionais que elevam os padrões da arte nacional, felicito o Diogo Infante pelo extraordinário trabalho que tem desempenhado como director artístico.

sábado, outubro 14, 2006

Prateleira #6 - Dookie

“I got no motivation
Where is my motivation?
No time for motivation
Smoking my inspiration
Sit around and watch the phone
But no one's calling
Call me pathetic call me what you will
My mother says to get a job
But she don't like the one she's got
When masturbation's lost it's fun
you're fucking lonely” em "Longview"

Recapitulemos. Em 1991, dá-se o culminar de um processo à muito anunciado. O Grunge. Torna-se oficial com o lançamento de Nevermind e Ten que o mercado está tomado de assalto. Cabelo comprido, jeans rasgados e, em suma, um ar desgrenhado são a moda para a juventude desses anos. Eddie Vedder e, principalmente, Kurt Cobain são os opinion-makers de uma juventude que se quer, paradoxalmente, iconoclasta, irreverente e revoltada com a sociedade. É o Grunge.

1991 é apenas o ano de consumação oficial perante a comunidade musical internacional. A mistura do hard-rock com as influências mais locais de Otis Reding ou Jeff Buckley levam a uma sonoridade que não se afasta muito do Rock mas que pela sua força, pelo contexto em que surgiu e pelas consequências que teve ganhou estatuto de género próprio. Dois anos depois, o Grunge está mais perto daquilo a que se convencionou apelidar de Pós-Grunge do que se imagina. Uma faceta mais melancólica e sombria paira em todos os álbuns do género, os Pearl Jam tornam-se cada vez menos ruidosos e os Nirvana caminham sem o saberem para o fim.

Em 1994, os Green Day vêm provar que a música, como a conhecemos nos meandros abrangentes da Pop-Rock, é um fenómeno cíclico. Este será o ano da grande mudança, pleno de simbologias. Os Nirvana editam MTV Unplugged in New York, o seu genial canto do cisne; os Pearl Jam editam Vitalogy (onde pontuam o genial “Corduroy” e o clássico “Betterman”); e, a 5 de Abril, Kurt Cobain é declarado morto. O mundo mudou. Há uma nova geração de adolescentes a despontar que exige música à altura da sua rebeldia. Há preocupações diferentes nesta geração. A falta de preocupações. Intencionalmente. 1994, o ano da morte de Kurt Cobain.

Entretanto, a editora Reprise repesca uns conceituados (no panorama punk, mas ainda relativamente desconhecidos do grande público) Green Day à Lookout e estes lançam Dookie. Pegam em Longview e fazem dele um sucesso de televisão e rádio. Os Green Day são os next big thing da MTV. Mas Dookie é mais que isso. Com este cd, os Green Day vêm marcar uma posição, uma atitude geracional que se prolonga ainda hoje, à espera de um 1994 que destrone o punk-rock da cadeira do trono.

Dookie é um cd, uma vez mais é à medida de Ten, geracional. Uma geração apolítica, desligada de tudo, narcisista, egocêntrica. Tudo isto conscientemente. A grande resposta à sociedade não é marginalizar-se, não é gritar, não é mudá-la. É viver dentro dela, ignorando-a. Pegando em muitas das duas atitudes e conceitos, esta geração revê-se na geração Punk de finais de 70’s. Conceptualmente, assim nasce o Punk-Rock, ou como alguns gostam de lhe chamar, o Punk-Pop.

Musicalmente, isto são também os Green Day. Contudo, apesar das semelhanças com a banda de Sid Vicious e com os The Clash, o Punk dos Green Day bebe mais dos ingleses Buzzcocks. Os Green Day soam a Buzzcocks que sabem que já houve Grunge. Músicas com a sonoridade de "Orgasm Addict", mas com mais bateria e mais desânimo. Letras afirmadamente adolescentes, sem teor político, com o gosto pelo choque com o estabelecido e o convencional. Letras que descrevem o quotidiano banal da América teenager e que tentam mostrar a deprimência dessa realidade, a banalidade.

O melhor do cd será isso mesmo. A proximidade e facilidade melódica dos refrões e das músicas em geral, o despretensiosismo quer do som quer das letras, como ponto de ruptura com o snobismo musical da cena melancólica pós-grunge. Ainda assim, Dookie é um álbum repleto de humor e sarcasmo face a uma sociedade cheia de desemprego, solidão e falsos valores. O cd começa num tom constante que parece apenas querer levar a “Longview”, a quarta faixa, hino frenético sobre masturbação e solidão. Um hino desencantado que, por altura do refrão, ganha energia para explodir de descontentamento. Segue-se outro clássico, “Welcome to Paradise”. Ligeiramente mais guitarreiro, mais rockeiro, ilustra a versão irónica da banda, onde se canta: “I want to take you through a wasteland / That I like to call my home / Welcome to Paradise”.
Saltamos “Pulling Teeth” e chegamos a outro dos grandes clássicos do cd. “I am one of those / Melodramatic fools / Neurotic to the bone / No doubt about it” é a honestidade neste agressivo composto punk onde pontua o narcisismo, a necessidade de expressão centrada no eu que é "Basket Case". Segue-se “She”, com início de falsa balada num exercício claustrofóbico que remete para “O grito” de Munch. Segue-se sempre no mesmo tom por “Sassafras Roots” até a outro clássico. “When I come around”, pleno de vitalidade e força, novo hino intemporal nos charts do Punk-Rock. Uma parte final ligeiramente mais fraca até chegar a "F.O.D.", a que depois se seguirá uma faixa bónus.

Muitos diriam que os Green Day, enquanto banda Punk se venderam em 1994. Para os puritanos do Punk, talvez. Para o resto do mundo foi a assunção de uma nova realidade musical que hoje discute com os Coldplay a sucessão aos U2 no trono de maior banda do momento. Pela voz de Billie Joe Armstrong, tiraram o Punk do baú e deram-no às massas, abrindo lugar a bandas posteriores de grande impacto como os Blink 182. Em Dookie têm o seu melhor momento. O menos comercial, o menos dirigido à MTV, ao mercado, o mais virado para a música enquanto música. Música imortal com a duração de uma juventude.

Título: Dookie
Autor: Green Day

Nota: 9/10

quarta-feira, outubro 11, 2006

O Código de bem escrever

Belbo, Diotallevi e Casaubon conheceram-se no período revolucionário estudantil dos anos 6o e, anos mais tarde, reúnem-se através de uma editora para um projecto de edições literárias sobre o misticismo e ocultismo criados à volta da história dos templários. É pelos olhos do doutorado Casaubon que vamos sendo informados dos acontecimentos, nem sempre de forma linear, dos três editores. Envolvendo-se no tema de forma mais pessoal do que deveriam, os três vão desenvolvendo uma teoria por entre toda a informação cruzada que recebem de textos de época e de escritores fascinados pela história da Ordem. É assim que criam O Plano.

Esta será uma sinopse de O pêndulo de Foucault, de Umberto Eco. O que esta sinopse, e outras, escondem é o complexo pensamento revertido de Umberto Eco, para além da sua perfeccionista cultura. Se a última é por demais conhecida, quer pelos seus vários ensaios quer pelo seu trabalho enquanto semiologista, o que esperar do processo de escrita de Eco depois de O nome da rosa? Em O pêndulo de Foucault, Eco volta a surpreender-nos, desta feita pelas inversões que faz da história. Se em O nome da rosa nos inquietávamos, apesar da cultura medieval subjacente, como num policial de Agatha Christie; neste caso tentamos perceber, com o que nos vai sendo dado, a veracidade desta teia de conspirações que os intervenientes vão tecendo.

Uma vez mais, Eco mostra que há um propósito para além da mera demonstração de cultura, embora esta fosse suficiente. O pêndulo de Foucault, como livro de ficção que embarcasse no tema das conspirações sobre a história dos templários, da maçonaria e do Graal, seria facilmente superior a qualquer um. Pelas bases históricas que apresenta, ao nível dos textos citados, pela coerência e profundidade da escrita e pela forma como os temas estão expostos e aprofundados. Contudo, o livro não se resume, como os outros, a isso. Bem ao estilo de Eco, há algo mais.

O pêndulo de Foucault é um livro sobre a crença desmedida, sobre a necessidade do homem de acreditar no oculto, em algo mais do que nas coincidências e o óbvio. É um livro sobre como três homens conseguem facilmente encher as medidas a todos os paranóicos desesperados por uma teoria bem urdida. Invertendo o conceito, hoje em dia generalizado, de que há conspirações e grupos secretos que moldam a sociedade das suas catacumbas, Eco questiona a nossa capacidade racional de enfrentar a nossa necessidade de algo grandioso e oculto. Eco apresenta ainda, apesar de pecar por vezes pelo excesso de erudição que afastará algum público, um muito bom resumo para alguém interessado em iniciar-se na história dos templários, da maçonaria e de mais algumas ordens secretas.

Por último, O pêndulo de Foucault é uma lição para toda a panóplia de livros místicos que povoa as livrarias portuguesas. Inclusive, e especialmente, para o Código da Vinci. Umberto Eco mostra como bem escrever, como bem pensar e como fugir ao óbvio. Mostra como tecer uma boa história, corroborada pela coerência histórica e lógica, mantida pelo interesse narrativo de um policial. Uma leitura que não será tão fácil, mas que se demonstrará, sem dúvida, mais proveitosa. Em suma, um romance histórico que não apela a ser lido na praia e de forma light, mas sim ao uso desse bem inestimável, o pensamento.

Título: O pêndulo de Foucault
Autor: Umberto Eco

Nota: 7/10

terça-feira, outubro 10, 2006

The Pillow Man (II)


Hoje quando releio a crítica que fiz à peça de teatro The Pillow Man http://criticaartistica.blogspot.com/2006/09/pillow-man.html fico com a clara sensação que é indubitavelmente escassa. Limitei-me a analisar a perfeição da forma. No entanto, a perfeição maior do espectáculo é a do conteúdo. Foi a viagem mais longínqua que eu percorri enquanto espectador de teatro.
O teatro foi me ensinado como uma viagem. Eu procuro percorre-la sempre que entro num auditório. Mas só na sexta-feira, quando assisti a O Assobio da Cobra me apercebi que fazia sempre esta viagem. Fez-me falta ser atirado para o escuro onde existe um árduo e entretido percurso para atingir a luz. Identicamente, foi depois de O Assobio da Cobra que descobri a extensão da distância percorrida em The Pillow Man.
O escuro em The Pillow Man é assustadoramente vasto. É primordial largar a nossa verdade para embarcarmos. E para começar a caminhar rumo à luz é preciso deambular muito. Stanislavsky defendeu a ideia de que o actor para desempenhar uma personagem definida por uma série de sentimentos/situações externas a si, terá que reflectir sobre as suas reacções a sentimentos/situações que tenha vivido, transportando-as por analogia, para as problemáticas da sua nova personagem. Martin McDonagh faz da tese de Stanislavsky a base para o seu texto e, exige que os espectadores façam uma analogia semelhante. A acção passa-se num regime totalitário. Eu (felizmente) sou suficientemente novo para nunca ter vivido em nenhum. Fisicamente desenrola-se num estabelecimento prisional. Eu (felizmente) nunca fui “convidado” a entrar num. A personagem principal escreve contos encantadores na forma e inquietantes no conteúdo dos quais não se quer desfazer. Eu (infelizmente) não tenho imaginação para tal. A personagem principal tem um irmão com um atraso mental. Eu (felizmente) não tenho qualquer familiar em situação similar. Alguém comete uma séria de crimes hediondos. Eu (felizmente) nunca fui possuído pelo diabo. Contudo, eu e as pessoas que padecem das mesmas limitações conseguimos, na plateia do Maria Matos, perceber o que é viver sem liberdade, ser acusado injustamente, ter um bem que não queremos destruído…
O corolário da escrita de McDonagh afirma-se na história aparentemente absurda mas que analogamente apela às sensações constantes da nossa vida.
À descrição anterior conjuga-se o primor da interpretação. Gonçalo Waddington domina a arte como um mestre com dezenas de anos de experiência. Adapta-se facilmente aos sentimentos impostos e expressa-os pela sua fisionomia de camaleão. Consegue dar-nos socos no estômago com a ternura de quem nos conta um conto infantil. Marco D’Almeida, personificando um irmão mais velho com um atraso mental que se traduz numa genuína infantilidade, transcende toda a inquietude que alimenta a história. E transcende a perfeição que terá exigido a si próprio.
Sabendo do risco que corro, declaro convictamente que The Pillow Man é quase de certeza a melhor peça de teatro de 2006. Parabéns ao Tiago Guedes (encenador) e ao Diogo Infante (Director Artístico de o Teatro Municipal Maria Matos).
Atenção! Dia 15 de Outubro de 2006 é a última oportunidade para não perderem o imperdível.

segunda-feira, outubro 09, 2006

O Assobio da Cobra


Em encarnado, de caligrafia desenhada e suspensa no palco de São Luiz, a expressão Da Cobra intitula o cabaret montado na sala do Chiado. Os músicos, presos ao fundo, projectam as músicas de Manuel Paulo (presente ao piano) acompanhados por uma personagem de ocasião. Os panos cor-de-vinho caem criando espaços próprios de Cabaret: um balcão de bar, pequeno para não perturbar as coreografias; uma ampla zona de mesas e cadeiras onde as personagens deambulam sincronizadamente ao ritmo da banda sonora; três portas de casa-de-banho que são abertas sempre que uma personagem procura refúgio dos seus medos; e um espelho que reflecte o presente, viaja no passado e desmascara sonhos.
Está apresentado o cenário do musical O Assobio Da Cobra. A ideia partiu das tais músicas de Manuel Paulo, junta-se um pequeno texto martelado com muita força, contrata-se bons actores e temos um Musical! Ou um concerto? É que para cada 3 minutos de música há uma cena de 2 minutos com 30 segundos de acção. Desculpem o exagero mas este musical é exageradamente cantado. Certas músicas perdem visibilidade na hiperbólica melancolia do Cabaret em detrimento da paixão à energia nocturna. Os mochos em palco não têm qualquer convicção ao expressarem o seu prazer de viver sob a luz da lua.
Ao comprar um bilhete para o teatro (neste caso musical) sou persuadido por algumas certezas que garantem qualidade ao espectáculo. Actores, autor, encenador, elogios da crítica são variáveis sempre por mim equacionadas. E quando estou fisicamente na plateia espero ser levitado para algo mentalmente além de mim. Em O Assobio da Cobra nada há para além das certezas, não há qualquer viagem. Ou melhor, há a convicção de que as certezas são boas. Diogo Infante, Isabel Abreu, João Reis e Pedro Laginha são sem dúvida bons actores e cantam(!).

domingo, outubro 08, 2006

Jardim britânico

A dupla britânica volta ao mercado com um novo álbum de originais, “The garden” que é o terceiro álbum dos Zero 7, formado por Henry Binns e Sam Hardake, que conta com participações especiais de Sia Furler (que já havia colaborado com o grupo nos discos anteriores) e o cantor sueco José Gonzalez.

“The garden” junta-se a “simple things” editado em 2001 e a “when it falls” de 2004. O grupo volta a apostar a temas melódicos, acústicas com um misto de electrónica, que são as grandes características da dupla. Porem, se comparar-mos a “simple things” (o primeiro), destaca-se a presença da voz na maioria dos temas, o que alias seria de esperar dado às participações especiais que já referi. Torna-se fácil de ouvir e de gostar, mas também fácil de provocar saudades de “simple things”

Para single de lançamento escolheram “Throw it all away” um tema que, embora comercial, como seria de esperar, não é o melhor do “The garden”.

“The Garden”, Zero 7
Warner/Farol, 2006

Transe

“Como é que te chamas?
Não digo.
Como é que vieste aqui parar?
Não sei.”

“A Sónia é uma personagem que se vira do avesso: podem vender o seu corpo, trocá-la por armas e por cavalos, mas ela não se perde por dentro. Os russos já passaram por muito. Têm uma força própria, como se pudessem resistir a tudo.”

Ana Moreira, in Y

Dizer que Ana Moreira protagoniza em Transe uma das melhores interpretações da história do cinema português, chega a ser um insulto para a própria. Ana Moreira é, com Sónia, o momento mais alto da interpretação cinematográfica feminina portuguesa. Teresa Villaverde é como um treinador que cedo se apercebe que para a equipa funcionar, o esquema tem de ser desenhado para que tudo jogue para o seu melhor jogador. Ana Moreira é o seu trunfo. Com todos os erros que pode ter cometido, Teresa Villaverde soube explorá-lo.

Woody Allen abusou do corpo de Johanson, Mónica Bellucci vê não raras vezes o seu corpo ser o seu rosto, como em Malena, Ana Moreira não precisa de mostrar o dramatismo do seu corpo, embora o mostre, para ser expressiva. Faltam adjectivos que consigam caracterizar a emoção da falta de emoção que os seus traços sugerem. Como da primeira vez que é violada no filme. O calor do violador e o contraste do seu corpo, que é a sua cara, os seus olhos. Será assim ao longo de filme onde Sónia nunca sorri, nunca deixa antever um momento de felicidade, um pequeno pormenor. Tudo em Sónia é um transe de tristeza, uma desilusão com a vida que não sonhou nem quis.

Sónia também não chora. Pelo menos por fora. Amordaçada por si própria, fruto da mágoa de alguém que já não sonhou muito, mas conseguiu receber pior, Sónia vai sendo molestada, violada, humilhada, vendida. Transe é mais a história de uma mulher do que da prostituição. Menos uma metáfora doentiamente dolorosa sobre a prostituição do que a memória de que cada mulher é uma mulher e esta foi obrigada a deixar de o ser. Sónia é uma mulher que nunca teve possibilidades de ser feliz. Infeliz na sua Rússia, entra numa espiral da qual não há fuga possível a partir do momento em que decide emigrar. Quando todos à sua volta são apenas mais um rosto da podridão que a tenta arrastar para o seu lodo, Sónia não se refugia em ninguém, simplesmente porque esse alguém não existe.

Transe, apetece dizer, é um filme que só podia português. Apesar de filmado na Rússia, Alemanha e. em parte, Portugal, Transe traz o que de mais típico o cinema português oferece. A paixão desmesurada pela poesia do momento, da paisagem e da quietude. Como tal, Transe é um paradigma do género. Se em determinadas cenas os planos mais lentos são o mote para criar uma empatia de tristeza com o espectador (como o sejam o degelo inicial ou a cena da cadeira no bordel italiano), noutros é apenas um desgastante e penoso arrastar de uma cena que, por isso mesmo, perde a força que trazia (como as constantes paisagens ou a longa percepção de que alguém se aproxima do carro).

Teresa Villaverde consegue ainda recriar com mestria, e sem a desnecessária brutalidade física, o ambiente sufocante e provinciano do bordel, aqui em versão italiana (ainda que gravado em Portugal), passando ainda por uma versão mais privada da prostituição, num exercício do surreal, onde uma encarnação do ego e da possessão se torna seu dono. Para além disso, e tornando-se inevitável voltar a Ana Moreira, já que é dela o filme, incrível a capacidade de adaptação de uma Ana Moreira que um ano antes do filme começar iniciava estudos de Italiano e Russo que, a par do português, fala fluentemente no filme.

Um filme notoriamente português, que consegue fugir à sua faceta informativa e revoltada face a uma realidade obscura que quer expor. Talvez por saber que já todos têm conhecimento dela. Opta assim por se centrar na individualidade dos “objectos” que realmente sofrem com essa realidade. As mulheres, as Sónias. Com excessos de onirismo e poesia, de grandes planos (exceptuando tudo o que envolva o rosto de Ana Moreira), Transe aventura-se seriamente para os terrenos de melhor filme português do ano.

Título: Transe
Realizador: Teresa Villaverde
Elenco: Ana Moreira, Viktor Rakov, Iaia Forte, Tim, Pedro Giestas, Robinson Stévenin, Dinara Droukarova, Andrey Chadov e Tim Filippo Timi.
Portugal, Rússia, Alemanha, 2006.

Nota: 7/10

sábado, outubro 07, 2006

FutureSex/LoveSounds




Mais do que repetidamente mencionar as etapas da ascensão de Justin Timberlake ao estrelato (num esquema: Clube do Rato Mickey – ‘N Sync – Britney Spears – carreira a solo), importa notar que, embora separados por décadas e com magnitudes diferentes, Michael Jackson e Justin partilham a mesma conquista precoce da fama e dos seus efeitos possivelmente devastadores. Nuns resultará mesmo na adopção de extravagâncias e hábitos questionáveis, estética ou moralmente, mas noutros criará uma pressão simultaneamente externa e interna para alcançar grandes feitos. Ser-se um astro nos Jackson Five ou apresentador do Clube do Rato Mickey quando ainda se tem pouco mais de um metro de altura não é marca que moleste, mas permanecer-se no firmamento e atingir-se a maioridade preso ao éter deixará as suas mazelas. Em Justin (e pudessem todas as feridas ser assim) nasceu um sentimento de dever, um propósito: tornar-se um ícone intemporal da pop.

Será cada vez mais difícil atingir-se esse estatuto. À medida que o tempo passa e as artes evoluem, designadamente a sua relação com a indústria e o público, – abalroada desde há uns anos a esta parte pelo fenómeno da internet – acentua-se a tendência do surgimento de proto-estrelas que instantaneamente se reconhecem como passageiras, e somem. Desdramatizando, não se pode dizer com rigor que desapareçam, embora a sua presença frequentemente se limite a pressões editoriais ou à manutenção de nichos de mercado. E há agora um efeito inverso que talvez tenha reposto uma certa justiça em todo este processo: certos artistas conquistam notoriedade via internet (cada vez mais via myspace) antes de assinarem contrato discográfico. Algum do poder de escolha fugiu à indústria.

Interrompendo a divagação, serve o abordado para entender o que se passará na cabeça de alguns dos que pretendam esse máximo posto, o trono. Com tanta competição e com o inevitável esbatimento das fronteiras que vigoraram até finais da década de 90, frente a este mercado confuso quando tenta novamente pensar em underground ou mainstream, não restam muitas alternativas. Há que abraçar o utilitarismo, ser-se hedonista quanto baste e arranjar a melhor companhia. Traduzindo, a tarefa é conviver com bons produtores e criadores à espera que um deles dê uma ajuda e componha.

Justin é mestre na fórmula. Em Justified, álbum de estreia, colaborou com os Neptunes e com Timbaland, resultando num disco desequilibrado mas com uns 3 ou 4 êxitos monumentais, que durante o anos de 2002 e 2003 invadiram os nossos lares. Em FutureSex/LoveSounds, Justin abandona o solarengo pulsar rítmico dos Neptunes e recicla a sua temática preferida (a do amor), versando sobre um renovado mistério associado ao sexo e ao prazer. Em termos de produção, isto significa optar por Timbaland, actualmente empenhadíssimo em deixar uma impressão digital sua em tudo o que seja libidinoso. O produtor norte-americano, outrora cúmplice de Missy Elliott, anda enamorado com os seus sintetizadores, e continua a produzir as bases rítmicas e linhas de baixo apenas suficientes para sustentar aqueles loops lânguidos. Escutando as 5 primeiras faixas, não há como recusar: a execução é óptima. Há uma grande harmonia entre as melodias, as letras, os ritmos e, essencialmente, a sensualidade; há a fuga à ditadura dos 3 minutos por música no universo pop (tal como as restantes); até se encontra uma data de subtilezas como pequenas distorções, ecos e arrastamentos, inéditas nesta abundância em Timbaland. A pista que dá o nome ao álbum é a melhor declaração de princípios que um gigante da pop faz em anos. “SexyBack”, enfim, é quase tolo escrever sobre ela, visto que é ostensivamente uma encenação sobre os mecanismos não explícitos do sexo. “My Love” deu certamente algum trabalho a compor, pois é como que uma balada retalhada até parecer uma música com o metrónomo acelerado. “LoveStoned” parece roubada aos Neptunes, e é uma celebração do ritmo.

Depois disto, e embora ainda haja uma inesperada “Chop Up” a piscar o olho ao crunk, uma “Summer Love” com Timbaland dos tempos modernos e 0 Justin de antigamente em simbiose e um tributo a Prince (“Damn Girl”), o álbum inexplicavelmente deixa-se arrastar para o entediante planeta da superprodução e do défice criativo. Melodias fracas, uma canção insuportável - “(Another Song) all over again” – e até um coro vagamente religioso (“Losing My Way”). O que podia ser um perfeito álbum pop, na esteira de outros de Prince e Michael Jackson em décadas anteriores, acaba por ser apenas bom. Justin e Timbaland, a meio do caminho, desviaram-se do caminho que seguiam e esqueceram-se que num álbum pop e conceptual o conceito (neste caso, sexo) tem de acompanhar todos os minutos da audição.
Nota: 7/10

quinta-feira, outubro 05, 2006

Anjos e Demónios

Segundo livro editado em Portugal da autoria de Dan Brown, apesar de publicado pela primeira vez em 2000 e de escrito antes de O Código Da Vinci, Anjos e Demónios é, apenas, mais um livro de Dan Brown, como o serão todos enquanto o escritor insistir em escrever guiões em vez de livros, e em repetir a mesma estrutura ad nauseum.

Mais uma vez, volta-se a louvar Dan Brown por uma escrita light, mas não inócua, uma habilidade no processo de escrita que lhe permite escrever um policial histórico fundamentado, com um ritmo rápido e box-office. Mais uma vez, ainda, louva-se alguns temas que volta a trazer para a esfera do pensamento colectivo, de novo sobre o papel da Igreja e, neste caso, da fé.

O que não se pode louvar é esta estupidificação de quem lê, esta falta de imaginação literária, onde as histórias, os momentos, os romances, os intervenientes, o modus operandi, tudo se repete, sem novidade nem surpresa, ao ritmo de curiosidades históricas e corridas para salvar o mundo.

Leonardo Vetra é um físico do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire), que se divide entre o amor a Deus e o amor à Ciência. Da vontade de compatibilizar os dois, opera uma recriação do Génesis, que culmina na formação de uma poderosa fonte de energia, a anti-matéria. Toda a história se desenrola à volta do assassinato deste físico, supostamente por uma irmandade, à muito desaparecida, os Illuminati.

Robert Langdon, agora ajudado pela também física, Vittoria Vetra, como simbologista e especialista na sociedade Illuminati é chamado a intervir, enleando-se numa conspiração secreta e centenária para atacar o Vaticano e a Igreja Católica. Por entre, quadros de Santi e referência a Galileo, a história vai correndo para um desfecho com muitas desviravoltas inesperadas e, por vezes, de pouca coerência. O papel do milagre, a influência da Igreja na história da Ciência ou um roteiro turístico pelo Vaticano, são assuntos que veremos discutidos e relançados.

Dan Brown volta a abusar das conspirações e da mistura entre factos reais e inexactidões históricas. Desta vez a sociedade secreta são os Illuminati, uma sociedade que realmente existiu, que lutava pelos direitos da Ciência, contra a censura e o subjugo da Igreja. Também a existência do CERN é verídica, bem como alguma curiosidades, como a criação do termo assassino ou toda a burocracia eclesiástica que Brown refere.

Numa altura em que já se refere que Ron Howard poderá já estar em negociações para a gravação deste Anjos e Demónios, o filme, o Anjos e Demónios, o livro, vai triunfando nos tops portugueses, exactamente pela mesma fórmula do seu antecessor. Quantos mais livros estarão dentro do prazo de validade da fórmula de Dan Brown?
Título: Anjos e Demónios
Autor: Dan Brown
Nota: 5/10

quarta-feira, outubro 04, 2006

"de Fra Angelico a Bonnard" aqui tão perto

As pessoas (em geral) têm o mau hábito de apenas visitar museus nos países estrangeiros. Pois eu venho sugerir que os nossos visitantes contrariem essa tendência, como se já não fosse motivo suficiente, haver no coração de Lisboa um museu pleno (pintura, escultura, desenho e gravura, ourivesaria, joalharia, mobiliário, artes da expansão portuguesa, cerâmica, têxteis, vidros, num total de mais de 44 mil peças.), agora este mesmo museu (Museu Nacional de Arte Antiga) tem até dia 15 do presente mês, uma exposição temporária de seu nome ”Grandes Mestres da Pintura: de Fra Angélico a Bonnard” uma oportunidade para ver reunidas obras que se inserem um período de tempo tão vasto: que vai do século XV ao XVIII, distribuem-se pelas “escolas” italiana, flamenga, holandesa, alemã, francesa, espanhola e britânica e são criações de mestres como Fra Angelico, Bernardino Luini, António Solario, Guido Renni, Canaletto, Tiepolo, Porbus, Van Goyen, Van Ruysdael, Gerard Dou, Siberechts, Cranach, Philippe de Champaigne, Largillière, Boucher, Latour, Greuze, Fragonard, Robert, Vigée-Le Brun, El Greco, Ribera, Reynolds e Gainsborough.
As restantes pinturas (49) são especialmente demonstrativas de autores e movimentos artísticos dos séculos XIX e XX: impressionismo, simbolismo e nabis, fauvismo, expressionismo. Corot, Courbet, Cézanne, Manet, Degas, Monet, Renoir, Pissarro, Sisley, Liebermann, Signac, Lautrec, Redon, Bonnard, Vuillard, Vlaminck, Dufy, Derain, Macke e Morandi são alguns dos artistas neste sector da exposição.
A exposição pertence a apenas um coleccionador: Doutor Gustav Rau (levou 30 anos a completar). A exposição é repleta em cor e formas. É espantoso observar as evoluções a nível técnico e formal, característicos dos diferentes estilos ali expostos. Senti-me como que esmagado pela grandeza e o detalhe dos mesmos. Considero-me privilegiado por não ter perdido esta oportunidade única, e apenas me custou 5€.

Só espero que os que lerem este Post, contribuam da próxima vez que lá for me sinta num país estrangeiro.

“Grandes Mestres da Pintura: de Fra Angélico a Bonnard”
Até dia 15 de Outubro no Museu Nacional de Arte Antiga
Rua das janelas verdes, 1249-017 Lisboa
Tel.: 213912800

terça-feira, outubro 03, 2006

Lucky Number Slevin



“O Morgan Freeman faz de mau!”. Foi talvez esta afirmação que me fez comprar o bilhete para este filme. Era a primeira vez que tinha conhecimento de que Morgan Freeman, um dos ctores de cinema da minha preferência, interpretava algo que não fosse um detective experiente, um polícia na reforma ou um “herói” que se rege pelas suas próprias regras.
Trata-se de um filme que surpreende o espectador, capaz de irritar aqueles que se julgam capazes de adivinhar o desenrolar de todos os filmes americanos. Do inicio ao fim somos levados num sentido da história que se revela oposta à real, os vilões tornam-se vitimas, e as vitimas tornam-se piores que os vilões.

A vida não corre de feição a Slevin (JOSH HARTNETT) – o seu bloco de apartamentos tem os dias contados, o seu bilhete de identidade foi roubado, e, para terminar em glória, apanhou a namorada com outro... Ele refugia-se no apartamento do seu amigo Nick Fisher, em Nova Iorque, de modo a afastar-se de Los Angeles e de todos os seus problemas por um tempo. Mas o seu azar fala mais alto e as coisas ainda vão piorar, Ao chegar a N.Y. o amigo encontra-se desaparecido, e aqui começamos problemas para Slevin, ao ser confundido com o amigo, Nick Fisher. Parece que este estava metido numa guerra entre o Rabino (BEN KINGSLEY) e o Chefe (MORGAN FREEMAN). Antigos parceiros,são agora arqui-inimigos. Slevin vê-se obrigado a pactuar com as ameaças de ambos em prol da sua sobrevivência. Ultimamente a tensão cresce entre eles: para vingar a morte do seu filho, o Chefe planeia um ataque ao filho do Rabino. No entanto, se a autoria do golpe fosse óbvia isso desencadeava na Terceira Guerra Mundial. Para resolver o problema, o Chefe contrata o infame assassino Goodkat (BRUCE WILLIS). Até aqui tudo normal, a partir daqui, tudo dá uma reviravolta, afinal não foi por acaso que Nick estava em apuros, foi um engodo para reunir o Rabino e o Chefe, de forma a facilitar a vingança de Slevin, que em criança viu os pais serem mortos por ambos, tendo sobrevivido devido a um assassino, contratado para o matar, com um coração mole, assassino esse chamado Goodkat. Confusos? É esta a sensação que sentimos no fim do filme.

HÁ DIAS DE AZAR é um thriller excêntrico, com voltas e reviravoltas pelo do mundo obscuro do crime e das vinganças mortais, onde nada é o que parece.

Título: Há dias de azar (Lucky number Slevin)
Realizador: Paul McGuigan
Elenco: Josh Hartnett; Bruce Willis; Morgan Freeman; Ben Kingsley; Lucy Liu; Michael Rubenfeld; Peter Outerbridge; Stanley Tucci; Kevin Chamberlin; Dorian Missick; Mykelti Williamson; Scott Gibson
E.U.A., 2006

segunda-feira, outubro 02, 2006

O Sentinela


Eis que chega mais um policial americano. O sexagenário Michael Douglas interpreta o papel de Pete Garrison, agente americano responsável pela protecção da primeira dama. Gozando de um elevado estatuto dentro da sua força, graças ao tiro que apanhou em 1981 pelo presidente Reagan, isso não impede Garrison de se relacionar amorosamente com a primeira dama, a ponto de se ver envolvido numa intriga conspiracional onde pontuam a chantagem, o assassínio e a traição por parte de um colega dos serviços secretos.

Esta é a sinopse base deste filme imperceptível de Michael Douglas, como produtor. À excepção de um público-alvo muito específico, o interesse deste filme aproxima-se vertiginosamente da nulidade, e mesmo para os fanáticos do género, a televisão aparece recheada de bons motivos para não ir ver este O sentinela. Uma das razões será 24, mas para isso bem que poderá ver O Sentinela, onde Kiefer Sutherland não consegue despir a pele de Jack Bauer.

Sutherland entra no filme como David Breckinridge, o ex-melhor amigo e tutorando de Garrison. Caber-lhe-á a ele, a dada altura, encabeçar a operação contra Garrison, caminhando numa ténue linha entre a dedicação ao presidente e a fidelidade a uma antiga amizade. Para além destes dois atractivos, uma inócua e inexpressiva Kim Basinger (já sem o corpo e a sensualidade de 9 semana e meia) e a incompreensível presença da “desesperada” Eva Longoria, num papel demasiado discreto para merecer nome no cartaz.

Um filme com um bom ritmo, fruto da trabalhosa e omnipresente fotografia de Gabriel Beristain e da realização de Clark Johnson que, à Fernando Lopes, aparece também no filme. Uma adaptação de um livro de Gerald Petievich numa película que não convence, não faz história, não marca a carreira de ninguém, mas entretém por um par de horas. Agora no cinema, ou daqui a uns meses no Chiado Terrasse, na SIC. Pela positiva, apenas o regresso ao ecrã de Martin Donovan.
Título: O Sentinela
Realizador: Clark Johnson
Elenco: Michael Douglas, Kiefer Sutherland, Eva Longoria, Martin Donovan, Ritchie Coster, Kim Basinger, David Rasche e Clark Johnson
E.U.A., 2006
Nota: 5/10