quarta-feira, maio 16, 2007

Favourite Worst Nightmare

Numa convenção com não muitos precedentes, tornou-se ponto assente na critica musical mundial que o segundo álbum de uma banda seria a sua prova de fogo, especialmente se o primeiro tiver sido um sucesso. Assim se tem passado ao longo dos últimos anos, com a constante evocação desta regra. E 2007, longe de ser excepção, parece ter-se assumido como o ano internacional da consumação dessa legislação musical. Arcade Fire, Bloc Party ou, agora, os Arctic Monkeys, são bom exemplo disso, num ano onde nomes para citar nunca andarão em falta.

Posto isto, cimentada a importância do tão ansiado segundo cd, resta falar do caso dos Arctic Monkeys. Á partida, estava tudo mal. O segundo cd quer-se de consolidação, e a banda de Sheffield traz-nos um trabalho de continuação imberbe. Por norma, há um período relativamente longo de introspecção e maturação entre os dois trabalhos, e os Arctic Monkeys, depois de em 2006 lançarem o megalómano Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, libertam já em Abril de 2007 este Favourite Worst Nightmare. Como seria de esperar com eles, deu certo.

Este segundo álbum desfaria mais do que meras dúvidas musicais. Aclamados, apesar de serem alheios a esse meio, como a face do fenómeno MySpace, era a altura de se afirmarem como banda de música, mais do que como porta-estandarte de um movimento e de um tipo de comunicação e linguagem. Essa afirmação está feita. Os Arctic Monkeys são uma banda. Não são aqueles tipos da Internet. São a banda que, depois de arrasar os tops ingleses e europeus, está de volta. Ser jovem, imberbe e irresponsável é o novo preto. Está na moda.

Falando de Favourite Worst Nightmare propriamente dito, essa juventude é, uma vez mais, a grande virtude. Músicas rápidas, alucinantes, simples, meia bola e força. Se antes as parecenças com Franz Ferdinand e com um tom mais Pop-Rock dançante eram fulcrais, aqui fica-se com a sensação de que a coisa ficou mais séria. Ou pelo menso mais pesada. Cheira aqui e ali a crescimento. Sentem-se uns pelos da barba a nascer em forma de música mais arranjada e composta. Não se aconselha. Façam a barba, mantenham-se jovens. Mantenham-nos jovens. Foi por isso que surgiram.

Outra virtude que não lhes pode ser negada é a originalidade do seu som. Reconhecer de imediato o seu som, tornou-se uma das suas grandes conquistas. Tal facto sugere ainda que a banda padecerá doutro síndrome tão comum numa banda com um grande primeiro trabalho. O de se recriar continuamente, num ciclo fechado sobre si próprio, nunca mais realmente criando nada de original. Espera-se que não. Pior ou melhor, por enquanto só se lhes pede uma coisa. Juventude. Músicas como ”Brianstorm”, “D is for Dangerous” ou “Balaclava” fazem acreditar que rejuvenescer é possível.

Título: Favourite Worst Nightmare
Autor: Arctic Monkeys
Nota: 7/10

domingo, maio 13, 2007

Myth Takes

A dança sempre foi um dos grandes impulsionadores da música. Não se leve, hoje, à letra. Não necessariamente dançar, mas a capacidade de fazer movimentar os corpos tornou-se essencial numa música. Freneticamente, numa pista de dança; com movimentos pendulares da cabeça, num concerto; ou, no mínimo exigível, um leve acenar acompanhado de um pé marca-passo, de headphones aos berros. Esta é a nova concepção de dança que temos e faz mover o mundo. Pelo menos o da música.

Interessa, assim, a composição como fonte de energia e vitalidade. E, com maior ou menor acervo, é o que tem acontecido. Neste largo mundo, em 2007, entram os !!!. O leitor mais atento reclamará de imediato que a banda não vem de agora, que já com Louden Up Now e com, por exemplo, a óptima versão de “Get Up!” de Nate Dogg tinham dado que falar. Com efeito. Mas é com o mais recente Myth Takes que se apresentam como uma banda madura, interessante e inovadora. Os !!! compilam as melhores influências e misturam uma parafernália de estilos, factor que, a priori, se poderia desenhar complicado. Mas eles fazem-no com destreza. E ritmo.

Pelo mundo da música dançante vão se imiscuindo os terrenos pós-punk, onde os Gang of Four são referência constante na crítica, os bailes Funk e o mundialmente omnipresente Rock. De novo, os !!! trazem algumas vozes femininas, mais maturidade e um punhado de boas músicas que se constroem num muito bom álbum. Assim se desenha, para já, um dos melhores trabalhos do ano. Tudo começa com “Myth Takes”, faixa homónima ao álbum, com ambientes de saloon americano melancólico. “All My Heroes are Weirdos” é reminescência de !!! de Louden Up Now, prova de que a banda de Brooklyn se recicla. Sonoramente ambientalistas.

“Must Be the Moon” é música em forma de vício, exercício electrizante de hipnose musical, onde o ritmo se imiscui com o subconsciente em forma de nódoa de gordura, de forma a não mais sair. “A New Name”, um das melhores músicas de Myth Takes, é fusão de vários ambientes e vivências, entre a pista de dança e o intimista, a pedir remistura para animar noites Electro. A piscar o olho a uma noite de pista de dança está também “Heart of Hearts”, música de forte presença feminina. Até ao fim do álbum, destaque ainda para “Break in Case of Anything”, a prova de que também de Pop se fez este mito. Por trás de cada mito, estará uma ponta de verdade. A verdade deste é que os !!! conseguiram um dos melhores trabalhos do ano. Quanto à parte do mito, da ficção e da lenda, descubra-a.

Título: Myth Takes
Autor: !!!

Nota: 8/10

sexta-feira, maio 11, 2007

Pequenos Crimes Conjugais




Pequenos Crimes Conjugais é uma peça de teatro, da autoria de Eric-Emmanuel Schmitt, que esteve em cena no Teatro Nacional D.Maria II no início do presente ano. Esta encenação contou com a interpretação de Paulo Pires e Margarida Marinho. A minha disponibilidade na altura não me permitiu trazer esta peça para o Espaço de Crítica Artística. No entanto, a peça está em reposição no Teatro Aberto sendo a motivação que faltava para uma nova crítica. Explicito que o texto que se segue decorre da encenação no Salão Nobre do Teatro Nacional D. Maria II que contou com a interpretação de Margarida Marinho e não de Rita Salema. As diferenças do espaço e das actrizes provocarão diferenças evidentes no resultado final.

Tudo começou com a entrada no Salão Nobre. A escolha desta sala-não-auditório tornou-se evidente. O prolongamento do cenário encarnado até às duas plateias laterais encaixava perfeitamente na nobreza do salão onde se destacavam dois candeeiros grandiosos. Schmitt, o anfitrião da visita àquela casa tão invulgar (praticamente todos os elementos cénicos eram encarnados, desde a poltrana até às centenas de livros expostos nas prateleiras) recebe-nos como se de uma visita guiada à sua casa se tratasse. Nós, os convidados, deixamo-nos envolver por todo aquele ambiente e seguimos o mestre de cerímonia para onde ele nos leva. Schmitt aproveita-se do facto e manipula-nos de uma forma irritante, tal é a facilidade com que admitimos uma mentira descarada como uma verdade inegável. O autor apresenta-nos um casal fragililizado que vive um dia importante: o regresso a casa de Jaime (Paulo Pires) depois de um inexplicável acidente. Jaime, amnésico, interpela Luísa (Margarida Marinho) com uma série de perguntas aparentemente inofensivas. A partir deste ponto Schmitt constrói os alicerces para uma demonstração de genialidade dramatúrgica pouco recorrente nos palcos portugueses. Sem querer escancarar onde se exprime a inteligência do autor, destaco mais uma vez o largo caminho que o mesmo nos obriga a percorrer que, tem tanto de “desnecessário” como de delicioso.

Sobre a primeira encenação do realizador José Fonseca e Costa não há muito mais a dizer. A ideia de criar uma sala invulgar num salão tão perfeito é mesmo de aplaudir. Todo aquele vermelho podia ter o efeito indesejado de repugnância no público mas tal não se verificou e, o risco corrido valeu muito a pena. Fora este rasgo, criador da tão esperada imagem cinematográfica, a encenação caracterizou-se por ser bastante eficaz, nomeadamente, na escolha dos dois actores. As personagens não são fáceis, não são exuberantes, vivem da constante mutação de sentimentos que o diálogo entre ambos desencadeia. Sem pretender cometer uma grande injustiça, parece-me que a interpretação de Rita Salema ficará aquém de Margarida Marinho (compromissos assumidos previamente não permitiram que a actriz continuasse a interpretar a personagem), nem que seja como consequência dos escassos 10 dias que Rita Salema dispôs para ensaiar. E como o desempenho de um actor vive da contracena e irradiação proveniente dos outros actores em cena, é de se esperar um Jaime algo diferente mas igualmente intrigante.

“Uma peça de teatro de Schmitt é sempre uma peça imperdível”. O conselho não é meu, pelo contrário, limitei-me a tomá-lo em consideração. Pequenos Crimes Conjugais não estará provavelmente ao nível de A Visita (também esta já encenada no Teatro Aberto, interpretada por João Perry e João Reis) mas como pretendo continuar a seguir o conselho, espero alargar o meu leque de conhecimento das criações do tão elogiado autor.

quinta-feira, maio 10, 2007

Ed Rec Vol. 2


A música electrónica francesa vive um período de grande agitação, suportado essencialmente pela actividade das editoras Ed Banger, Kitsuné e Institubes. Nomes como Para One, Kavinsky (este editado pela Record Makers), DJ Mehdi, Justice, SebastiAn, Uffie, Surkin, Busy P, TTC e Krazy Baldhead vêm rapidamente criando um movimento de renovação do “french touch” que parecia já circunscrito à segunda parte da década de 90. Ironicamente, num momento em que a última manifestação dos influentes Daft Punk, o angustiante Electroma, pode ser entendido como a “morte” do duo, há uma geração que mostra com descaro que lhes segue na esteira: a que vive sob o selo da Ed Banger.

O elemento mais sintomático - e menos surpreendente – da orientação estética da Ed Banger é o facto de esta ser gerida por Pedro Winter (Busy P), manager dos Daft Punk. Paradoxalmente, o catálogo da editora contém sonoridades tão distintas como as protagonizadas por Uffie, SebastiAn e Mr. Flash, pelo que a impressão que se instala em nós é a de estarmos na presença de uma plêiade de músicos com raízes díspares mas unidos sob o magistério da dupla que prepara a digressão Alive 2007. À parte isto, o que reina na segunda compilação da editora é a ausência de unidade.

No vídeo de apresentação deste Ed Rec Vol. 2 (dirigido por So Me), há uma frase que surge na capa do último vinil que explica a heterogeneidade da editora: “One of our leitmotivs here at Ed Banger is No Boundaries”. Há, contudo, algumas regras a cumprir: a música da Ed Banger tem de ser, no mínimo, dançável e, no máximo, tão agressiva que se aproxime do rave; ser instigadora de um tal hedonismo que não permita a alguém não se esgotar fisicamente numa festa da editora; e, finalmente, ser o mais vã e instantânea possível para que não haja mais metafísica que dançar. Verificados estes pressupostos, não há estilo ou nuance que não possa ser incorporado no catálogo da Ed Banger.

Pode-se dizer que os Stooges e os MC5 passeiam-se por aqui tanto quanto James Brown e os De La Soul. Que estilos como o disco, o rock e o hip-hop andam de mãos dadas nesta compilação. Há o hip-hop deslavado de Uffie em “Dismissed”, o electro industrial e obscuro de Krazy Baldhead em “Strings Of Death” e o disco musculado de Mr. Flash em “Disco Dynamite”. Quando numa compilação há de tudo, fica sempre algo para trás. Mas, para sorte da Ed Banger, a memória adere aos que ficam à frente, e o que deixará verdadeiro impacto nesta compilação é a força que os Justice, Busy P e SebastiAn emprestam ao cruzamento entre batidas house e guitarras fortemente distorcidas, em “Phantom", “Rainbowman” e “Greel”, bem acompanhados pelos ritmos infecciosos de DJ Mehdi, autor do surpreendente Lucky Boy, editado em 2006.

Depois de Lucky Boy, o próximo longa-duração a sair será o aguardado "†", primeiro álbum dos Justice, que cada vez mais se assumem como as estrelas desta constelação francesa. Busy P e SebastiAn também deverão lançar os seus primeiros álbuns. O sucesso futuro da Ed Banger dependerá muito do impacto destas edições mas, ao que parece, veio para ficar.

7/10

terça-feira, maio 08, 2007

Rewind #4 - Vale Abraão

Poucas vezes assentou tão bem em alguém o que de tantos se disse. Com Manoel de Oliveira, dificilmente haverá meio-termo. Ou se ama, ou se odeia. Onde uns verão planos repletos de uma poesia muito própria, outros julgarão o porquê de tamanha afeição pela ausência de movimento. Onde uns encaixarão a sensibilidade, outros tentarão, não poucas vezes, descobrir bons motivos para permanecer consciente. Onde uns deslindarão uma estética representativa original e identificativa, outros porão em causa a opção assumida de filmar uma peça de teatro. Já se percebeu de que lado da barricada se instaurou a crítica europeia. E o público português também.

Apresentado no Festival de Cannes de 1993, onde, pela Quinzena dos Realizadores, foi alvo de uma Menção Especial, Vale Abrãao é mais um filme da prolifera dupla Manoel de Oliveira – Agustina Bessa Luís. Baseado no romance da segunda, o multi aclamado realizador português filma a história da Bovary portuguesa e contemporânea, Ema Paiva. De realçar que a expressão bastante em voga “multi aclamado” não surge por falta de melhor caracterização. Não só Manoel de Oliveira o é de facto, como o próprio filme em questão marcou presença em inúmeros festivais, de onde se destaca a Mostra de São Paulo, o Festival de Cinema de Nova Iorque ou o Festival de Berlim.

De realçar ainda, já que a isto nos propusemos, a expressão “Bovary portuguesa e contemporânea”. Não tenhamos dúvidas de que tal se trata. Mas, mais do que sugeri-lo, Manoel de Oliveira (e Agustina, essencialmente) demonstram-no, quer através de sugestões várias, como a presença física do próprio livro, quer mesmo através do epíteto que a heroína arrecada da sociedade que a abraça. A Bovarinha. Vale Abraão conta-nos (e tenha em atenção o verbo contar, porque a história é-lhe literalmente recitada) o percurso de Ema, primeiro Cardeano, depois Cardeano Paiva.

Somos apresentados a uma Ema ainda juvenil, com traços da Lolita de Nabokov e Kubrick (mais a de Kubrick, confessemos), que vive, mimada e enclausuradamente, na casa de seu pai, Paulino Cardeano (Ruy de Carvalho). É nesta quinta, o Romesal, que Ema (Leonor Silveira) cresce, e é dela que nunca conseguirá sair, mesmo quando o faz. É nela que passa a infância que nunca terminou, que se sente senhora e segura, onde as criadas, de tanto respeito e admiração, são amigas íntimas. Daqui sai Ema, por casamento, com Carlos Paiva (Luís Miguel Cintra), um médico com tanto de absorto como de inerte, que de romantismo conhece pouco ou nada, e que da mulher conhece menos.

A história de Ema propriamente dita, tirando os seus romances e o final trágico, pouco mais terá de relevo. Como qualquer boa Madame Bovary que se preze. Fruto da sociedade claustrofóbica e tacanha que a rodeia, Ema vê-se refugiada na única arma que tem, a sua beleza. Incapaz de amar verdadeiramente, ainda que busque o amor, não se permite, no fundo, mais do que o mero prazer carnal ou a satisfação da presença de alguém. Até os seus romances são prova do seu desnorte. O dandy rico e charmoso, o camponês robusto e forte ou o jovem génio musical são os amantes, meio cardápio-cliché, que vai desfilando, aos olhos do marido apático e da sociedade alerta.

Para melhor compreensão, imagine tudo isto regado com a Sonata ao Luar, grandes planos de um Douro aldeão e uma slow motion sempre característica mas que, se nalguns casos enriquece, noutros nada mesmo. Incompreensível é a escolha de direcção de actores, já que teatral é o mínimo dos adjectivos que se poderão utilizar sobre algumas representações. A inexpressividade mistura-se com um programa de dicção para crianças num cocktail que a ninguém favorece, nem ao espectador, nem ao filme, e muito menos ao actor. O que realmente se tira desta versão documental do livro de Agustina é a excelente caracterização de uma vivência de aldeia, de um Portugal fechado sobre si mesmo e sobre uma cultura religiosa e mesquinha. Uma caracterização de um lugar (que por vezes parece um “não-lugar” sociológico) a meias com um modo de vida, que em nada deve aos melhores exemplos do género, como O Vale era Verde.

Título: Vale Abraão
Realizador: Manoel de Oliveira
Elenco: Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra, Diogo Dória, Ruy de Carvalho, Luís Lima Barreto, José Pinto, Filipe Cochofel, Dalila Carmo, Sofia Alves, Glória de Matos, Isabel Ruth e João Perry.
Portugal, 1993.

Nota: 6/10