domingo, abril 30, 2006

Laramie


Laramie é uma peça de teatro invulgar. Normalmente quando me desloco a salas de teatro assisto à interpretação de histórias fictícias que pretendem tornar-se credíveis com o auxílio de actores e elementos cénicos. Laramie é o oposto. Os actores apresentam-se como tal e contam uma história verídica num espaço que pretende continuar a ser um simples palco.
Comecemos pela história verídica. A história que tornou a localidade norte-americana Laramie conhecida um pouco por todo o mundo. Um jovem de 21 anos, Matthew Sheppard, que era homossexual, foi violentamente espancado por dois jovens da mesma cidade, amarrado a uma vedação nos arredores da mesma e ali abandonado. Passaram-se dezoito horas de solidão ao frio até ser descoberto por um ciclista que a primeira percepção que teve foi que vira um espantalho. Alguns dias depois Matthew morreu no hospital.
A companhia de teatro Tectonic Theater Project parte para Laramie. Os actores liderados pelo escritor e dramaturgo Moisés Kaufman realizaram mais de duzentas entrevistas a habitantes da nova-capital-do-preconceito. E depois de satisfeito com a quantidade e qualidade dos testemunhos, Kaufman escreveu a peça levando-a à cena. A peça foi um sucesso nos EUA, sendo uma das peças mais representadas no país. E chega a Portugal. Pela mão de Diogo Infante, que a escolhe para a sua primeira encenação como director do Teatro Maria Matos.
Uma encenação muito boa. Com um palco aparentemente minimalista Diogo Infante consegue que oito actores contem uma história com cerca de 50 personagens, sem nunca se afastar do conceito criado por Kaufman. Contudo, o facto de 8 actores representarem 50 personagens simboliza um risco. Neste caso, os actores são razoavelmente bons e nenhum mete o pé na poça descaradamente. Numa avaliação pessoal, destacam-se pela positiva Pedro Laginha e Isabel Abreu. E pela negativa os (supostamente) mais experientes Adriano Luz e Fernando Luís.
A peça vale muito pela história, pela maneira como é contada e pela capacidade de se tornar num espaço de reflexão.
Para terminar, destaco a nova imagem do Teatro Maria Matos, é realmente muito acolhedora e incentivadora a futuros regressos. No entanto, não posso deixar de criticar o facto de venderem os bilhetes apenas no próprio teatro. O que se traduziu numa sala praticamente vazia.

Laramie
Texto: Moisés Kaufman
Encenação: Diogo Infante
Elenco: Adriano Luz, Fernando Luís, Flávia Gusmão, Isabel Abreu, Nuno Gil, Paula Fonseca, Pedro Laginha e Teresa Madruga.
Em cena no Teatro Maria Matos

sexta-feira, abril 28, 2006

A Idade do Gelo 2: Descongelados


"Manny, Sid e Diego estão de volta numa inacreditável aventura. A Era do Gelo está a chegar ao fim, e os animais estão encantados com o novo mundo que se derrete: um paraíso de parques aquáticos e fontes termais. Mas quando Manny, Sid e Diego descobrem que os quilómetros de gelo derretido inundarão o vale onde eles moram, eles precisam de avisar os outros e descobrir uma maneira de fugir do perigo."

Sinopse no site oficial

É difícil fazer uma crítica a um filme de animação. Não há actores e nos argumentos escasseia a complexidade de modo a ser perceptível para as crianças. A Idade do Gelo 2 não foge a tais características próprias deste tipo de filme. No entanto, depois da sua visualização fiquei com vontade de o trazer para este espaço.
O filme pode ser enquadrado em três géneros: animação, aventura e comédia. A animação é perfeita (previsível dada a presente tecnologia). A aventura é descrita na sinopse mas ainda se divide em duas acções distintas: o percurso de Manny, Sid e Diego; e a difícil tarefa de um esquilo obcecado apanhar a sua tão pretendida bolota. E é a partir destas duas acções perfeitamente animadas que nasce uma comédia. Comédia que não escolhe idades. Comédia que nos diverte durante 83 minutos.

quinta-feira, abril 27, 2006

Curtas Metragens



Entre 20 de Abril e 30 de Abril decorre a terceira edição do festival de cinema independente Indie Lisboa 2006 no Forum Lisboa e nos Cinemas King. Trata-se de uma competição oficial de longas e curtas metragens que são apresentadas pela primeira vez em Portugal, numa clara tentativa de descoberta de novos realizadores. Dispõe de prémios tanto para filmes portugueses como para filmes estrangeiros, além do prémio atribuído pelo público (pode participar qualquer espectador das sessões da competição oficial).
A próposito de Curtas Metragens, o Canal Hollywood mostra todos os dias um conjunto de curtas( ou cortometraje) de grande nível. Surpreendentemente, as curtas metragens exibidas por este canal são bastante recentes, ao contrário do que acontece com as longas metragens. A duração das curtas metragens apresentadas diverge bastante, variando entre os 2 minutos e 25 minutos. Como exemplo de uma curta de 2 minutos, vi uma recentemente cujo título era Aroma(2004) realizada por um irlandês Damon Silvester, em que duas senhoras de idade bastante ordinárias tentavam passar por senhoras requintadas. Posso dizer que é difícil compreender a profundidade da mensagem deste filme, dado que a cena principal consiste numa competição de expulsão de gases (vulgo peidar) entre estas duas senhoras. Quase que é possível decorar por inteiro todo o guião deste filme, que como já devem ter percebido, não é muito rico. Força! Larga tudo (diz a velha para a outra) / Momento de pausa... / Então! não se ouviu nada...( diz a mesma velha para a outra) / Silencioso...mas poderoso ( Responde a outra velha) / Cristo, tás podre! ( grita a primeira velha) . Como vêem, este guião é merecedor de várias horas de discussão, em que se podia abordar a excelente utilização do nome do filho do Senhor, ou mesmo o estado dos idosos actualmente nas sociedades modernas que não tendo dinheiro para irem ao cinema ou ao teatro, têm que se submeter a competições porcas e ordinárias.
Como exemplo de uma curta metragem bem mais longa ( 22 minutos) e detentora igualmente de uma história que se preze, apresento-vos El Nino Vudu(2004). Realizado por um espanhol, Tony Bestard, esta curta combina os géneros documental e ficção, ocorrendo em torno de um acontecimento histórico: O único concerto de Jimi Hendrix em Espanha ( Em 1968 na discoteca Sargent Pepper`s em Maiorca). Paralelamente, é descrita uma história em que um adolescente de 16 anos, Pablo, perde a sua inocência juvenil para se transformar num pequeno homem. Este jovem é barrado pelo segurança da discoteca onde ia actuar Jimi Hendrix. Este realizador que já foi multipremiado por trabalhos anteriores, alcançou igualmente 4 prémios em mais de 30 festivais em que foi seleccionado.
Indie Lisboa - Até 30 de Abril Bilhetes custam 2,5 € para estudantes
Canal Hollywood - Não sei a programação exacta em que são exibidas as curtas. No entanto, posso garantir que por cada 10 vezes que forem ver canal, em 3 estarão a dar curtas metragens . Nada de batotices, e carregar 10 vezes seguidas no canal hollywood para refutar esta minha teoria.

Playlist #1

Há já algum tempo que considerava a hipótese de criar, dentro do Espaço de Crítica Artística, um campo que divergisse (apenas ligeiramente) do carácter informativo e da reflexão concomitante. Ora esta rubrica será, cumprindo o menor dos seus propósitos, de divulgação. No entanto, admita-se que, futuramente, as listas musicais poderão apresentar enquadramentos temáticos, estilísticos ou pessoais, consoante a determinação do autor.

A primeira de muitas é a reprodução fiel de uma playlist que construí e ouço, precisamente nesta ordem, nos tempos recentes. É, portanto, uma sequência com um ordenamento aparentemente irrefletido que me apraz pela progressão sonora, viajando da tristeza dissimulada à revolta.


The Long and Winding Road - Langley Schools Music Project

Deadweight On Velveteen - José González

Playboy - Hot Chip

Anticipation - Delta 5

Busy Doing Nothing - Love Is All

Your Kisses Are Wasted On Me - The Pipettes

Our Swords - Band Of Horses

Tobogan (Swine Mix) - Bypass

E-musik - Neu!

Helter Skelter - Siouxsie and the Banshees

terça-feira, abril 25, 2006

Ken Park



Ken Park - Quem és tu?, um filme de 2002 em que Larry Clark volta a pegar no tema da adolecência para trazer para a ribalta uma sociedade moralmente podre. Quem é Ken Park, o míudo skatter que se suicidou (e se suicida, no início do filme) numa pequena cidade da Califórnia? Explicar quem é Ken Park, não é explicar a sua história, é explicar que meio é este onde ele se movia e que consome muito mais vítimas do que aquelas que notícicas show-off dão a conhecer.

Ken Park é um desenrolar magnoliano das vidas de 4 adolescentes, Shawn, Tate, Claude e Peaches. Sinopticamente, Shawn tem um caso com Rhonda, a mãe da sua namorada; Tate masturba-se enquanto se sufoca e tem uma erecção quanda assassina os avós; Claude é sexualmente molestado pelos pais; e Peaches é a ninfomaníaca cujo pai é obsessivamente religioso. Ficção? São os nossos vizinhos do lado, a geração Ken Park.

Larry Clark volta a trazer-nos um retrado desapiedado, cru e nu (literalmente) de uma geração desencantada, sem motivações ou projectos. Uma parte da América que esta exporta com a globalização, mas que é geralmente escamoteada, varrendo-se a culpa para debaixo do tapete que é a ausência da família. Em Ken Park, há uma falta de moral morbidamente apaixonante, um retrato de uma juventude que se espalhava pela América e que se nuns casos deu bons resultados (relembrar a Seattle dos anos 80), noutros mostrou o pior do imediatismo não pensado americano (Ken Park, Bowling for Columbine, Elephant).

Clark volta de novo a ter algo Tchekoviano na sua obra. Como, por exemplo, na obra O Tio Vânia, em Ken Park regista-se sobretudo um ambiente generalizado de inércia, um estado geral de onde não se afiguram saídas, melhoras ou projectos, onde só sobresai o pardieiro onde se vive. Por outro lado, a expressão "de novo" não é utilizada em abono de Larry Clark. Sem a pertinência posta em causa, não se pode abusar constantemente do choque para expôr os mesmos temas. Após Kids, sobretudo, Clark manteve-se exactamente na mesma onda, o que, não sendo propriamente mau, já chega.

Título: Ken Par - Quem és tu?
Realizador: Larry Clark e Edward Lachman
Elenco: James Ransone, Tiffany Limos, Stephen Jasso, James Bullard, Mike Apaletegui, Adam Chubbuck, Wade Williams, Amanda Plummer, Julio Oscar Mechoso, Maeve Quinlan, Bill Fagerbakke e Larry Clark
EUA 2002

Nota: 6/10

quinta-feira, abril 20, 2006

The Legendary Paulo Furtado


O que é que este álbum traz de novo aos fãs do The Legendary Tiger Man?
Podem encontrar novas soluções estéticas, nomeadamente do ponto de vista rítmico. Acabei por usar algumas coisas novas. Não uso apenas o bombo e o prato-choque-acústico, uso instrumentos electrónicos, apesar de tocados também em tempo real. Não há caixa de ritmos nem nada disso, mas há uma componente electrónica com alguma força dentro do disco. Por outro lado, é um disco gravado em condições como nenhum dos outros tinha sido gravado, portanto, acaba por ter um som bastante mais potente do que os discos anteriores. Foi um disco gravado com o Mário Barreiras e isso também se reflecte bastante na sonoridade do álbum. Mas de um modo geral estou bastante contente com ele[disco].” In acabra.net

De The Legendary Tiger Man costuma-se dizer ser a “one man band” de Paulo Furtado. Na intricada língua portuguesa, coexistiria entre a “banda de um só homem” e a “banda de um homem só”. Paulo Furtado não é, de facto, um homem só. Na parte musical, conta com as participações dos Dead Combo, João Doce (companheiro nos Wray Gunn) e DJ Nel’assassin. Dando seguimento à sua paixão de combinar cinema e música, vários realizadores portugueses, como Edgar Pêra, dirigem curtas metragens que acompanham o trabalho do músico de Coimbra.

Ao terceiro álbum, desfaz-se o mistério. Masquerade, vem-nos dizer que há de facto um homem por trás da máscara, por trás de The Legendary Tiger Man. Depois de Naked Blues e Fuck Christmas, I’ve got the Blues, Legendary Tiger Man oferece-nos um disco mais maduro. No fim dos últimos álbuns, estava provado que havia Blues em Portugal. Havia uma missão cumprida. Podia, agora, evoluir. E foi o que fez, para um trabalho marcadamente mais Rock. Menos preso a um género, ganhas mais força.

Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, não esquece as suas origens e podemos ainda ouvir o Oeste americano em pradarias musicais onde riffs de guitarra se degladiam de pistola em riste numa paisagem com pôr do sol ao fundo. É o que acontece em “Let me give it to you”, música que antecede um dos covers do cd. “Blue Moon Baby”, de Dave Diddley Day. O outro é “Route 66” de Bobby Troup, música que apresenta um dos principais intervenientes em Masquerade, Iggy Pop. Fazendo-se sentir um pouco por todo o lado, a sua presença é ainda comprovada pelos seus filhos, os Strokes, que dão um arzinho da sua graça em “Honey, you’re too much”, single de apresentação de Masquerade. Para os saudosos do velhinho Blues “Bad luck Rhythm’Blues machine” é bom ponto de partida.

Paulo Furtado apresenta-se como o maior ícone da cena musical alternativa portuguesa dos últimos anos e, acima de tudo, dos próximos. Ele que, iconoclastamente, se esconde por trás do homem que segura todas as mulheres dos seus cds, The Legendary Tiger Man. Senhor dos palcos, figura máxima dos Blues portugueses, é a máscara, neste caso Masquerade, quem o desmascara. Paulo Furtado, o “one man band” português. Para quê mais, quando um só chega. “Someone burned down this town”. Não se está nada a ver quem foi.
Título: Masquerade
Autor: The Legendary Tiger Man
Nota: 8/10

terça-feira, abril 18, 2006

A caixa de Pandora


Para criar Arte, é preciso conhecê-la. Para criticar Arte, é preciso procurá-la e estudá-la o máximo possível. Especialmente nos nossos dias, especialmente no que toca a música. Haverá, de facto, poucos âmbitos da arte onde o conhecimento generalizado seja tão proveitoso e necessário como na música. Poderá dizer-se que é impossível escrever sem ter lido. Alberto Caeiro diria o contrário. Outros escritores modernos fazem o contrário.
No que toca à música, urge generalizar o gosto pelo filtro. Urge que se procure mais, que se conheça mais, que se oiça mais de mais géneros, pois só assim podemos exercer convenientemente o nosso direito cultural de escolher os nossos gostos que, como diz o povo, são pessoais. Também diz o povo que esses mesmos gostos não se discutem. Caso não ache o mesmo (o povo nem sempre tem razão...), é melhor também que tenha conhecimento de causa.
Ora, nestes tempos de poupança e aperto, e de caça à bruxas, qual Mccarthy, pela AFP e o seu fiel escudeiro Eduardo Simões, escasseiam os bons meios de conhecer mais música, acima de tudo, mais música que nos interesse. É aqui que entra Pandora. Em www.pandora.com poderá ter acesso a um programa de base de dados bastante sólida cujo único propósito parece ser o de dar a conhecer a cada um mais músicas que a esse interesse.
Para tal, este programa gratuito analisa a composição musical de milhares de músicas e, de início, pede-nos uma música ou cantor que gostemos. Basta-nos a seguir regozijar os ouvidos com as sugestões. O programa vai-nos surpreendendo com algumas escolhas que lhe pareceram semelhantes ao nosso gosto. Quando estiver farto de explorar um género, escreva simplesmente mais um nome. Uma vez aberta, dificilmente quererá fechar esta caixa musical de Pandora.
Pandora

sábado, abril 15, 2006

Explicações de Português

"Quando um palavrão é usado literalmente é repugnante. Dizer «A sanita está entupida de merda» ou «Tenho uma verruga na ponta do caralho» é inadmissível. No entanto, dizer que um filme é uma «merda» ou que comprar uma casa em Massamá não lembra ao «caralho», não mete nojo a ninguém. Cada vez que um palavrão é utilizado fora do seu contexto concreto e significado, é como se fosse reabilitado. Dar nova vida aos palavrões, libertando-os dos constrangimentos estritamente sexuais ou orgânicos que os sufocam, é simplesmente um exercício de libertação. Quando uma esferográfica pode ser puta («... não escreve!»), desagrava-se a mulher que se prostitui. Quando um exame de Direito Administrativo é «fodido», há alguém, algures, deitado numa cama, que escusa de se foder. "
Miguel Esteves Cardoso in [Gosto muito de palavrões] in Explicações de Português
Textos como este se podem ler num livro que junta textos publicados por Miguel Esteves Cardoso entre 1983 e 2001, no Jornal Diário de Notícias, Revista K e, na maioria, Independente. Com alguns textos "trabalhados" a partir do original, chega-nos esta colectânea de pensamentos, reflexões e demais do autor, divididos estruturalmente em A única natureza é a humana, Ai Portugal!, A partir de António Vieira Sermoens, & Esclarecimentos, Verbos irregulares e outros, Coisas nossas e Uma língua, todos eles capítulos do livro em causa.
O que Miguel Esteves Cardoso nos apresenta são tanto explicações de português como explicações do português. É entre estes dois parâmetros que o autor vai pensando o pensar português, sempre com um elegante, mas acima de tudo exigente, manejar da língua portuguesa.
Em A única natureza é a humana, curta dissertação de três pontos sobre a humanidade, toma posições por vezes arriscadas, contrariando o que de bom tom de vem pensando, num registo de humor inteligente que não nos prepara para o que podemos ainda vir a ler. Ai Portugal! envereda pelo mesmo estilo, mas tem um destinatário mais preciso. Pegando, subtil mas acutilantemente, em certas particularidades do povo que também protagoniza, Esteves Cardoso sabe como ninguém examinar.
Segue-se algo que, não pondo em causa o interesse, assassina a fluência e o ritmo de extremo humor inteligente que a reunião de textos demonstrava. A partir de António Vieira Sermoens, & Esclarecimentos, comprova a qualidade de escrita do autor, mas destoa numa obra que o não merecia. Em Verbos irregulares e outros, a verdadeira essência do título, uma demonstração de bom escrever num exercício altamente pessoal e, nos dois últimos capítulos, Coisas nossas e Uma língua, algumas das maiores pérolas do humor português. Para saber rir e saber escrever. Para acabar, um último excerto que o comprove.
"Os palavrões supostamente menos pesados, como chiça e porra, escandalizam-me. São violentos. Enquanto um pai, ao não conseguir montar um avião da Lego para o filho, pode suspirar, após três quartos de hora, «Ai o caralho...», sem que daí venha grande mal à família, um «Chiça!», sibilino e cheio, pode instalar o terror.
Quando o mesmo pai, recém-chegado do Ki Market ou do Aki, perde uma peça para a armação do estendal de roupa e se põe, de rabo para o ar, a perguntar «Onde é que se meteu a puta da porca...?», está a dignificar tanto as putas como as porcas, como as que acumulam as duas qualidades."
Título: Explicações de Português
Autor: Miguel Esteves Cardoso
Assírio e Alvim, 2001
Nota: 6/10

quinta-feira, abril 13, 2006

6º Prémio Fotojornalismo Visão/BES



O 6º Prémio Fotojornalismo VISÃO/Banco Espírito Santo distinguiu trabalhos de profissionais portugueses, levantou questões sobre ética e exploração, e trouxe a Portugal nomes grandes da fotografia de guerra
in «Visão»
É desta forma que a revista Visão introduz o artigo sobre este prestigiado prémio da fotografia nacional. É explícito que a cerimónia teve dois momentos distintos: o debate entre os nomes grandes da fotografia de guerra; e a entrega dos prémios ao fotógrafos portugueses.
O debate inclinou-se sobre temáticas não consensuais da fotografia de guerra, como a prevalência dos redactores sobre os fotojornalistas, os limites da exploração emocional em cenários de morte e sofrimento ou, os cuidados com a fotografia digital.
Quanto aos prémios, por ter sido o vencedor do Grande Prémio Banco Espírito Santo, destacou-se Pedro Correia (arrecadou o troféu em cima fotografado e 15000 euros). Pedro Correia tem 28 anos e é fotógrafo do Jornal de Notícias. Foi premiado pela fotorreportagem sobre o funeral do agente da PSP assassinado em Março de 2005 na Amadora. O júri escolheu esta fotografia pela "emoção que trasparecia em todos os sentidos da imagem - da esquerda para a direita, de trás para a frente".

sexta-feira, abril 07, 2006

Prateleira #4 - Free Pop


Os Pop Dell'arte estão de novo na moda. Para quem franzir o sobrolho, atente-se na recente edição da colectânea Poplastik, que, como o nome de colectânea indica, traz de novo para a ribalta o que de melhor esta banda nos deu em vinte anos. Para além do cd, também o recente concerto dos Pop Dell'arte no lux, e o sucesso que muitos não previam do mesmo, comprova a grande influência da banda na cena musical portuguesa.
Falar do Pop Dell'arte é falar de João Peste. E falar de João Peste é ficar sem saber dizer nada. Personagem maior no conjunto de bandas que surgiram nos anos 80 por iniciativa das competições no Rock Rendez-Vous e personagem por vezes única nos Pop Dell'arte, é à volta deste homem que o som (?) dos Pop Dell'arte se cria. João Peste, a par talvez de Adolfo Luxúria Canibal, é mesmo a figura mais autoritariamente marcante daquele período e de um conjunto de bandas que, não ganhando o concurso, se distinguiam mais essas mesmas (Casos dos Pop Dell'arte, Radar Kadafi ou Mão Morta).
Inicialmente fundados por João Peste, Paulo Salgado, Ondina Pires e Zé Pedro Moura, a banda seria um constante rodopio de pessoas e muitas inimizades causadas pelo intempestivo carácter do líder, líder esse que era o grande resistente de todo esse movimento. Banda Pop, assumidamente Pop, por vezes acusada de ser Anti-Rock, os Pop Dell'arte percorriam caminhos perigosos e mal trilhados do Free-Pop e Alternative Pop, sem medo nem consciência, experimentando, criando, nitidamente não se preocupando com o efeito final da sua música. Havia que criar, havia que chocar e havia que chocalhar a Pop.
E, em 1987, surge Free Pop. O nome está, honra lhe seja feita, verdadeiramente bem escolhido. Aqui não se ouvem constrições nem restrições de qualquer espécie. Não há consciência, moral nem nenhum impedimento de fazer, perdoe-me o povo a apropriação expressional, o que lhes der na real gana. Free Pop foi, na altura, um cd controverso. Perdoem-me a falsa localização temporal. Free Pop é, hoje ainda e sempre, um cd controverso. Mas a verdade, e quem sabe se tal não aconteceu intencionalmente, foi essa controvérsia que alimentou o cd e os próprios Pop Dell'arte. Free Pop é um cd estranho. Podemos apelar à frase pessoana e cocacolística para apelar ao seu entranhamento, mas será sempre um cd não usual e de difícil audição. Atenção, que nada disto belisca, onde quer que seja, a sua qualidade.
Free Pop é um grande cd. Não será o melhor cd Pop pela razão que o torna grande. A liberdade, o estranho, o fantástico, o experimentalismo e a anarquia (Não será por acaso que os Pop Dell'arte bebem tanto da cena pós-punk). Tudo começa com "Berlioz", música de incontinência verbal com fundo enevoado de Pop sonâmbula e que abre, exemplarmente, o cd. Segue-se "Rio line", música mais melódica de imaginário circense, onde trapezistas e malabaristas cantam num inglês tribal os sonhos de João Peste. Em "Loane & Lyane N'oah", há algo de contrastantemente sedutor, entre o naif e o Rock pesadão, ritmicidade vocal ao som de guitarras simples, que parecem por vezes a bateria.
"Avanti Marinaio" são paragens distantes trazidas perto num cruzeiro febril e com pitadas de faroeste e Morricone, um duelo da pradaria em pelo oceano. "Dell'arte de m'enroque", segundo exemplo paradigmático do cd (já perceberam porquê) é o que se guarda de um filme de terror, aquelas imagens inconscientes que gravámos para mais tarde, ao som de risos sinistros, nos atemorizarem a meio da noite. Segue-se no caminho da liberdade com "Pi latão", pedaço rockeiro de uma existência entre a ópera e a febre (Febre parece ser, alías, palavra chave neste mundo de João Peste). Segue-se qualquer coisa com ar visceral e importante que dá pelo nome de "Turin Welisa Strada", mais um pedaço da surrealidade sonhadora e despreocupada que rege a não regência regente. E depois, "Bladin". "Bladin" é a música mais paradigmática de todo o cd. "Bladin, sangra por mim", diz-nos (sim, diz-nos, ou sussura-nos, ou murmura-nos, não se tratava de uma força de expressão...) João Peste num momento que remete para algo entre João César Monteiro e João Botelho em que Peste parece dizer "Who cares?".
Antes do momento mais genial, a curta e mexida "Poligrama". E por último, (haveria maneira melhor de terminar um cd chamado Free Pop?) "Juramento sem bandeira". Aqui grita-se, esbraceja-se, toca-se guitarra, chora-se, suplica-se, critica-se, canta-se (de quando em vez...), brinca-se com a voz, faz-se tudo, jura-se tudo, liberta-se tudo. Não sem antes, literal e prazenteiramente do nada, se cantar um pouco de "Take a walk on the wild side", de Lou Reed. O despertador toca e o, sem perjúrio, pesadelo Pop acaba. Para nós. Para João Peste ainda dura. Ainda bem para ele. Ainda bem para nós. Que se lixem as leis da Pop, as autoridades musicais. Isto é Free Pop. Isto é Free-Pop.
Título: Free Pop
Autor: Pop Dell'arte
Nota: 8/10

terça-feira, abril 04, 2006

Revistados 25 06

Numa altura em que voltam a estar em voga as revisitações musicais como meio de homenagem (vide: Monsieur Gainsbourg Revisited), surge o álbum Revistados 25 06, que celebra os 25 anos de carreira do Grupo Novo-Rock, GNR. Assim sendo, reuniram-se alguns dos nomes mais sonantes da cena Hip-Hop e Reggae nacional para pegar nalgumas músicas da emblemática banda oriunda do Porto e mostrá-la com novas roupagens.
À chamada responderam nomes como Virgul, Melo D, Expensive Soul, Junior ou Nbc. Num ambiente que ora oscila entre o Rap e o Hip-Hop, ora viaja para sons mais jamaicanos entre o Reggae o Chillout, Revistados sofre de uma certa falta de identidade. Não é aliás isso que se pede a um trabalho de homenagem de vários artistas, que se prendeu pela liberdade de abordagem. Pede-se que reconheçamos músicas que se nacionalizaram e que lhes conferamos valor enquanto revisitação.
Meu dito, meu feito. Apresenta-se um trabalho coerente na intenção e, grosso modo, na qualidade, ainda que por vezes à custa da coerência. Com os GNR ora samplados, ora simplesmente cantados de outra forma, ora pegando num som familiar, ora na voz sensual e única de Rui Reininho. Outra mais valia, à parte Hugo Novo ft T-jay, todas as músicas são portuguesas. Boa homenagem aos GNR.
Abrimos o álbum com os Guardiões do Subsolo naquele que se viria a tornar o primeiro single do projecto. Uma revisitação de "Popless", historiada e rappada ao som de um ou outro sample do original. Seguimos com a melhor música de Revistados. Xeg, com a agressividade mordaz que sempre o caracterizou, percebe a essência de "Pós-modernos" e oferece-nos mais uma crítica social com batida simples e, como se pede a um rapper, letra forte. Segue-se a primeira música de registo mais Reggae, ainda com toada suburbana, pegando Nbc primorosamente na melodia de "Bem vindo ao passado". E assim segue o cd, turtuosa mas proficuamente, pelos caminhos afro do Rap e Reggae, até chegar a "Dunas", última faixa, onde Melo D explica o que é a melhor (e a maior) banda Pop de Portugal. É criar um universo novo, que possa mais tarde ser revis(i)tado com o respeito que só os grandes merecem.
Efectivamente. Sem moralizar.
Título: Revistados 25 06
Autor: Vários
Nota: 7/10

Do Piccolo Teatro de Milão para a sala estudio do Maria II

Dia 27 de Março é o dia mundial do teatro. Algo que o nosso blog não podia deixar passar em branco. Em comemoração o Teatro Nacional D. Maria II tinha em cartaz duas peças: na sala Garrett, a peça “A mais velha profissão” (com Fernanda Norberto, Maria José, Gloria de Matos, Lia Gama e Lurdes Norberto e encenada por Fernanda Lapa); e na sala estúdio “Arlequim servidor de dois amos” original de Carlo Goldoni.
Para celebrar este dia resolvi assistir o Arlequim.

Para quem não conhece a sala estúdio do TNDMII, é uma sala bastante pequena com capacidade para cerca de 52 pessoas, palco à italiana, Para quem conhece imaginem um estrado de madeira, nesse estrado de madeira imaginem uma cortina ao fundo, castanha com o cenário desenhado. Como podem ver, mais simples impossível.
Assistir a este Arlequim da FC Produções é sinónimo de assistir a um excelente trabalho da máscara (característica da commedia dell’Arte).

“Por commedia dell’Arte entende-se comédia italiana de improviso, que surge em Itália em meados do séc. XVI e se prolonga até ao séc. XVIII. As representações teatrais levadas a cabo por actores profissionais, Eram feitas nas ruas e nas praças, e fundaram um novo estilo e uma nova linguagem, caracterizadas pela utilização do cómico. Ridicularizando militares, prelados, banqueiros, negociantes, nobres e plebeus, o seu objectivo último era o de entreter um vasto público que lhe era fiel, provocando o riso através do recurso à música, à dança, a acrobacias e diálogos pejados de ironia e humor.”
Sandra Andrade

A peça, apresenta um enredo típico da commedia dell’Art com os dois pares de namorados, cujos amores contrariados estão no centro da acção, os dois velhos, Pantaleone e Doutor, e os dois Zanis, Brighela e Arlequim, para alem da criada Esmeraldina.
Nesta versão Filipe Crawford dá importância ao trabalho de máscaras e dos actores, tentando tirar partido dos processos de trabalho típicos do estilo, como a improvisação.
A acção foi transferida de Veneza para Lisboa e as personagens adaptadas a uma realidade ficcionada com referências à actualidade portuguesa, permitindo assim uma maior percepção especialmente do público mais novo, mas correndo o risco de que um espectador que vá à procura de um espectáculo rigoroso saia decepcionado. Exemplo disso mesmo é o facto de Arlequim afinal não vir de Bergamo mas sim da Trafaria e o seu cognome é o trafulhão. A música é muito sui géniris, efectuada pelos próprios actores que quando a sua personagem não pertencia à acção, tocavam os mais variados instrumentos na parte lateral do estrado, uma óptima ideia, não fosse causar uma distracção ao espectador que se sentia obrigado a dividir a sua atenção entre a música e o desenrolar da acção acabando por perder alguns pormenores da peça.

Em suma uma peça a salientar pelo trabalho de máscaras, pela música e pelo trabalho de actores com destaque para Carlos Pereira, que representa o Pantaleone brilhantemente.

Titulo: Arlequim servidor de dois amos
Autor: Carlo Goldioni
Tradução: Filipe Crawford
Adaptação: Filipe Crawford
Encenação: Filipe Crawford
Cenografia e figurinos: Marta Carreiras
Máscaras: Nuno Pinto Custódio, Renzo Antonelo e Takashi Kawahara
Elenco: Alexandre Pedro, Anabela Mira, Andreas Piper, Anne-Louise Konczak, Carlos Pereira, Diana Costa e Silva, Guilherme Noronha, João Paulo Silva e Vasco Campos

No Teatro da Trindade


O Teatro da Trindade apresenta-se nos dias de hoje como um dos pólos mais atractivos para o público de teatro. Com quatro espaços: Sala Principal, Sala Estúdio, Teatro Bar e Teatro Politécnica, a diversidade de espectáculos é muita. Um dos espectáculos que está actualmente em cena é a peça "Como Tornar-se Um Fora-Da-Lei De Sucesso (em 10 breves lições)" da autoria e encenação de Pedro Górgia, com interpretação do próprio e de Nuno Machado. Esta peça está em cena na Sala Estúdio.

A Sala Estúdio está longe de ser das salas mais confortáveis de Lisboa, numa peça que dure mais de uma hora a cadeira torna-se inimiga da mesma. No entanto, tem as suas qualidades. E Pedro Górgia soube aproveitá-las. As duas principais são: o palco e o ambiente familiar que a sala propicia.

A peça afigura-se como uma comédia física. Isto quer dizer que não há texto, o que se torna num grande handicap para a captação de público. A sinopse que nos é previamente apresentada também não é a perfeição da apresentação. Mesmo assim, a minha expectativa era alta. Era alta na medida em que, conhecendo relativamente bem o Pedro Górgia como actor, estava à espera dum grande desempenho da sua parte. Ele não me desiludiu. Mas não tinha qualquer tipo de referência relativamente a Nuno Machado. E não gostando de qualificar os actores por um papel isolado, neste caso apetece-me dizer que ele está fantástico, indo muito para além da simples réplica na contracena com Pedro Górgia, tendo também ele os seus momentos brilhantes. Portanto, os dois actores demonstram que não estão a atirar-se de cabeça para um abismo quando decidem fazer teatro físico. Pelo contrário, sabem que são bons na expressividade corporal e que se podem destacar de muitos actores.

A encenação. (Nesta peça quando falo de encenação falo em tudo que não seja desempenho individual dos actores, desde a música até às ideias que costumam estar implícitas no texto dos actores.) Esta é praticamente perfeita. Perfeita porque o factor surpresa surge a qualquer momento e não apenas em circunstâncias de maior clímax. Perfeita porque durante os 60 minutos (que permite estarmos todo o espectáculo confortavelmente sentados) não nos lembramos que não há texto escrito, tal é a diversidade de elementos a prender-nos a atenção.

Ontem Pedro Górgia ao falar na rádio sobre o teatro de comédia realçou a importância da dicotomia entre actores e público. Na peça esta dicotomia é evidente. No final ficamos com a sensação de que não estivemos ali por acaso. Ficamos com a sensação que fomos convidados por Pedro Górgia e Nuno Machado.
Um pequeno destaque para uma terceira personagem que tem o difícil trabalho de durante a hora do espectáculo ter só as mãos em palco.

Já tinha saudades de ver Pedro Górgia em cena, fico com vontade de voltar a ver o Nuno Machado e na expectativa por novas encenações de Pedro Górgia.

Para quem estiver interessado em ver "Como Tornar-se Um Fora-Da-Lei De Sucesso (em 10 breves lições)", o bilhete só custa €8 ou €5,60 para jovens com menos de 25 anos e, está em cena só até dia 16 de Abril.

domingo, abril 02, 2006

3121

Estes podiam ser tempos aureos da Pop. Não muito tempo depois dos reis em questão terem lançado novos cds (Madonna e Robbie Williams), chega agora a vez de Prince, com o enigmático (de nome, só de nome...) 3121. Muita parra e pouca uva, é o que apraz dizer. Confessions on a dance floor e Intensive Care, aparte o show-off dos seus respectivos, pouco, se algo, vieram trazer. De 3121, idem aspas. Contudo, tal como os seus parceiros de infortúnio Pop, Prince aproveita também para apanhar o comboio das colagens. Madonna vira-se para os anos 80 e as suas discos, Robbie Williams deixa-se levar pelas ondas da Electrónica e Prince encosta-se, como nunca, ao mundo latino.
A verdade é que Prince, sob este nome ou outro qualquer dos que ele inventa, tem vindo a lutar desde os anos 80 contra a sua morte musical. E parecia, com Musicology, estar no bom caminho. Com 3121, deita tudo a perder. Esclareçamos as coisas. 3121 não é um disco horrível, mas é o contrário de tudo a que Prince nos habituou. É um trabalho insonso, sem ponta de emoção, sem o frenético abanar de corpos e mentes com que o autor de "Sexy Mother Fucker" já nos presenteou.
3121 podia muito bem ser feito por um qualquer porto-riquenho que nos anos 80 chegasse a Nova Iorque. Prince é fiel às suas origens musicais. Mais que fiel, está constragedoramente preso a elas. Desde as vozes sampleadas aos seus gritos característicos, cada vez com menos crença. Como tempero (muito pouco, diga-se) utiliza uma ritmicidade bastante latina, lembrando por vezes aqueles entediantes cds The Best Love Ballads. Prova cantada desta afinidade romântico-latina são "Te amo Corazón" ou "Lolita". O que realmente entristece é a completa falta de chama. Não há uma única música que empolgue, que apeteça dançar, cantar, exprimir qualquer tipo de emoção. Prince tornou-se alguém chato. É o fim da androgenia.
Título: 3121
Autor: Prince
Nota: 5/10