
Andrea é uma indie formada em direito que sonha com jornalismo e por isso se muda para Nova Iorque. Concorre e é aceite como assistente da almigthy Miranda Priestly, editora de moda da Runaway Magazine, uma das mais conceituadas revistas de moda. Andrea é absorvida por um mundo que desconhecia e sobre o qual tinha a sua opinião estereotipada e preconceituosa. Para além do inferno em que se torna a sua profissão, Andrea aprende a perceber e aproveitar o mundo onde se inseriu. Tudo isto até a sua vida pessoal começar a desaparecer.
Esta é a sinopse de
O Diabo veste Prada. Sem muito mais a acrescentar, para já, como se quer numa sinopse. É mais fácil fazer um grande filme sobre o racismo, do que um filme sobre o mundo da moda que chegue a roçar o mediano. É mais difícil fazer uma sátira ao mundo da moda, credível e não estereotipada, do que pegar num tema a priori oscarizável e concretizá-lo. Esta é a obra de David Frenkel. Para os mais desatentos, este é o homem por trás de uma série que criou laços ao longo das suas temporadas com uma legião de fãs compulsivas. Obviamente, David Frenkel realizou
Sexo e a Cidade.
A isso não será alheio a sua muito agradável realização neste filme. Com um ritmo acertadíssimo, planos que conseguem aproveitar o que de melhor tem (a interpretação das suas grandes actrizes, futuramente a rever neste mesmo post) e a experiência e calo que a série acima referida lhe proporcionou, Frenkel consegue o impensável.
O Diabo veste Prada não é um grande filme, não é o melhor filme do ano, não conta uma história imperdível, muito sinceramente não traz nada de novo à história do cinema (isto se considerarmos, e justamente, que Meryl Streep já faz parte dela), mas não era isso que se pedia, encarecidamente acrescente-se, ao realizador.
Pedia-se que, finalmente, se pudesse fazer um filme sobre moda que não fosse, à partida preconceituoso, de piada fácil e demasiado imbecil para ser mordaz. Frenkel mostra um mundo em jeito de o tentar perceber. E é apartir daí, quando o preconceito acabou, que a sátira, subtil como se deseja, começa. Para além disso, e exactamente por se abstrair que está a fazer um filme sobre moda, Frenkel consegue ainda provar que é possível haver entretenimento de qualidade. Que o cinema não se divide entre o de autor e o de pipoca.
O Diabo veste Prada é um filme sem morais fáceis, sem falsas lições de vida, puro entretenimento, com as inevitáveis emoções e problemas amorosos, mas, ponto fundamental, tem qualidade.
E é agora, quando se menciona a qualidade, que se refere Streep. Meryl Streep, dita por muitos a melhor actriz viva, dispensa apresentações. Ainda assim, para alguém mesmo muito distraído, refere-se aqui passageiramente
A Casa dos Espirirtos,
Kramer Vs Kramer,
As Horas,
As pontes de Madison County ou
Africa Minha. Óscar de melhor actriz secundária em 1979 por
Kramer Vs Kramer e de melhor acriz em 1982 por
As escolhas de Sofia, detém o recorde de nomeações para melhor actriz secundária (13). A caminho dos 58 anos, tem já 5 filmes anunciados para 2007. É esta a mulher de quem se fala. No papel de Miranda, a super-editora-workaholic que usa e abusa de todas as wannabe’s que a rodeiam com aspiração de assistente.
Streep é simplesmente genial. A expressão, o olhar, a humanidade na cena do quarto em roupão. Streep consegue fazer o que todos os actores pretendem. Ser outro. A postura, a voz, a colocação, o olhar, a intenção. A forma como consegue conceder um toque genuinamente humano a uma mulher cuja única noção de vida é a revista que dirige; a forma como tudo é uma analogia, os óculos por detrás dos quais se esconde, o sorriso que forçadamente planta, as provas a que submete Andrea como comparação à sua vida. Isto é Meryl Streep no seu melhor, mostrando, como diz muito acertadamente o
Y (isto começa a tornar-se um hábito) que não há maus papéis. Há más actrizes. Não é de todo o caso.
Passada esta obrigatória referência, convém reafirmar que
O Diabo veste Prada vale sobretudo pelas interpretações que apresenta. Streep é o paradigma, mas não se esgota nela. Anne Hathaway é Andrea, a mulher pela vida de quem somos confrontados com esse mundo novo. Apesar de clichezado, não deixa de ser relevante que seja a miúda independente, com traços de intelectualidade snob quanto à moda, manifestamente de fora desse mundo como atitude que venha a descobrir (e a integrar-se) tudo o que existe para além do preconceito.
Ainda assim, e não borrando a pintura, Hathaway não é do melhor que o filme tem. Emily Blunt (convenientemente no papel de Emily) é um bom contraponto para Hathaway, Adrian Grenier e Simon Baker nos papeis de namorado descontente mas apaixonado e galã irresistível mas desadequado, respectivamente, também convencem, mas
O Diabo veste Prada possui um dos melhores actores secundários da actualidade, Stanley Tucci. Tucci tem-se revelado em filmes menores, alguns inomináveis, como um actor de bagagem expressiva e emocional interessantes, com uma qualidade impressionante para o uso da ironia. Mais um Philip Seymour Hoffman escondido?
Se não consegue conceber cinema de qualidade para além da intelectualidade da profundidade, se entretenimento é o que se faz nas salas de espera de uma consulta, se Hollywood é exclusivo sinónimo de pipocas e risadas alarves ou acção desmedida, não veja este filme. Se gosta de cinema, se a representação é a base desta arte, se acredita que o ligeiro não significa o vazio, perca o seu tempo. Saiba à partida que esta adaptação do best-seller de Lauren Weisberger não é o filme da vida de ninguém. Mas alguns destes actores são.
Título: O Diabo veste Prada
Realizador: David Frenkel
Elenco: Meryl Streep, Anne Hathaway, Stanley Tucci, Emily Blunt, Gisele Bundchen, Adrien Grenier, Simon Baker, Tracie Thoms, Rich Sommer, Daniel Sunjata e Rebecca Mader.
E.U.A., 2006
Nota: 6/10